Capítulo 10.

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A brisa suave da noite de verão refrescou o meu rosto, fazendo um calafrio percorrer minha coluna. Eu ainda estava sozinha, apoiada no corrimão gelado da sacada, encarando com raiva a tela do meu celular, que novamente me dizia que a ligação não pode ser finalizada. Todos já haviam desistido dos celulares até aquele momento, alguns também já haviam chorado por isso, começando a entrar em um constante nervosismo por não conseguirem mais contato com os seus parentes e amigos. Eu controlei bem a minha ansiedade até então, mas temia vê-la saindo de controle a qualquer instante.

Finalmente desisti e coloquei o celular no bolso, recusando-me a ver as redes sociais, repletas de mais repercussão dos casos, debates intermináveis sobre qual seria o destino das cidades e textos de luto que só faziam meu coração doer mais. Quando olhei novamente para o cenário embaixo de mim, voltei a me atentar para os gemidos. Eles não haviam cessado nenhuma vez desde que eu estava ali, mas às vezes eu quase conseguia distrair-me deles, quando havia algo para prender a minha atenção. Mas lá estavam eles novamente, baixos, assustadores e intermináveis. Eu conseguia ver a ponte, iluminada pelas luzes noturnas, pela barreira policial (ou militar? Eu não saberia a diferença) e pelos faróis dos carros ainda parados. Àquela altura, a maioria das pessoas já saíra dos carros e, ou se amontoava em frente à barreira, ou havia desistido e tomado o caminho oposto.

— Rebeca? — Ouvi a voz fraquinha de Melissa (ela não costumava ser assim normalmente, mas diante da situação, parecia ter abaixo o seu tom permanentemente) — Se você quiser, já pode ir tomar um banho.

Melissa estava visivelmente nervosa e assustada, mas ainda assim mostrava-se uma boa anfitriã. Havia alguns colchões espalhados pela sala e também nos indicou quartos para dormirmos. Foi ela quem sugeriu para que todos tomássemos banho e trocássemos de roupa, para que talvez as coisas parecessem um pouco mais normais.

Tentei ignorar a raiva que eu sentia de toda a situação enquanto olhava-a nos olhos.

— Obrigada, Melissa. Já estou indo.

— Eu vou separar um pijama meu para te emprestar, tudo bem? Acho que é melhor do que uma roupa suja de sangue — falou, com um sorriso, mas dificilmente consegui erguer os cantos da minha boca em resposta. O sorriso dela desapareceu. — Rebeca... Eu sei que deve ser difícil. Se para mim que estou com as minhas duas melhores amigas já é... Mas saiba que se você quiser falar com alguém, eu estou aqui.

Novamente tentei sorrir, mas sei que parecia pouco sincera. Certamente eu não tinha nada contra aquela garota, principalmente diante de tamanha gentileza e hospitalidade que ela nos oferecia, mas ainda assim não parecia nem um pouco natural me abrir com ela. Com nenhum deles. Meus sentimentos eram confusos até para mim, em um misto de medo, dor e raiva. Em circunstâncias diferentes, estas seriam as últimas pessoas de quem eu esperaria estar ao lado em um apocalipse e ainda assim, por enquanto, eram minhas únicas companhias.

Pensar que em breve eu deveria estar novamente em meio aquele cenário catastrófico das ruas ao lado deles, talvez até

(vendo-os morrer)

protegendo-os tornava tudo aquilo mais irreal. Eu não podia fingir que não era eternamente grata a Melissa e a todos eles — talvez nem tanto a Ana —, mas não era de minha natureza forçar uma intimidade que não tínhamos.

Ainda assim, fui sincera quando agradeci, seguindo as suas orientações de onde era o banheiro. Ela gentilmente disponibilizou o banheiro e a suíte de seus pais para que todos pudéssemos tomar banho e, para as meninas, ofereceu suas próprias roupas. Eu já sabia que ela não era popular apenas por ser bonita, mas confesso que estava genuinamente surpresa diante de tudo.

Tirei as roupas e entrei no chuveiro, os vidros ainda embaçados pelo vapor que se formara enquanto Victória estava no banho. Sentia-me em uma festa do pijama, como as que eu, Amanda e Débora fazíamos.

Em DecomposiçãoHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin