Capítulo 24.

13.4K 2.1K 3.7K
                                    

Quando a brisa gélida da noite encontrou meu rosto, senti uma paz absurda. Quase quis manter os olhos fechados para sempre, almejando permanecer naquela doce ilusão. Eventualmente, tive de abrí-los, para me certificar de que Mei não passasse pelo meio das minhas pernas e corresse para o jardim, como ela bem gostava de fazer.

— Mei, junto. — O comando foi baixo, muito abaixo do tom de voz que eu usava para ele, mas foi o suficiente. Até mesmo a cachorrinha havia mudado seus hábitos naqueles dias, acostumando-se com maior silêncio e movimentos mais sutis. Pobre Mei, deveria estar tão confusa.

Fechei a porta atrás de mim e coloquei os pés na varanda da minha própria casa, onde fazia tanto tempo que eu não pisava que quase nem parecia mais minha. Em outros tempos, eu e Mei viríamos para cá antes de dormir, para que ela pudesse correr um pouco pelo jardim enquanto eu lia alguma coisa ou mexia no celular, sob a luz fraca da lâmpada pré-histórica que iluminava a frente da minha casa — agora apagada para sempre. Uma escadaria pequena levava até um caminho de pedrinhas já perdido entre a grama alta.

Eu normalmente vinha para cá para ficar um pouco sozinha com Mei, mas dessa vez fiquei grata por haver mais companhia. Carlos estava sentado sobre o corrimão que circundava a varanda e Guilherme se estirou na cadeira acolchoada que ficava do lado de fora, sob o teto que evitava sereno. Eles pareciam estar conversando, mas se calaram quando eu cheguei, mesmo que tivessem pedido para se encontrar comigo ali.

Antes de falar qualquer coisa, espichei o corpo para tentar olhar pelo portão, a fim de verificar se não era possível ver qualquer uma daquelas coisas. Mesmo que a lua estivesse quase cheia e facilitasse um pouco a visão, era assustador como a noite ficava silenciosa e escura.

Não silenciosa o suficiente, pois ainda haviam os gemidos. Talvez há metros de distância, mas como um constante aviso.

— Nenhum deles? — perguntei, minha voz pouco mais do que um sussurro. Como todos nós havíamos adquirido o novo costume de falar baixo, a casa parecia completamente inabitada vista pelo lado de fora, com as cortinas fechadas, impedindo que a pouca iluminação das velas chegasse até nós. O silêncio era sepulcral.

Carlos fez que não com a cabeça.

— Demos uma olhada lá fora. Nessa quadra não parece ter nenhum, mas dá para ver outros mais para frente. Acho que não tem problema. — Ele deu de ombros. Estava com um cigarro nos lábios que sabe Deus de onde havia conseguido.

— Você fuma? — Não pude deixar de questionar.

— Não. Quer dizer, não cigarro. Mas Guilherme e Hector acharam um maço e eu fiquei com vontade. Não é como se tivesse muito mais o que fazer.

— Meu Deus, como eu queria estar chapado. — Guilherme falou repentinamente, atraindo a minha atenção. Ele olhava fixamente para a grama, com um olhar de suplício.

Não consegui conter um riso e Gui sorriu de volta.

— Rebeca, desculpa, mas eu preciso mesmo perguntar — Carlos falou, tirando o cigarro da boca e soprando a fumaça. — Você não acha que é muito perigoso andar com um cachorro no meio dessas coisas? Quer dizer, e se ela resolve latir?

Ele tinha uma das mãos esticadas, onde Mei roçava a cabeça alegremente, recebendo carinho.

— A Mei é muito bem treinada. — Constatei. — Mei, junto. — Ergui um pouco o tom de voz, para que Mei compreendesse o meu comando. Imediatamente ela abandonou a mão de Carlos, voltando para o meu lado.

— Eu sei que ela é, mas tipo, você confiaria nela no meio dos zumbis? — perguntou, descendo do corrimão, mas mantendo as costas apoiadas nele. Seu tom era amigável, mas aquelas perguntas ainda me deixavam irritada. Se tinha alguém nesse mundo em quem eu confiava, era em Mei!

Em DecomposiçãoTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon