Capítulo 20.

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Fechei com mais força os olhos conforme os raios de sol iluminaram minhas pálpebras fechadas, despertando-me do sono. Por impulso, tentei mudar de posição para esconder o rosto do brilho, mas a dor avassaladora expulsou qualquer resquício de preguiça do meu corpo.

Como se não bastasse a sensação de fraqueza nos braços, agora todo o resto doía depois de passar a noite no chão. Me ergui com dificuldade, olhando ao redor. A maioria das pessoas ainda dormia de maneira precária, com as cabeças apoiadas em mochilas e usando toalhas ou casacos como cobertores. Só Alana e Victória estavam acordadas e conversavam baixinho, sentadas na outra extremidade daquele barraco com cheiro de peixe.

Procurei Ana com os olhos, mas a lembrança de que a perdemos na noite anterior me assolou. Contar para os outros foi a pior parte: ver Victória chorando tanto que perdia o ar, Melissa voltando a derramar lágrimas enquanto relembrava aquele pesadelo... eu nunca fui boa em consolar pessoas, mas aquela situação tornava tudo pior. O que se fala para alguém que viu a melhor amiga morrer de hemorragia nos próprios braços, depois de ter um pedaço do corpo arrancado a dentadas? A amiga que chorou até o fim, apenas para se erguer como um monstro que rasteja para fora do inferno.

Guilherme se ajoelhou ao lado delas, envolvendo-as em um abraço e até Carlos se abaixou para tentar consolá-las. Todos eram amigos na escola, incluindo Ana, ainda que fosse de um ano anterior. Mais uma vez, senti uma solidão indescritível, sabendo que nunca mais veria as minhas amigas.

Só depois de vários minutos cessaram os choros e começamos a debater sobre a forma horrenda como o zumbi chegou até nós. Desde que ouviu a história, Hector ficou pensativo (mas as marcas de lágrima em seu rosto denunciavam que também sofreu com a perda). Depois de algum tempo, interrompeu subitamente a nossa conversa:

— Talvez eles não precisem respirar — ele falou — não consigo chegar a uma explicação lógica para isso. Em algumas coisas, são parecidos com os humanos... Na força física, nos sentidos, mas além de precisarem se alimentar, não sentem dor e aparentemente não precisam que o corpo execute todas as funções. São como marionetes do vírus. — Hector ficou alguns segundos em silêncio, como se nos esperasse digerir aquelas palavras. — Talvez simplesmente vivam mais tempo sem ar. Aquele homem deve ter morrido, caído do barco e ficou vagando submerso. Podem haver vários como ele.

Quando terminou de falar, todos ficamos em silêncio, talvez pela descrença, talvez pelo choque. Possuíamos tão poucas informações sobre aqueles seres, que àquela altura não parecia mais loucura apoiar-nos em conhecimentos de filmes de terror. Afinal, os mortos já estavam voltando à vida, quem seríamos nós para julgar o que fazia ou não sentido?

Revivi várias vezes a noite anterior na minha cabeça, desde a minha conversa particular com Ana até o momento em que chegamos do outro lado do mar. Ouvia Victória e Alana conversando baixinho, mas continuei deitada, tentando descansar mais um pouco, esperando que aqueles minutos a mais diminuíssem a dor que eu sentia por todo o corpo. Não queria precisar bater em zumbis naquele dia.

Como se eu tivesse escolha.

Tirei o celular da mochila para verificar as horas: 8 da manhã. Dessa vez não esperei ver notificações ou o sinal de recepção, pois sabia que ele não estava mais funcionando. Desliguei o celular, para conservar a bateria caso fosse necessário, e o guardei novamente na bolsa.

Em um clima silencioso, aos poucos todos começaram a acordar. Tomamos uma espécie de café da manhã com as coisas que trouxemos da casa de Alana: água, barrinhas de cereal, bolachas e salgadinhos. Logo ficou evidente que a quantidade de mantimentos havia sido mal calculada, pois sobrou muito pouco. Se precisássemos dormir mais uma noite fora, ficaríamos sem comida.

Em DecomposiçãoDove le storie prendono vita. Scoprilo ora