Capítulo 11.

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Aquele jantar não foi uma experiência particularmente agradável, mas dadas as circunstâncias, não era de se surpreender.

Os barulhos de talheres batendo secamente contra a porcelana era a única coisa a disputar com o canal de notícias da televisão, que continuava anunciando com a mesma incredulidade da primeira vez toda a brutalidade que se espalhava pelo país (continente, mundo...). O macarrão estava ótimo, mas ninguém elogiou. Sequer abrimos a boca para conversar. Melissa até se encolheu um pouco e algumas lágrimas vazaram pelos seus olhos, depois de deixar mais da metade de sua comida intocada no prato. Victória nem ao menos havia encostado no jantar.

As emoções de todos estavam em um estado bem delicado, e isso incluía as minhas. Em alguns momentos, principalmente quando a adrenalina dominava nossos corpos, tínhamos iniciativa de conversar e até discutir sobre o que acontecia. Ainda assim, tão subitamente esses lapsos de ânimo apareciam, eles esvaiam-se, deixando-nos apenas em um constante estado de medo, desânimo e tristeza.

Eu já não acreditava que haveria uma solução. Para ser sincera, desde aquela manhã, na primeira vez em que coloquei os meus olhos em algum desses seres fora das telas, eu tive certeza:

Estava tudo perdido.

Havíamos deixado chegar em um ponto onde não haveria mais volta.

Eu não era acostumada a acompanhar as notícias, mas em um determinado momento elas começaram a borbulhar em todos os meios de comunicação. Através de compartilhamentos, vi quando eles haviam perdido o controle do vírus e as vítimas começaram a ser contadas em Maryland.

Só aí tivemos conhecimento dos ataques.

Ao que parecia, o que quer que aquele vírus fosse, era capaz de deixar a pessoa afetada em um estado incontrolável, semelhante a animais afetados pela raiva. Depois ele as matava, era o que falaram inicialmente, mas não antes de fazer com que a pessoa afetada atacasse qualquer um que se movesse com indizível brutalidade e descontrole. O exército já havia sido acionado para controlar a situação e diversas áreas entraram em estado de quarentena.

Diziam que foi na Rússia onde as coisas começaram a desandar de verdade. Ninguém sabia com certeza de que forma o vírus havia chegado lá, mas hipóteses de ataques biológicos por parte dos EUA estavam sendo levantadas por todos os lados. Logo o vírus perdeu o controle em Moscow e vídeos de pessoas infectadas se espalharam pela internet.

O primeiro que vi foi com o celular escondido no meu estojo em uma aula de Química: a câmera tremia enquanto focava em uma rua em meio ao que outrora foram lojas de comércio, mas muitas já tinham as fachadas destruídas e vidros quebrados. Um carro estava enterrado em uma parede, com rastros de destruição ao seu redor. Em meio à cena caótica, era possível distinguir algumas pessoas correndo ao fundo, até que a câmera foi focada diretamente em uma mulher de cabelos loiros, vestida em roupas esfarrapadas, deitada sobre um corpo. Sua mandíbula estava aberta de uma maneira horrível enquanto ela abocanhava o rosto do que aparentava ser um homem de cabelos curtos e terno. Quando ergueu sua cabeça de maneira abrupta, carregava nos lábios um enorme pedaço de carne e onde antes víamos uma face, agora era apenas algo indistinguível e ensanguentado. Enquanto a mulher começava a mastigar, direcionou os olhos amarelados na direção da pessoa que gravava e a câmera moveu-se uma última vez antes do vídeo acabar.

Em completo torpor, revi o vídeo mais duas vezes, atenta a qualquer sinal que denunciasse uma gravação fake, mas não consegui identificar. Senti que meu coração estava acelerando e minhas mãos começavam a suar enquanto — de maneira discreta, evitando chamar a atenção do professor — tentava acessar o Reddit, afim de obter qualquer informação sobre aquela gravação.

Em DecomposiçãoOù les histoires vivent. Découvrez maintenant