Capítulo 35.

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O machucado de Carlos era bem sério.

Quando entramos na casa, iluminada pela luz natural que passava por todas as janelas abertas, Victória e Alana correram em nossa direção e abraçaram cada um de nós.

Carlos não veio até nós, mesmo que a sua expressão estivesse genuinamente contente ao nos ver. Ele estava deitado no sofá preto da sala com um cobertor sobre seu corpo. Mesmo sob a pouca luz, era possível ver que a sua pele, normalmente com um brilho saudável, estava pálida, quase acinzentada.

Quando tentou se erguer para nos comprimentar, o cobertor escorregou e pude ter uma ideia da extensão dos seus ferimentos: os braços estavam coberto de gaze até acima do cotovelo, limitando a movimentação; havia gaze também em volta da palma e pulso da mão esquerda. Todo o curativo estava tingido de vermelho, não conseguindo conter o sangue que Carlos perdia. Um pedaço de pano branco estava amarrado com força abaixo do ombro direito, o lado onde os machucados pareciam mais sérios. Ele mal conseguiu erguer seu corpo alguns centímetros, quando uma onda de tontura o abateu e o obrigou a se deitar. Alana imediatamente se aproximou, mas ele dispensou a ajuda:

— Eu tô bem. Desculpa, vou ficar aqui.

Guilherme se aproximou, cumprimentando-o com um abraço afeiçoado. Carlos gemeu de dor, mas retribuiu da forma que pôde, evitando encostar o braço ensanguentado no amigo. Os olhos de Melissa mostravam muita preocupação, mas ela foi mais contida.

Sentei perto dele, observando melhor os machucados. O sangue concentrava-se em alguns locais específicos, principalmente no centro de seu antebraço. Imaginei que por trás das gazes, haviam vários cortes distintos, todos igualmente profundos.

— Como você se sente? — perguntei. Mesmo que tivéssemos nos evitado a maior parte dos dias, eu não desejava vê-lo ali. Havia rancor, mas eu não me sentia no direito de desejar que sofresse.

— Tonto — respondeu, desanimado. Percebi que um prato fundo fumegava do seu lado. Pelo visto, comeram sopa também.

— Eu limpei os machucados e estanquei o sangue da melhor forma que deu. — Alana explicou, enrolando uma mecha de cabelo azul, a essa altura desbotado, no dedo. — Mas são muitos e não tenho como suturar, e ele vai precisar de pontos.

— E-eu... Não tinha nada naquela farmácia. Ela foi completamente pilhada. — Hector tirou os óculos e limpou a lente na camiseta, um pouco nervoso.

— Não se preocupem, vou sair para conseguir o que Alana precisa. Volto antes de anoitecer. — Guilherme disse, colocando a mão no ombro de Hector.

Aquilo parecia ter despertado Carlos de seu torpor, que direcionou os olhos escuros e atentos para o amigo.

— Eu já disse para eles que nós vamos. Assim que eu terminar de comer, já estou pronto — falou com seriedade na voz, como se estivesse tão bem quanto no primeiro dia.

Victória e Alana trocaram olhares inquietos. Hector virou a cabeça para a janela, como se nada daquilo dissesse respeito a ele. Então essa era a questão que pairava no ar desde a noite anterior. Não era uma surpresa que Carlos estivesse determinado a não ficar em casa esperando.

— Tudo bem — Guilherme disse, para minha surpresa.

— Você não acha perigoso? Não me leve a mal... Mas você está péssimo. — Melissa mordeu o lábio.

Carlos deu um sorriso divertido.

— Se a minha pressão cair, a Vic me carrega. — Ele piscou para Victória, que deixou um riso fraco escapar. Apesar de bem humorado, aquela piada não parecia ter deixado o clima particularmente mais leve, porque no fim, ele não estava brincando sobre ir junto conosco.

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