Parte Dezoito

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— Você tem certeza que será aqui? – Sullivan fitou Perséfone atentamente e mirou a cidade abaixo.

— Mais do que certeza, Sullivan. Foi aqui, na Sicília, que começaram a me cultuar. Foi neste solo, que a milhões de anos meu poder nasceu e me tornei imortal. A Sicília é meu berço. E o Etna será meu baú do tesouro. – A deusa se virou para a boca do vulcão e fitou a lava borbulhando em seu interior.

— Quando começará?

— Assim que estiverem todos aqui. – Perséfone estava centrada. Olhava para as nuvens.

Uma explosão cinzenta ao lado do Caçador de Dragões e da bruxa trouxe à tona um homem alto. Tinha a barba rala e o cabelo no tom de areia todo bagunçado. Estava acompanhado de uma mulher e outras pessoas que foram aparecendo com diversas explosões de fumaças, cada uma com uma cor diferente. Todos estavam vestidos com capas cinzentas.

— Louis! Meu garoto. – Perséfone se aproximou do homem e fitou-o nos olhos. – É chegado o grande dia para o qual te preparei. Para o qual preparei todos. – Ela olhou para os outros encapados. – Veja como você está magnífico. Superou minhas expectativas, vejo em seus olhos o meu reflexo. – A deusa fitou os olhos roxos de Louis.

— Eu que sou grato, Perséfone. – Louis disse beijando a mão da mulher.

— Sullivan, a caixa. – Perséfone pediu para o homem que rapidamente se aproximou com uma caixa rudimentar de madeira, o Baú da Fortuna. – Você deve portar essas joias na hora do ritual, Louis. O Baú da Fortuna foi um presente de Hécate. Ele irá ser o elo que te ligara a mim e a maldição.

Perséfone pegou dois anéis pequeninos com uma fluorita redonda no meio, brilhando o roxo do seu interior e colocou nos dois dedos mínimos da mão de Louis. Em seguida dois anéis um pouco maiores com uma safira amarela no meio para os dedos anelares. Para os dedos médios foram os maiores anéis, com um topázio azul, no indicador os anéis eram de tsavorita, verdes como a grama num dia de sol. E então para os polegares, anéis de diamante vermelho.

A deusa pegou dois braceletes feitos de ouro repletos de pedaços de cristal e colocou no pulso do primeiro bruxo. E enfim um colar de ouro com um círculo de cristal na ponta.

— Você está pronto! – Perséfone sorriu para Louis.

Dessa vez uma ventania forte, acompanhada de trovoadas e calafrios em todos arrastou toda a calma no ambiente. Risos fracos e maliciosos correram pelo ar. Alguns se hipnotizaram pela voz que trazia aquela gargalhada. Enquanto a risada repercutia pelo vulcão, uma explosão de grãos e folhas trouxe Deméter. Hécate surgiu logo em seguida. Macária, Sabázio, Melinoe, Pluto. Os encapuzados, apesar de já terem sido apresentados à magia, estavam se assustando. Conforme o sol foi se pondo e a noite ganhando espaço, o circo de horrores começava a ganhar mais convidados, e a risada arrastada pelos ventos se tornava cada vez mais alta.

Decatur, o dragão de Sullivan, chegou em um rasante e pousou ao lado do dono. Aracne surgiu camuflada pela escuridão. Equidna veio se arrastando com suas crias monstruosas logo atrás. Medusa deu as caras e antes que pudesse petrificar alguém, com um aceno de mão, Perséfone a vedou. O Minotauro chegou com toda sua glória. Hélio entrou trazendo luz ao ambiente, mas logo se apagou. Não paravam de surgir criaturas antigas, mortas por heróis e deuses há várias décadas. A risada cessou e então com uma surpreendente explosão de hortelãs, Circe apareceu e caminhou até Perséfone.

— O caminho ao qual trilha não tem volta. Deverá levar até o fim. – A feiticeira fitou a deusa.

— Circe, já conversamos sobre isso. Eu tenho total consciência do que estou prestes a fazer. Agora que se inicie.

Circe agitou sua mão no ar e os glóbulos oculares ficaram totalmente brancos. Um enorme pentagrama brilhara sobre a boca do Etna e a feiticeira caminhou em cima dele, ficando em levitação sobre a lava quente que esperava faminta para que algo caísse em seus calores. Todas as criaturas começaram a se juntar ao redor do pentagrama enquanto Circe entoava algumas palavras.

O.R.A. O.R.A. O.R.A. Objetivo, Repulso e Ancora. ORA. ORA. ORA. Objetivo, Repulso e Ancora. - Um nevoeiro começou a tomar conta de tudo com o encantamento de Circe. – Perséfone, me entregue a Ancora.

