Capítulo 34.

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Não estávamos tão errados em pensar que havia esperança, afinal.

No dia seguinte (que não parecia nem um pouco "seguinte" para mim, que mal havia dormido) o clima pesado pareceu ceder um pouco.

A maré de corpos que se espremia nos muros altos da casa era assustadora, maior do que qualquer outra que havíamos visto fora da televisão. Não havia a menor possibilidade de sairmos por ali. Porém a suposição de Melissa se mostrou certa: haviam menos criaturas nas ruas paralelas. O que estava longe de significar que estavam vazias. Com alguns mortos vagando a esmo e outros tentando alcançar a confusão no portão da frente, lembrava as ruas que tivemos de atravessar até a casa de Melissa, no primeiro dia desse inferno.

Fizemos um bom café da manhã, minha cachorra comeu as últimas torradas e, pouco depois de amanhecer, estávamos prontos para partir.

O maior problema foi atravessar Mei para o terreno vizinho. Precisei esperá-la do outro lado a fim que encontrasse alguma motivação para pular, enquanto Guilherme e Melissa arrastaram a mesa da cozinha até o muro para ajudá-la. Ela imediatamente entrou em pânico com a instabilidade e Guilherme precisou subir também para erguê-la até que colocasse as patas no muro — o que minha cachorra não gostou nem um pouco, e fez questão de deixar claro com rosnados.

No fim, Mei conseguiu pular o muro, deixando uma mordida no ar de aviso, que fez Guilherme gritar de medo. Tentei ampará-la depois de pular, com medo que a altura e o pânico a fizessem cair de mau jeito, mas quem mais se machucou fui eu, seus 45kg atirando-me com força contra a grama.

Não perdemos muito tempo naquela casa e seguimos imediatamente para a rua. O cadeado daquele portão foi mais difícil de quebrar, sendo necessários quase oito golpes para finalmente ceder.

Do lado de fora, imediatamente começamos a correr.

O plano era simples: nos afastar o mais rápido possível, aproveitando a distração da horda. Nosso objetivo ainda era a farmácia, da qual nos afastamos cerca de duas quadras no momento da separação. De lá, também estaríamos mais próximos do posto de gasolina ou de onde quer que nossos colegas estivessem. Somente se não aguentássemos mais correr, pararíamos para cuidar dos zumbis.

Abusamos de toda a sorte, de todo o condicionamento físico que nós três (e a Mei) possuíamos, apostando tudo em nos manter em movimento, pois qualquer centímetro de distância era melhor do que ali.

A rua estava movimentada, certamente mais do que nos deixaria confortável, mas, no geral, nos saímos bem. Nenhum deles era um corredor (talvez esses tivessem sido os primeiros a se afastarem dali, juntando-se com a horda principal), e todos os que sobraram vagavam preguiçosamente, sendo despertados de seu eterno vazio somente quando chegávamos muito perto. Precisamos parar para lidar com somente dois durante todo o percurso.

A decepção veio ao chegarmos perto da fachada da farmácia. Algumas casas estavam destruídas, com janelas ou portas quebradas; muitos muros sofreram danos de acidentes e certamente muito sangue estava espalhado pelo asfalto, mas até então nada havia se comparado com aquilo. Aquela pequena farmácia de bairro fora completamente dilacerada, todas as suas quatro imponentes janelas de vidro quebradas, cacos espalhados no chão em meio ao sangue seco. Seu interior não parecia ter sofrido nem um pouco menos: as prateleiras, em sua maioria, vazias e tombadas; quaisquer remédios que houvesse sobrado, largados aleatoriamente pelo chão; havia muito sangue e, quando entramos, a realização horrível de que uma quantidade assustadora de cadáveres jazia lá dentro.

— Acho que foi saqueada quando tudo começou — constatei o óbvio.

Melissa fez um barulho de descontentamento. Guilherme estava olhando para trás, analisando a distância que havíamos ganhado das criaturas.

Em DecomposiçãoWhere stories live. Discover now