Capítulo 41.

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Podiam ter sido dias calmos aqueles que se seguiram, em que passamos juntos à família Rosa e seus dois convidados, como um agradável lapso de paz em meio à constante luta pela vida da nova realidade em que vivíamos. Mas como a sutil promessa da morte, algo sorrateiro rastejava em meio aos possíveis sentimentos tranquilos, à esperança irreal que buscávamos... A cada novo dia, banhando pelo medo ao invés dos raios de sol; a cada esquina que virávamos, quando nos víamos novamente em meio às ruas dominadas pela morte; a cada refeição silenciosa que compartilhávamos com aquelas pessoa com quem cada vez mais criávamos laços e rejeitávamos a ideia de uma possível separação.

Como o meu grupo bem sabia, a fragilidade daquele sonho de paz era notável, e seu declínio, iminente.

A cada dia a quantidade de comida em nossos pratos diminuía e as olheiras na expressão ansiosa de Carol — a responsável por administrar nossas reservas — tornavam-se mais profundas. A maioria das casas em um raio de meio quilômetro já haviam sido exploradas pelos grupos designados, e as experiências eram as mesmas: grande parte da comida já estava apodrecida. Poucas pessoas realmente guardavam mais do que alguns sacos de alimentos não perecíveis em casa.

Os remédios que juntamos foram úteis, mas não houve possibilidade de racionamento com Guilherme e Carlos tão feridos. Felizmente eles já estavam melhorando, porém sempre pensar na nossa pequena caixa de primeiros-socorros dolorosamente vazia era uma sugestão de que nenhum erro poderia acontecer. Como bem sabíamos, a farmácia mais próxima estava completamente fora do limite para nós, e protelávamos pelo momento de nos afastar em buscas mais distantes.

A própria realização de que, mesmo vivos há quase um mês (ou mais? Victória até estava contando, mas eu não me importava mais em acompanhar) não estávamos nem perto de sermos invulneráveis, ou que sequer nossa sobrevivência estava garantida. Fato era, matar um zumbi não se tornava mais fácil; a força exigida para levar um pedaço de madeira ou uma barra de ferro contra um crânio em perfeito estado não se tornava menor a cada dia; um erro não se tornava mais perdoável, nem recebíamos vidas extras. A sorte, habilidade, ou o que quer que nos trouxera até ali não garantia um novo dia.

Às vezes o medo se tornava tanto que eu começava a pensar que não havia mais motivos para lutar. Eu continuava com medo. Pior, via que enfrentando situações que eu jamais esperava, minhas reações eram ainda mais deploráveis: completo torpor, ou o pensamento egoísta em somente a minha sobrevivência (ou, quando muito, a de Mei).

Pelo menos até aquele dia nublado demais.

Já era o fim da nossa primeira semana de limpeza das ruas e compartilhávamos o mesmo sentimento de exaustão. Cada rua que assegurávamos parecia significar outra pequena horda de zumbis que atraíamos. Cada dia que algum de nós chegava perto da morte, a vontade de desistir daquela incumbência aumentava.

Aquela ideia tentadora — mas com toda a certeza utópica — de Tom, de limpar cada vez mais ruas e criar um local seguro, era uma completa besteira. Mas por enquanto, estavamos seguros naquela casa. Eu queria sugerir para que revisitássemos o nosso plano inicial de nos afastar da cidade grande, convidar a família Rosa, Alex e Faber, porém tinha medo de colocar todos em risco novamente. Talvez não fosse o certo. Começava a temer que as minhas próprias decisões não garantiam a segurança daqueles que eu amava e por quem acreditava que daria a vida.

Então, eu me calava e continuava com aquela missão impossível, fingindo que realmente acreditava que um dia poderíamos todos viver em paz naquela casa no meio do que fora uma cidade grande.

Naquele dia nublado, continuávamos com as limpezas das ruas. Qualquer expectador que nos visse poderia achar que tínhamos controle, pela forma confiante em que caminhávamos como se fossemos donos das estradas, arrastando corpos mortos para longe do caminho e dando fim à errantes.

Em DecomposiçãoWhere stories live. Discover now