Capítulo 2

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                          Depois do episódio do piercing, decidi procurar um emprego. Não queria mais ninguém mandando no meu nariz, literalmente. Na verdade, eu já vinha pensando nisso há algum tempo, porque as coisas não estavam muito bem lá em casa. Bom, as coisas nunca estiveram bem lá em casa, porque o clima sempre foi péssimo, mesmo; mas desta vez, além das brigas, percebi que estava faltando dinheiro. A TV a cabo foi desconectada, meu cartão de crédito foi cancelado, a geladeira estava sempre vazia... A empregada colocou meus pais na Justiça, e estávamos com uma diarista que já disse que não vem mais, depois que minha mãe disse, mais uma vez, que tinha esquecido seu dinheiro e pagaria na próxima. Mas meus pais sempre diziam que estava tudo sob controle, então eu acho que eu demorei a entender que o problema era falta de grana.

                           Até o ano passado, quando eu pedia dinheiro, meu pai não perguntava nada. Agora ele fazia um interrogatório completo, e se a justificativa não passasse no critério dele, o pedido era negado. Minha mesada mal dá para as despesas com a faculdade. Meus pais pagam o curso, mas tenho que pagar o lanche, os livros, as cópias... por sorte eu trouxe um computador novo dos Estados Unidos, no ano passado, mas como é que eu vou imprimir sem dinheiro para o cartucho da impressora, para o papel...? Daí meus pais me dão esse dinheiro, dizendo que é um investimento no meu futuro, mas agora estavam regrando muito. E eu estava de saco cheio de dar explicações. Será que eles não entendem que ser jovem é caro? Toda semana tem festa pra ir – e não é opcional: faz parte da socialização – e a bebida nesses lugares é muito cara! Eu trago roupas dos Estados Unidos, mas já faz mais de um ano que eu fui, como eles esperam que eu ande por aí? Nua? Esfarrapada? Sem condições. E tenho despesa com maquiagem, salão de beleza, gasolina do carro, crédito para o celular... ah, não acabei de pensar: será que eles vão trocar meu celular no meu aniversário? Este já tem mais de um ano!

                          Enfim, foi por isso que eu comecei a pensar em arranjar um emprego.

                         Na verdade, a ideia teve inspiração na Brenda, minha ex-melhor-amiga. Nós nos conhecemos no primeiro dia de aula, na faculdade. No começo, segundo ela disse, não ficamos amigas porque a maioria das meninas era bem patricinha, e ela não tinha grana, então não ia pras festas com a gente. Na sala de aula a turma se dividia entre a parte concurseira, que ficava lá na frente copiando, gravando, filmando ou digitando tudo o que o professor dizia, e a ala dos "só-tô-aqui-pelo-diploma", que se sentava pelos cantos da sala, encostados nas paredes. Nos primeiros dias fiquei lá na frente, muito empolgada, mas aos poucos fiquei meio sem paciência com as meninas, porque elas eram muito competitivas. Bom, não foi só por isso, mas também porque era difícil aguentar a aula inteira sem dormir. Não é minha culpa! Eu chegava à faculdade exausta! À tarde, fazendo cursinho, porque meu pai quer-porque-quer que eu vá estudar na Universidade pública; e à noite, bom, tem as festas, já disse.

                       A Brenda também passava a aula se aguentando para não cair no sono, mas por outro motivo: ela trabalhava numa loja, no shopping, até as dez da noite; ia para casa de ônibus, e tinha que estar cedo na faculdade. A gente saía no meio da aula para tomar café, ou ficávamos conversando e rindo baixinho para permanecer acordadas.

                      Depois de uns dias, a Brenda me pediu carona para o trabalho – eu ia para casa, tomar banho e almoçar, para depois ir para o cursinho, e o shopping era no caminho, então fomos conversando, e eu vi que ela era muito inteligente e divertida. Passamos a sair juntas todos os dias, depois fui conhecer a papelaria da sua tia, onde ela trabalhava; e, fomos ficando melhores amigas. E a Brenda se vestia bem, estava sempre maquiada, com o cabelo arrumado. Ela dizia que, mesmo ganhando pouco, administrava bem seu dinheiro. Ela me ensinou umas feirinhas onde dá para comprar roupas super baratas, apesar de não vender jeans e camiseta, mas era tudo tão barato que eu acabei comprando algumas peças. Mas até isso – roupa, que é item básico – foi uma luta para conseguir o dinheiro. Tive que dizer para minha mãe que eu tinha que comprar uns livros para a faculdade, e esconder as compras na casa da Brenda. Ou seja, meus próprios pais estavam me obrigando a mentir!

Contrata-se, com ExperiênciaWhere stories live. Discover now