⤷ 𝐂𝐚𝐩𝐢𝐭𝐮𝐥𝐨 𝟏𝟓

34 5 3
                                    

A discussão se prolongara tanto que me senti obrigada a sair do recinto pra não piorar a situação, já que não conseguia contribuir para a melhora da mesma. Por conta disso, vou tomar um ar lá fora.

Já estava escurecendo, o tempo passara rápido. Noto que a temperatura havia abaixado drasticamente. Techno computava o horário terrestre em 17h52, mas acredito que o ciclo do dia por aqui não era o mesmo. A duração aparentava ser menor.

Recosto-me em uma rocha gigante que tinha perto do celeiro e entrelaço os braços ao olhar para o céu, como num gesto automático.

Era uma bela noite, dava pra ver inúmeras constelações conhecidas por um ângulo diferente do que éramos acostumados na Terra. Queria tanto que meu visor holográfico estivesse comigo neste momento...

Sinto uma brisa suave percorrer delicadamente meu rosto, trazendo todo aquele cheiro de ar puro natural às narinas. Permito-me fechar os olhos por um breve instante para aproveitar a sensação de paz e sossego momentânea. Este exercício de percepção também ajudava a acalmar os ânimos naturalmente.

Não dura cinco minutos, até que ouço passos apressados se aproximarem pelo gramado, os quais logo se tornam mansos conforme a distância até mim diminuía. Era o Capitão, podia sentir o cheiro daquela colônia de longe.

Aproveitando os últimos milissegundos da paz que havia resgatado, vagarosamente descolo as pálpebras para observá-lo.

– Ah, me desculpe. Eu não... queria atrapalhar – diz sem graça.

– Tudo bem. 

Volto meu olhar ao céu para contemplar a linda vista. Kirk desvia o olhar para o mesmo lugar, curioso com o que eu tanto olhava, então repousa por fim seus olhos na minha pessoa. Parece até que havia um sexto sentido que me alertava quando os outros focavam em mim, porque sempre me sentira incomodada com a atenção.

Por conta do incômodo eu tento encará-lo com a intenção de quebrar o foco que me dera, mas, por algum motivo, essa foi a primeira vez que a estratégia não havia dado certo. Kirk continuava a observar meus cabelos dançarem de um lado para o outro, conforme o vento os conduzia.

Mais sem jeito ainda, tento criar outra rota de fuga:

– Seus amigos estão bem? – pergunto ao tentar conter os fios desgovernados.

Não tinha ideia do assunto que poderia puxar pra quebrar as lentes daquele holofote. Eu nunca fui boa em iniciar conversas.

– Hm? – finalmente o rapaz desvia o olhar de meus cabelos para me fitar. – Ah, sim. Sim, estão. Queria pedir desculpas por ter presenciado aquilo. Magro e Spock estão sempre disputando pra ver quem se sobressai nos debates.

– Spock não dá uma chance pro doutor, não é?

– Pois é – afirma em meio a risos curtos. – Mas isso vem da filosofia vulcana.

– Filosofia vulcana?

Claramente já sabia muita coisa sobre eles depois de ter vasculhado boa parte de seus computadores, mas seria melhor se não soubessem que eu havia invadido o sistema da nave. Sem contar que era muito mais emocionante ouvir vindo deles próprios.

– É. Bem, os vulcanos são seres que se desenvolvem a partir da lógica. É a base deles. Acreditam que seja o principal fator que os conduz à sabedoria, por isso possuem uma personalidade pacífica. Normalmente não são programados pra compreender emoções, mas Spock também tem sangue humano. Já deve imaginar o porque das discussões rotineiras com Magro – diz brincalhão.

– Resumidamente, quer dizer que o doutor daria um péssimo vulcano.

– Por ai. McCoy não tem paciência com a falta de sensibilidade da parte deles, então não acho que seja um problema pra ele de qualquer forma.

– Creio que não tenha paciência pra muita coisa...

