Chama

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 — Não fume aqui. — Atsuhiro arrumou o boné, cobrindo todos os fios e fitando o Todoroki.

 — O dono de boca tá me proibindo de ficar chapado é isso mesmo? — perturbou, mantendo o beck em uma mão e o isqueiro na outra na espera de uma razão convincente.

 — Não é sua casa nem minha boca. Tamo aqui para falar da liga, não para se divertir.

 — Dabi, guarde. — ordenou Tomura.

 A contragosto, fez o dito, mantendo somente o objeto criador de fogo entre os dedos, acendendo e apagando a pequena chama por puro prazer. Avermelhado, alaranjado, amarelado, por algum motivo a combinação de cores do plasma o trazia fascínio, era um mero utensílio do dia a dia no qual era fixado:

 — Desculpa o atraso! Não me arrependo de nada! — sequer necessitava mudar o foco para reconhecer Jin, se a voz não fosse suficiente, com certeza as frases contraditórias eram.

 — Vou começar logo dizendo que não conseguimos recuperar o corpo de Magne, como já sabem. — a voz rouca do líder soou pela sala de estar, sua casa era simplesmente o melhor lugar para isso no momento, visto que não possuía vizinhos, ninguém ousava comprar ou alugar as moradas ao lado.

 — Aquele filho da puta vai pagar. — afirmou Shuichi, em tom odioso.

 — Pula pra parte que interessa. — Toya não suportava passar muito tempo naquele cômodo empoeirado, estava ali com o único propósito de ganhar dinheiro e matar policiais.

 — Vai tomar no meio do seu cu, Dabi. — Iguchi se levantou, pisando forte na direção do mais alto e apontando o dedo em tom acusatório — Você nunca ligou pra ela, todo mundo viu quando cê deu um tiro na perna dela e falou aquele seu "desculpa" falso do caralho. É melhor mostrar respeito porque eu tô cansado da sua putaria e tô bem afim de meter uma bala na sua cara. Eu nem sei porque merdas a gente tem um doido igual a você aqui.

 — Spinner, já chega. — Shigaraki interviu — Nossos inimigos são a SH e a PM, viu? E Dabi, tenha respeito. Tu pode fazer a porra dos teus comentários de merda em qualquer outro momento, mas quando tamo falando da Magne, não.

 Se controlou o suficiente para ficar calado, com o corpo ainda tenso enquanto seu colega retornava para o sofá. O enrugado mexeu no cabelo azul, as raízes pretas já se fazendo presentes no couro cabeludo, e retomou o discurso:

 — O Overhaul me chamou, aparentemente ele quer uma aliança temporária e deu a entender que ele tem aquela nova droga e vai dividir se aceitarmos. Eu quero saber de vocês dois: qual é a dele? — se referiu aos responsáveis por informação, além de serem os poucos em pé.

 — Sobre ele eu nem sei, já a droga eu cheguei perto de conseguir um pouco, só que o cara sumiu depois. — revelou Sako.

 — Ele matou um capitão no baile, tá na cara que a PM vai ir com tudo pra cima dele. — revelou o maior.

 — Por que não contou antes? — as orbes escarlate o capturaram com precisão, insatisfeitos.

 — Não sei, por que não contou que iam invadir?

 Travaram uma disputa silenciosa ao se encararem, nenhum recebendo sua justificativa com a reunião simplesmente prosseguindo para outros assuntos. Feliz foi o momento em que saiu da residência, tomando a moto e parando apenas para comprar cerveja no caminho, o ajudaria com a raiva de Tomura e suas decisões ridículas. Estaria tudo bem, mexia no isqueiro no bolso por costume, o fazia bem, mesmo que fosse proibido o uso no estabelecimento.

 Congelou no ato quando cometeu o erro de cruzar olhares com a pessoa que menos queria ver na vida inteira, o que diabos Enji fazia ali? Permaneceram na mesma posição por segundos, Toya mudando apenas quando o pai ameaçou caminhar até si. Subiu a camisa e abaixou levemente a bermuda, exibindo a pistola sem receio, era seu território e o ruivo não tinha direito de pisar nem na base daquele morro.

 Viu o outro desistir, com uma expressão desaprovadora, mudando o trajeto e desviando do filho. Entrou com o sangue fervendo e não saiu mais calmo, assustando o caixa pelo descontento aparente. Quando chegou em casa abriu uma das latas, com as mãos trêmulas e expelindo todos os palavrões em que fora capaz de pensar. Vendo que não era suficiente, passou a questionar-se o que mais poderia fazer para relaxar.

 Mandou uma mensagem para Hawks, o loiro sempre vinha, não importava quando, porém percebeu depois de enviado que o tempo de deslocamento seria irritante. Tinha que ser imediato, um alívio instantâneo, portanto pesquisou pelo armário de bebidas em busca de algo de maior concentração, parando na vodka. Não tinha mais álcool puro, aquilo deveria servir para o propósito desejado.

 Passou a juntar tralhas no quintal, de revistas e jornais velhos a uma cadeira de madeira quebrada e galhos da árvore ali presente. Jogou inclusive o lixo da cozinha na pilha relativamente alta, em seguida derramou a bebida e acendeu um fósforo, atirando-o. Não tinha medo da proximidade, acreditava que não faria diferença em seus membros já deformados, acertou e viu o fogo engolir os objetos com uma presença violenta.

 Um sorriso apareceu em seus lábios, era um espetáculo majestoso, uma performance espetacular da chama que nunca deixaria de o prender não importa o quanto o realizasse, pois toda vez era diferente. Podia se queimar tantas vezes quanto fosse, se afastar estava fora de questão, tudo que lhe interessava era vigiar o crepitar incessante. Perdeu a noção do tempo, variando entre goles do conteúdo do recipiente de vidro e alimentar o fogo com este.

 Não fazia ideia do horário quando o loiro apareceu na porta de vidro, completamente confuso com a situação, só naquele momento ele se recordou que o mais novo sabia onde ficava a chave extra:

 — O quão bêbado tu tá?

 — Não tanto quanto parece. — derramou uma pequena quantidade na fogueira quase extinta.

 — Vodka pura, cara?

 — Não te chamei pra encher meu saco sobre o que eu bebo. — ingeriu mais, sentindo a queimação na garganta — Tem cerveja na geladeira.

 — Na real, depois dessa eu nem sei pra que você me chamou aqui. O São João chegou mais cedo?

 — Engraçado pra porra, você. — levantou, constatando que não haviam mais que cinzas ali, andando até o menor — Te chamei pra foder, não é óbvio?

 — Vamos resolver isso então.

Boku no morroWhere stories live. Discover now