Capítulo 16.

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Desviei o olhar quando a luz do sol da manhã encontrou meu rosto, interrompendo meu bocejo. A sensação de medo estava lá — provavelmente ela sempre estaria —, porém seu gosto gélido em minha garganta começava a se tornar tão habitual que, sem perceber, talvez eu tenha me acostumado.

Partir. Deixa a segurança. Colocar a vida em risco novamente.

Mais um dia comum.

Eu conseguia reconhecer essas mesmas sensações no rosto dos meus colegas: sempre havia o medo e o nervosismo, claro. Mas algo também começava a lutar por um espaço em nossos corações. Coragem, seria o nome correto? Instinto de sobrevivência?

Todos pareciam determinados a fazer tudo o mais rápido e precisamente possível hoje. Havia a possibilidade de atravessarmos o mar nesse mesmo dia, agora com uma ideia muito melhor do que a que tínhamos anteriormente.

Também estávamos mais preparados. Graças ao pai de Alana, ex-militar, agora dispúnhamos de 3 facas de caça — simples e antigas, mas bem afiadas —, que ficaram distribuídas entre Guilherme, Ana e Renan. Como prometido, este também reforçou os pedaços de madeira que trouxemos da casa de Melissa com pregos nas pontas. Por fim, Carlos ainda mantinha a sua barra de metal e eu, meu bastão. Na mochila pesada de Alana, também havia um kit de primeiros socorros montado com tudo que conseguimos reunir.

A sacada onde estive na noite anterior ligava todos os apartamentos do primeiro andar e de lá também havia uma escadaria estreita, que era o acesso da rua de trás da loja. Sob o sol da manhã, quase parecia que tudo havia sido um pesadelo e encontraríamos ruas livres de qualquer caos. Lembrei da família que observei na noite anterior, pensando comigo mesma se haviam chegado ao seu destino ou...

Outros pensamentos fizeram meu estômago se contorcer e preferi simplesmente afastá-los.

A rua de trás parecia satisfatoriamente vazia, nada além de poucas criaturas espalhadas. A teoria de Hector era que aquelas coisas só saíam do seu estado de "transe" quando algum som, movimento ou cheiro atraísse sua atenção, por isso nossa estratégia era seguir em silêncio pelo máximo de tempo possível.

Renan e Carlos desceram primeiro, dando uma varrida rápida com os olhos pela rua antes de sinalizarem para que os seguíssemos.

Assim que coloquei meu tênis na calçada, senti uma onda de adrenalina invadir meu corpo, acelerando o coração. O vento fresco da manhã, tocando minha pele, apenas intensificava o frio na barriga.

Tentei iniciar uma prece silenciosa, mas as palavras se perderam. Pela primeira vez, questionei se eu ainda acreditava em Deus, agora que estava caminhando pelo inferno. Por via das dúvidas, mantive o meu pedido para que todos chegássemos a salvo — mesmo que eu não soubesse para quem ele era.

A tensão logo se fez presente conforme começamos a nos mover com calma e silêncio. Haviam alguns daqueles monstros à distância, parados, encarando o vazio. Atravessamos a rua a passos rápidos, em uma fila indiana quase cômica. A teoria de Hector parecia estar funcionando até então, pois não havíamos chamado atenção.

Ainda assim, o nervosismo de não poder correr ou fazer qualquer tipo de barulho me fez começar a suar, temendo que qualquer coisa pudesse acontecer. Minha mão estava gelada e eu apertava com força a base do meu bastão. Não ansiava usá-lo, mas certamente me sentiria mais no controle o fazendo, ao invés de me esgueirando como um gato.

Em um ritmo torturantemente lento, avançamos. Não demorou muito para que o sol da manhã começasse a queimar o meu rosto e braços. Conforme atravessamos as ruas, o número de zumbis aumentava, alguns parados em um torpor eterno e outros vagando sem rumo. Percebi que um deles esbarrou em outro que estava parado e este, por sua vez, emitiu um gemido e também começou a caminhar, de maneira desconexa, como se tivesse sido despertado.

Em DecomposiçãoWhere stories live. Discover now