Capítulo 12.

18.3K 2.4K 6.6K
                                    

Eu estava novamente presa no banheiro.

Dessa vez, ele era menor, sufocante. Se eu tentasse me mexer de qualquer forma, sentia o frio da parede ladrilhada. Não havia nenhum vão entre a porta e o chão ou o teto, transformando aquele já pequeno cubículo em uma caixa fechada. Eu suava, mas não estava quente. Haviam coisas se movendo do lado de fora, gemendo, rosnando. Eu somente as ouvia, mas havia algo mais que me indicava que estavam lá... Sua presença me tirava o ar, como se já estivessem ao meu lado, esmagando minha garganta com suas mãos ossudas.

Eu ouvi um grito e a sensação de ser sufocada se dissipou, pelo menos um pouco. Era de uma das meninas presas do lado de fora do banheiro, mas dessa vez ela se aproximou da porta, socando-a em desespero e criando um eco ensurdecedor na caixa de concreto que me prendia.

"SOCORRO!" ouvi-a gritar "ABRE, SE NÃO ELE VAI ME PEGAR!" ela implorava, a voz sufocada por um choro desesperado. Havia tanto medo, tanto terror, que eu quase pude senti-los como sendo meus. Estiquei a mão para a maçaneta, mas não consegui alcançá-la. Embora estivesse tão perto de mim, cada vez que eu estendia a mão, ela se afastava. "REBECA, ABRA A PORTA, POR FAVOR!" Agora a voz não era mais a mesma, quem gritava era minha amiga Débora. Seus gritos eram igualmente desesperados e suas batidas eram mais fortes.

Diante do pedido de socorro de minha amiga, comecei a correr em direção à maçaneta. Mas eu não saí do lugar. Tentei gritar para ela, mas minha voz estava muito baixa. Quanto mais eu limpava a garganta, buscando por um resquício de voz, mais ela chamava o meu nome, em desespero, perguntando se eu poderia salvá-la. Nada saia da minha garganta e a maçaneta agora era só um pontinho a milhares de quilômetros de mim.

Quando a voz mudou novamente, quem pedia socorro era a minha avó. "BECA, QUERIDA! A VÓ TÁ ASSUSTADA". Diante de tal horror, corri contra o diabo. Corri tão rápido e com tanta força que meu corpo ficou coberto por um suor aquoso e repugnante. Corri por dias ou meses ouvindo a voz desesperada da minha avó.

Alcancei a maçaneta segundos antes da porta ser aberta com força, atirando-me para trás. Quem me esperava era a minha avó. Ou uma caricatura horrenda dela.

Estava desfigurada ao ponto de se tornar irreconhecível, não fosse o cabelo branco escorrido, agora em um doentio tom amarelado. Não tinha sua baixa estatura normal, quase do meu tamanho, mas agora devia medir mais de três metros, com membros grotescamente inchados como se algo houvesse sido injetado lá. Seus olhos esbugalhados não lembravam em nada a minha avó, embora de sua boca escancarada e sangrenta, o meu apelido se projetava incansavelmente: "Beca... Beca..." meu corpo tremeu conforme perdi a sanidade olhando para o fundo de sua garganta. Ela se expandia como um buraco negro pronto para me devorar.

O calor que exalava de sua boca aberta começou a me engolir, arrancando meu ar. Nem milhares de corpos putrefatos conseguiriam evocar aquele cheiro infernal. Tentei me debater, em busca de salvação, mas as mãos desfiguradas me agarraram, rasgando minha pele com suas garras nojentas. Quando tentei implorar pela bondade de minha avó, a escuridão tomou conta de tudo.

Eu lutei pelo ar, que finalmente chegou aos meus pulmões em uma lufada desesperada. Quase como se tentasse fugir, atirei meu corpo para frente, sentando ereta. A brisa fria da manhã gelou meu corpo úmido de suor.

Arfando, fechei os olhos e os abri de novo, para me certificar de que eu não estava mais no inferno, e sim deitada em um colchão macio, com somente um lençol fino sobre mim. O pijama que eu usava não era meu, mas de Melissa, a dona da casa onde eu estava. Ao meu lado, Victória tateava a sua volta em busca dos óculos, seus olhos desfocados presos a mim.

Conforme minha vista se acostumava com a pouca luz que vazava das venezianas, encontrei também os olhos de Melissa, fitando-me com preocupação.

Só então organizei meus pensamentos: havia sido um sonho. Deixei todo o ar que eu havia inspirado sair em uma lufada, fazendo meus pulmões doerem. A noite passada era um borrão, mas as lembranças lentamente chegavam até mim: a ponte, a única maneira de atravessarmos o mar, havia sido explodida. Todos estávamos em choque para fomentar ideias decentes e depois de debates desconexos, traçamos um rascunho de plano e resolvemos dormir.

Em DecomposiçãoWhere stories live. Discover now