Kirk não aguenta e solta a risada tão aguardada.

– Você é boa em ler as pessoas. Devo tomar cuidado – diz ao recostar na grande rocha ao meu lado.

Por alguma razão, sua reação vindo depois de tais palavras me lembrara de "A Arte da Guerra", de Sun Tzu.

– Sua reputação é tão grande assim?

– Que reputação? – pergunta curioso, querendo saber o que eu teria a dizer sobre isso.

O encaro por um momento com feição esperta, então volto a apreciar as estrelas. Deixaria que a curiosidade fizesse suas próprias deduções. Alguns segundos depois o rapaz entende a jogada e sorri curto, acompanhando meu olhar outra vez.

– São lindas, não?

– Com certeza. Nunca as vi de tão perto.

A brisa cessa por um momento, e por fim consigo levar uma mecha do meu cabelo para trás da orelha.

– Não está acostumada com o espaço? – me observa surpreso.

– Sou uma grande fã, mas.. Não, nunca fiz viagens espaciais antes.

– E como veio parar aqui?

Kirk se interessara rapidamente pela história que eu carregava.

– Bem, eu...

O rapaz prestava atenção.

Como não ficaria por ali e sabia que nada do que falasse alteraria minha linha temporal, a superproteção em relação às informações se esvai. Precisaria fazer com que essa viagem temporal trouxesse algum avanço em minha busca pelas verdades que eu tanto procurava, e nada melhor do que compartilhar a situação com alguém que entendia mais do ramo do que eu.

Outra coisa que me confortava também era a distorção de informações que percebi em alguns de seus documentos oficiais. Pequenos detalhes que comparara de algumas versões de relatórios redigidos pelo Capitão para a Federação que foram descartados, Techno conseguira recuperar em uma cópia sombra reciclada. Não passavam de fragmentos, mas com o tratamento e ferramentas adequadas, muitos dados poderiam ser unidos e restaurados, e por fim visualizados. Com certeza este caso de viagem temporal seria mais um que tomaria o mesmo rumo.

– Minha mãe era astronauta. Ela iniciou a carreira na Força Aérea. Se tornou piloto, e depois de um tempo começou a comandar ônibus espaciais – eu contava.

– É mesmo? Que interessante, eu também sou piloto – diz amistoso.

Toda vez que falava da minha mãe um grande orgulho se instalava em meu peito. Amava quem havia sido, tanto dentro de casa quanto em sua carreira profissional. Ela era uma boa pessoa, daqueles tipos raros que se encontra nos dias de hoje.

Passado poucos bons minutos de nossa conversa, falando sobre como eu tinha parado ali e conhecendo melhor sobre a história do Capitão, uma umidade atinge meu olfato. Choveria a qualquer momento.

Olho para os lados ao sentir um cheiro a mais no ar. Parecia sulfeto de hidrogênio, julgando o insuportável odor de ovo podre. Se esvaía aos poucos, e estava há uma distância de mais ou menos 300 metros.

Ao desviar a atenção para o alto, noto pequenas formações de cumulus nimbus se agruparem rapidamente. Surgira nuvens no céu do nada.

– Onde estão Scott e Matthew? – pergunto com urgência, procurando por uma cobertura.

– Provavelmente na sala ou na cozinha... Está tudo bem? – ele analisa minha repentina mudança de comportamento.

– Precisamos sair daqui. Notifique os rapazes pra que não saiam de casa.

Kirk observa todos os lugares para os quais eu havia olhado nesse meio tempo com desconfiança, sacando o comunicador de sua cintura.

– Aqui não!

Antes que abrisse seu celular ultra moderno de abre e fecha, eu o puxo para dentro do celeiro, cuja proteção era a mais próxima e estruturada em nosso campo de visão.

𝙎𝙩𝙖𝙧𝙠 𝘼𝙙𝙫𝙚𝙣𝙩𝙪𝙧𝙚𝙨: Star TrekNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