Perséfone excitou um pouco e então começou a caminhar sobre o diagrama, observando se não iria cair em direção à lava. Trouxe com sua magia, a Excalibur para suas mãos e se prostrou ao lado da feiticeira. Circe voltou a falar em uma língua entranha, e então pediu para que Perséfone lançasse a espada na lava. A deusa fitou a lâmina e pensou no que estava fazendo. Era aquilo que ela desejava, e era aquilo que ela faria. Excalibur despencou pela boca do vulcão e raios no céu fizeram tudo tremer.

— O Objetivo. Diga o Objetivo do jeito que ensaiamos. – Circe passou a mão pelo rosto de Perséfone. – Deixe que a Maldição te conduza. Agora você deve guiar as coisas para o fim. – Os olhos da feiticeira voltaram ao normal e ela começou a andar de costas para fora do pentagrama.

Um calafrio correu pela espinha de Perséfone, era a Maldição que estava se conectando a ela para que ela conduzisse o evento para o seu término. Deméter a fitava de longe mandando energias para que nada desse errado.

— O... o... me... – Perséfone não estava se sentindo pronta. Fechou os olhos e viajou por toda a sua história, por tudo que sofreu com os olimpianos, e a sua raiva foi vindo à tona. Ela abriu as pálpebras violentamente, e os olhos não passavam de faroletes de luz roxa. Perséfone começou a levitar e ir cada vez mais alto. A voz engrossara e ela sentia a Maldição correndo pelas suas veias, pronta para ser liberta. – O Medo e Caos vêm à tona. Eles perseguem a todos. Mortais, criaturas mágicas e até deuses. O Medo fará que tema a mim, por isso eu sacrifico o sangue de Phobos, cria de Ares. – O deus do medo foi arrastado por Sullivan até o meio do pentagrama. Ele estava todo acorrentado e se esperneava. O Caçador não excitou por um momento e deu o mesmo destino que a espada teve para Phobos. – O Caos trará desordem à Terra, para que eu possa reinar, por isso sacrifico a energia que originou o planeta. – Uma ventania forte demais soprava todos com muita força. – Apresento aqui a minha raça. A raça que dominará. A raça que vencerá. A raça que matará. E a mesma que por mim, sangrará. – Louis pegou na mão da mulher que estava ao seu lado e os dois começaram a formar uma corrente junto dos outros encapados. – O mundo será dos bruxos, do Medo e do Caos. E sobre ele só uma pessoa reinará. Será eu, Perséfone, a Má!

Todos tentavam se manter em pé, mas o vento levava-os direto ao chão. Era difícil manter os olhos em Perséfone, a deusa flutuava enquanto raios faiscavam de seu corpo, névoa dominava o lugar, e o vulcão começava a ganhar vida.

Ficará a salvo aqueles que me venerar. Protejo os meus Aliados da Maldição e transformo minha melhor criação, Louis Francher, em meu Repulso. O primeiro bruxo, o original. Será ele a chave para a libertação de todo o mal.

— Louis! – Berrou a mulher quando o bruxo foi arrancado pela magia de Perséfone de sua mão e puxado para o centro do pentagrama.

— Isadora, não se mecha. – Pediu Louis enquanto era arrastado à toda velocidade para o meio. Ele estava começando a sentir a queimação da lava mesmo antes de desabar dentro do vulcão.

Perséfone olhava o bruxo abaixo de si ser arrastado até ficar sob ela e então, ao invés de cair no mesmo abismo que Phobos e a Excalibur, um raio lhe atingiu em cheio. Perséfone tocou os pés no pentagrama e então puxou Louis de volta com um movimento de mão e correu para fora da boca do Etna. O vulcão espumava e a lava subia ferozmente. Todos os Aliados de Perséfone começaram a correr. A deusa ainda estava a meio caminho do solo, com Louis sendo arrastado, quando sentiu um frio na barriga e Decatur os arrancou do chão e colocou-os em segurança longe da morte.

O Etna estava prestes a transbordar, e então a lava se transformou em fumaça roxa. Uma vastidão roxa que saíra velozmente do vulcão e começara a se espalhar pela Sicília. Itália. Europa. Quando a noite chegava no seu ápice, o mundo estava dominado pela maldição. Todos corriam. Nem deuses escaparam, tanto em céu, quanto em terra, mar ou subterrâneo. Perséfone sorriu amargamente. Sua vingança estava para começar.



Perséfone - A Origem (Bruxos e Deuses)Where stories live. Discover now