Capítulo 26

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                           Eu nunca comentei sobre meu desempenho no trabalho - fico envergonhada de admitir as bobagens todas que já fiz com panelas queimadas, pedidos trocados e produtos que esqueci de pedir aos fornecedores. Dona Sara sempre foi muito paciente comigo, e a Manu sempre está de bom humor; a Kércia nunca disse nada, apesar de me julgar com o olhar, de vez em quando; mas a dona Silvia me pegou algumas vezes para ensinar e chamar minha atenção por algo errado, e nessas horas eu queria cavar um buraco na terra e desaparecer. Mesmo assim, ela nunca me fez sentir que meu emprego estava em risco por causa dos meus erros, e sempre elogiou quando tive iniciativa ou fiz algo melhor do que o esperado. Então eu sabia que podia continuar trabalhando no restaurante por um longo tempo, se eu quisesse. Só que eu sempre tive em mente que aquele era um emprego transitório, porque eu precisaria estagiar para concluir o curso, e, depois de formada, passaria num concurso. Talvez aquele fosse o único emprego que eu teria em toda a minha vida. 

                          Também não pensava em fazer outro curso além de Direito. São tantas as atividades que uma pessoa formada em Direito pode exercer que eu sabia que devia existir uma que eu gostasse. Se eu passasse num concurso, e não gostasse da atividade, ou do local, ou das pessoas, eu podia simplesmente passar noutro. E, apesar do meu desempenho ridículo no exame, não passava pela minha cabeça a possibilidade, por exemplo, de eu não passar num concurso. Eu tinha convicção de que tentaria até passar. Enquanto meus pais me sustentavam, eu achava isso muito natural. Agora que eu estava por minha conta, eu estava me perguntando se tudo seria tão simples. Eu não tinha conseguido um emprego por meus próprios méritos, mas sim por causa da amizade da minha irmã com a Manu. Eu não tinha como pagar a faculdade, e, se não entrasse na Universidade pública, teria que abandonar o curso, e, com ele, todos os planos de ser concursada - eu não tinha a menor estrutura para cuidar de gente doente, então fazer enfermagem era um preço muito alto para realizar esse sonho. 

                        E se, por acaso, eu fizesse uma grande estupidez no trabalho, e fosse despedida, como eu ia continuar morando na casa da mãe da Kércia? Mesmo pagando um aluguel, seria muito constrangedor. Então eu fiquei pensando que precisava tomar algumas medidas mais definitivas.

                           Esses problemas eram suficientes para que eu simplesmente desistisse de qualquer ligação com o escritório do meu pai. Se houvesse alguma parte da herança do meu avô, quando ele viesse a falecer, isso viria para mim independente do meu envolvimento com os problemas que meu pai deixou. Eu não precisava me envolver nisso. Só que eu pensava que, talvez, eu fosse a única esperança da Denise receber o que lhe era devido, e da Débora receber o que merecia. Se eu deixasse o escritório nas mãos da Sabrina, e da tal Brisa, provavelmente não sobraria nada para elas, e isso não seria justo. Além do mais, se eu recebesse algum dinheiro, todos os meus problemas estariam resolvidos: eu poderia pagar a faculdade, ter uma reserva caso precisasse me manter de outra maneira. 

                           Manu percebeu que eu estava especialmente distraída e nervosa, e me encarregou de organizar a sala de arte para o curso de empreendedorismo que aconteceria naquela noite.  Eu havia feito quase todos os cursos até então, e me interessara especialmente por fotografia, desenho, aromaterapia e fermentação natural, mas aquele, especificamente, não tinha me chamado a atenção. Estava limpando e organizando os móveis quando alguém chegou à porta e me chamou: 

                         - Joana?

                        Olhei, e vi um rosto familiar, mas não sabia quem era. Uma mulher magra, de cabelos brancos, presos num rabo de cavalo, vestindo um terninho azul e sapatos de salto alto.

                        - Pois não?

                        - Eu fiquei de te ligar, mas estava aqui perto, e resolvi vir pessoalmente falar com você. Eu sou a Brisa.

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