Capítulo 23

21 2 0
                                    

                  Kércia e sua mãe ainda estavam acordadas quando cheguei. Fui direto ao meu quarto e comecei a pesquisar o nome do meu pai na internet. Queria tentar descobrir no que ele estava metido.
                   Havia uma série de processos que apareciam nas pesquisas, e comecei a abrir um por um. A maioria eram casos em que ele era o advogado, e fui observando quem eram os clientes. Algumas empresas - construtoras, empresas de material hospitalar, uma rede de hotéis - com mandados de segurança contra licitações da prefeitura e do Estado; várias pessoas físicas - habeas corpus e outros processos criminais.
                    Localizei também processos em que ele era autor ou réu - principalmente ações de execução, cobrança, busca e apreensão de bens. Duas ações de divórcio, que eu bem conhecia - Letícia Pitombeira, e minha mãe - e quatro ações de pensão alimentícia, cujos nomes das partes autoras estavam em segredo de justiça.
                       Finalmente, pesquisei as notícias a seu respeito. Colunas sociais - eventos da alta sociedade, em companhia de juízes e desembargadores; páginas policiais - falando em defesa de alguns clientes; e, numa matéria sobre política, seu nome aparecia como advogado do consórcio de empreiteiras que estava envolvida com licitações fraudulentas, com vários de seus diretores presos, conforme eu já havia acompanhado anteriormente pelos jornais.
                         Quando o dia amanheceu eu estava pesquisando meu resultado no exame da Universidade. Minha pontuação havia sido melhor que a anterior - pelo menos isso era uma boa notícia. Continuar morando na casa da tia Sara, tia da Manu; continuar trabalhando no restaurante; e estudar sem pagar mensalidade. Era esse o plano, e parecia estar se desenhando direitinho.
                           Eu não ia deixar os problemas dos meus pais abalarem meus próprios planos, ainda mais agora, que eles pareciam estar bem organizados. Era dia claro quando fui dormir.
                             Por volta das 11h acordei combina ligação da Débora:
                              - Joana, papai faleceu.
                              Manu foi comigo ao enterro, naquela mesma tarde. Poucas pessoas estão reunidas. Alguns advogados do escritório. Sabrina estava lá, com a Denise; Dr. Torres mandou uma coroa de flores. Eu soube que ele pagou pelo enterro. Duas mulheres, muito bem vestidas, usando enormes óculos escuros, entraram, muito sérias, no local do velório.
                              - Aquela é a Lígia - Denise me disse - e a outra é a mãe dela.
                              Minha mãe chegou com a Débora, e agia como se não estivesse num enterro, mas num evento social, conversando com cada um como se quisesse diverti-los. Quando se aproximou de mim, abriu os braços. Eu a abracei, e ela me disse:
                               - Foi melhor assim. Se ele tivesse deixado esse hospital com saúde, ele teria ido direto pra cadeia. - e foi conversar com as outras pessoas.
                               Lígia e sua mãe logo se foram. Denise soluçava. Brenda apareceu enquanto o caixão estava sendo baixado na cova.
                                - Como você está?
                                - Não sei. Triste. Confusa. Aliviada. Preocupada.
                                 Minha mãe veio ao nosso encontro. Brenda se apressou:
                                  - Dona Roberta, o Dr. Armando disse que vocês podem contar com ele para o que precisarem.
                                   - Eu quero que ele consiga um apartamento para a Joana morar. Coitada, está morando de favor!
                                    - Eu alugo um quarto, mãe! - falei rapidamente.
                                    - Claro, dona Roberta - Brenda disse, com seu sorriso cínico - é só a Joana passar lá para assinar os papéis. Inclusive, Joana - ela voltou a se dirigir a mim - tem uma vaga de estágio lá no escritório, você está participando da seleção?
                                      - Eu já tenho um emprego e um apartamento.
                                      Débora chamou minha mãe para irem embora, e minha mãe me perguntou se eu ia pra a festa de formatura naquela noite, já que eu não tinha ido à cerimônia, na véspera.
                           - Eu fui, - respondi - só não fiquei até o final. Mas vocês vão à festa hoje? No dia do enterro do papai?!
                           - A Débora passou o ano inteiro pagando essa festa. O pai dela vai estar lá. Por que ela não iria? Tenho certeza de que se o Carlos estivesse vivo, ia querer que ela fosse comemorar essa conquista.
                            E se afastou. Ao passar pela Denise, entregou-lhe um papel; em seguida, saiu com a Débora. Eu fui falar com a Denise. A Sabrina já tinha ido embora. Foi Denise quem falou comigo, depois de ler o papel:
                              - Quando sua mãe voltou a usar o nome de solteira?
                              E me mostrou o papel: era um recibo da sua parcela do apartamento, e estava assinado por ROBERTA Maria Celeste da Silva. Minha mãe fez questão de manter o sobrenome Costa depois de se divorciar do meu pai. Por que ela estava usando o nome de solteira?
                              Brenda me seguiu:
                               - Onde você está trabalhando? - ela perguntou, como se ainda fôssemos amigas.
                                - No único emprego que consegui: no restaurante da Manu.
                                - Sério?!... Já aprendeu a cozinhar?
                                - Um pouco... mas não é essa a minha função. Eu ajudo no salão e na cozinha.
                                - Por que você não quis o apartamento do Armando?
                                - Porque eu não achei gostei do jeito que ele falou comigo... parecia que tinha segundas intenções.
                                - Nossa! Você se acha, Joana! Esse é o jeito dele, ele gosta de flertar, mas não tem nada a ver... O Armando é casado!
                             - Seja como for, não confio nele. - "Nem em você", eu pensei em dizer, mas não disse.
                             - Joana, quando o cavalo selado passa, você monta.
                              - Minha mãe disse isso, uma vez. Ela disse que esse cavalo selado só passa uma vez. Mas, no caso dela, o cavalo selado passou 3 vezes. E, nas duas primeiras vezes, ela tomou um tremendo tombo. Eu passo.
                                - O apartamento que eu estou morando é ótimo, tem vista para o mar - disse Brenda - e tudo indica que eu vou ser efetivada no escritório ano que vem. Consegui bolsa na faculdade, e vou sair da loja da minha tia. Se você quiser, eu indico você para ela.
                                 - Para ela dizer que sou muito inexperiente? Não, obrigada.
                                 - Como você é ingrata, Joana! Eu nem falei a verdade pra você não se chatear. A minha amiga, a Érica, não disse que você era inexperiente - eu disse isso pra você não ficar magoada. Ela disse que você é muito patricinha.
                                  - Foi ela que disse isso, mesmo? Você me chamava assim antes de ser minha amiga.
                                    - Foi ela, sim; mas você acredita se quiser. Assim como você pode acreditar na Meire, a secretaria amargurada lá do escritório, ou em mim: eu falei a verdade sobre a vaga do estágio. Ela mudou a data e ficou de avisar você, mas esqueceu. Ela jamais admite que erra. Mas você prefere desconfiar de mim, sua única amiga.
                                     - Felizmente você não é minha única amiga - ou eu estaria perdida!
                                      - A Manu? Manu não é sua amiga! Ninguém faz nada por ninguém sem esperar algo em troca! E o Bruno, já estão  namorando?
                                      - Não. Ele é muito tímido.
                                      - Não existe isso! Ele não é tímido; ele não está interessado! Deve ter outra, e está deixando você engatilhada caso não dê certo com a outra. É o que todos os homens fazem.

Contrata-se, com ExperiênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora