Parte Quatro

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— Deméter, as terras estão estéreis, e todos estão sofrendo com falta de alimentos. – Zeus dizia para a deusa.

— Não tem como eu cuidar das minhas tarefas no momento. Faz um mês que Koré sumiu e eu preciso encontrá-la. – Deméter colocou um xale de palha seca e se retirou. – Você como pai deveria se preocupar mais.

— Aonde você vai? – A voz do deus retumbou como um trovão.

— Atrás de minha última esperança. – Disse a mulher sem olhar para trás.

Deméter descera à terra dos humanos e se deslocara para uma floresta. Um pátio em ruínas, quadrado, do tamanho de uma quadra de tênis. Havia um portal de entrada e nas outras três paredes, três outros portais. No centro do pátio cruzavam-se dois passeios calçados com seixos, formando uma cruz e os dois lados tinham suportes de metal para tocha. Muita Névoa dominava o pátio, se retorciam e ondulavam como se tivessem vida. Por um momento ela sentira arrepios no corpo.

— Estou aqui. – Deméter ascendeu uma tocha para iluminar o caminho.

— Bem a tempo. – Um homem alto, pele bronzeada e corpo escultural. Os cabelos oleosos e loiros, brilhando como o sol. Olhos azuis como o céu límpido. Usava uma túnica branca de linho e uma sandália de cabedal com várias tiras.

— Hélio, o prazer é todo meu. – Deméter olhou para a personificação do Sol em carne e osso. – Onde está ela?

— Bem aqui. - Uma jovem surgiu; usava um vestido escuro sem mangas. Seu cabelo dourado, no estilo grego clássico. Seu vestido era tão sedoso que parecia ondular. E os olhos negros. — Como combinado.

— Hécate! Esplêndido! Você conseguiu trazer o homem que a tudo vê. – Deméter poderia bater palmas para a feiticeira se não fosse sua tristeza.

— Eu não quebro com minhas palavras, Deméter. – Hécate a fitou por um tempo. – Vamos ao preço...

— O que você quiser desde que traga minha filha de volta. – A deusa da agricultura ficou com os olhos brilhando e pequenos pés de trigo brotaram aos seus pés.

— Eu quero Koré como aprendiz.

— Só isso? Este é o seu preço? Pois eu o pago.

— Muito bem. – Hécate sorriu de canto. – Hélio, fale para ela onde a pobre menina está.

Hélio, que estivera quieto desde que chegara se aproximou.

— O Rei do Submundo a levou para os seus domínios enquanto a garota colhia flores. Ele a quer como esposa. – A voz calorosa do homem era calma e ao mesmo tempo urgencial.

— Oh! Então é por isso que aquelas ninfas que dei corpos de abutre não a encontraram.

Deméter nunca sentira tanta felicidade na vida. Sabia onde achar a filha, só precisava chegar até o submundo. Retornou até o Olimpo o mais rápido que pode.

— Onde está Hermes? – Bradou a deusa ao encontrar todos os deuses reunidos no salão principal do Olimpo.

— O que você quer com o Mensageiro? – Zeus indagou.

— Preciso que ele me leve até nossa filha.

— Você a encontrou? – Zeus bradou.

— Hades a raptou! – Disse Deméter secamente.

— Deméter, olha quem chegou. – Hera apontou para as portas, a voz com o tom ácido e esnobe de sempre.

Hermes entrava voando com suas sandálias aladas.

— Você não tem tempo para descanso, Mensageiro. Me leve até o Mundo Inferior, ao palácio de Hades. Preciso recuperar Koré.

— Mas minha senhora...

Agora! – O Olimpo se silenciou ao berro de Deméter.

— Antes de ir, tome este chá de papoula. – Héstia estendeu a xicara para Deméter. – Você precisa se acalmar minha irmã, desse jeito não conseguirá colocar as ideias no lugar.

Deméter tomou o chá e sentiu os nervos se acalmarem aos poucos, como num efeito dominó.

— Leve-a. – Héstia falou para Hermes.

O jovem mensageiro pegou Deméter pelos braços e voou para longe do Olimpo. Adentraram em uma caverna cheia de estalactites, que mais pareciam dentes prontos para se fechar sobre eles. Quando a deusa percebeu já estavam no Mundo Inferior. Os gritos guturais dos mortos lhe incomodavam. Pousaram a frente do palácio de Hades. Deméter correu as escadarias e escancarou as portas, Hermes veio logo atrás.

— Que invasão é essa? – Disse Hades surgindo de uma sombra.

— Onde está minha filha? Onde está Koré?

— Calma. Calma. Eu não estou com sua...

As portas que davam no jardim se abriram e Koré veio sorridente.

— Koré! – Deméter abraçou a filha e desatou a chorar. – Eu vim te salvar. Vamos para casa.

— Vamos! – Koré disse sorridente. – Eu não vejo a hora de voltar à superfície. Como a senhora me encontrou?

Então Deméter contou tudo que aconteceu até chegar ali.

— Chá de papoula? – Koré olhou para a mãe. – Farei da papoula meu símbolo para sempre me lembrar do seu amor por mim. – A menina saltou e deu um beijo na bochecha da mãe.

— Sinto em lhes dizer que Koré não pode mais se retirar do meu reino. – Hades interrompeu as duas sem demonstrar emoções.

— Como assim? – Deméter o encarou. – Ela é minha filha e vem comigo!

— Acho que até Hermes entendera o grau da situação... – Hades olhou para o mensageiro. – Koré comeu uma romã do meu jardim.

— Eu comi só seis sementes. – Disse a garota apreensiva. – Eu juro que não foi uma romã inteira, mas eu não resisti... elas pareciam tão gostosas... e realmente eram!

— É... Deméter, ela não pode sair daqui ou morrerá. Ela comeu algo do submundo, isso quer dizer que em parte ela aceitou Hades. – Hermes olhava do deus dos mortos para a deusa da agricultura.

— Não pode ser. – Os olhos da deusa encheram de lágrimas.

— Koré me pertence agora, Deméter. – Hades se aproximou da menina e envolveu o braço em seus ombros.

— Zeus não vai deixar assim! Ele vai retomar nossa filha!

Perséfone - A Origem (Bruxos e Deuses)Onde histórias criam vida. Descubra agora