CAPÍTULO 16

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Após àquele sábado desastroso, eu me tranquei em meu apartamento e não sai dalí pelas próximas duas semanas seguintes. Na geladeira eu tinha tudo que precisei e a  despensa estava cheia, era o mais que o bastante para  eu sobreviver o mês inteiro se eu quisesse, enquanto me excluía do restante do mundo que se estendia além daquelas paredes de alvenaria. Tive certeza de que não precisaria de mais nada nem de ninguém, aliás levou poucos segundos para que eu chegasse a essa conclusão.

No decorrer dos dias recebi vários telefonemas que  não tive o menor interesse em atender. As mensagens de voz deixadas tornou-se o meu passatempo, ouvi-las me fazia entender que a maior parte das pessoas que me ligavam e deixavam um recado não estavam necessariamente precisando de mim, e sim porque precisavam de Deus. Convenhamos que nesse tabuleiro eu tenha ganho um papel importante ao lado do rei, mas cá entre nós o bispo não é mais valioso que a torre ou menos significativo quanto as outras peças. Em outras palavras, eu sou apenas um entre tantos outros defendendo o que qualquer pessoa pode fazer, sem benefícios em conta, esforço exaustivo e até formação sobre o assunto, o que agora mais do que nunca acabou ganhando um toque exagerado de perca de tempo.

Ou seja, cedo ou tarde as pessoas acabam nos substituindo por alguém ainda melhor. Mas eu agradeci mentalmente ao padre Rafael por ter tomado meu lugar enquanto eu estivesse me recuperando de seja lá o que acontecia comigo, pois eu sinceramente não tinha a menor ideia. À verdade é que todos fariam o meu trabalho ainda melhor. Não havia nada com o que me preocupar. Tocar o foda-se tornou-se tão divertido quanto imaginei.

Oliver ligou dezenas de vezes desde que nos desentendemos, suas mensagens levavam pedidos de desculpas, perguntas do tipo “você está bem?” “está melhor hoje?”. Em algumas delas Oliver dizia que sentia saudades do tempo que passávamos juntos, que Kate sentia minha falta e estava preocupada comigo, tanto ela quanto ele. Eles ligaram mais vezes do que eu possa contar mas  eu ignorei todas as ligações. E como o previsto também recebi chamadas da portaria anunciando que eles estavam lá embaixo esperando permissão para subir, mas eu novamente os dispensei. Tudo que eu queria é ficar sozinho, será que era pedir muito? E então as ligações cessaram e as visitas em vão também.

O silêncio e a solidão acabou sendo minha única companhia, a forma deprimente como eu passei a viver parecia me viciar como uma droga. E quando eu  cansei dela, resolvi abrir as cortinas das janelas mas desisti quando a luz do sol queimou os meus olhos, mas eu ainda tinha como me distrair. Nunca fui de ouvir música, mas um pouco de barulho ao som de AC/DC consequentemente arrancou as raízes dos meus pés. Foram dias deturpando os ouvidos da vizinhança sem dar importância as suas reclamações, no fim das contas eu só tinha que dizer “Ãhã”, apontar o dedo do meio e fechar a porta bem forte na cara, pois ninguém ganhava coragem suficiente para chamar a policial.

Eu pedia pizza com frequência, me embriagava, fumava um cigarro, via pornô em alta definição no meu quarto e aproveitava para me aliviar e me entupir de salgadinhos e mais álcool. A rotina doentia me consumia e, quis que ela continuasse.

Minhas idas ao banheiro automaticamente me direcionava ao meu reflexo dividido no espelho, eu me sentia irreconhecível.  Meus olhos fundos e sombrios tinham os contornos marcados por olheiras, que mais pareciam com hematomas, a pele do meu rosto havia empalidecido e enrugado, a barba crescera tanto quanto o meu cabelo. Definitivamente tinha chegado a tal ponto que acabei por me perguntar o que eu fiz de errado. A resposta vinha, sem nem dá aviso prévio.

O sabor amargo que sentia na boca em relação aquilo me distraiu enquanto a euforia nos meus pulmões absorvia a adrenalina junto com a maior parte do meu corpo, mas eu gostava especialmente daquela parte, pois o som abafado que causei quando respirava bloqueava qualquer outro em volta.

A música Back in Black cessou fazia um tempo considerável,  mas mesmo assim, alí, ajoelhado no chão, eu murmurava o refrão  com menas intensidade, debatendo o taco de beisebol  no carpete, vislumbrando cada quadro que antes havia estado nas paredes do apartamento e que agora espelhavam-se pela sala em dezenas de pedaços desiguais.

Cause I'm back! – cantarolei, relaxando a voz suavemente . — Yes...I'm back. – o meu sussurro estridente transformou-se em uma canção totalmente diferente da explosão  da música original, dando-me espaço para continuar exalando o aroma suave que estive vertendo através da letra. — Well, I'm back! Yes, I'm back – eu disse. — Well, I'm back, back. Well, I'm back in black. Yes...

Levantando, eu me livrei de todos os pedacinhos da pintura...das pinturas. Então retirei o meu pijama, que a propósito estava mal cheiroso pela falta de banho. Ficar deprimido me tornou um ser hostil, desleixado e nojento. Não tinha como piorar, tinha?

Segui adiante para o banheiro. Esfreguei  minha pele severamente, a rigidez da esponja-de-banho me ajudou a reorganizar os pensamentos, o que a princípio foi estranho. Cortei o próprio cabelo dessa vez, não parecia tão difícil, era como aparar a barba nos finais de semana. O espelho quebrado do armário me incomodou, por tanto achei que já era hora de retirá-lo dalí, tive que juntar todos os cacos de vidros porque o gesto nada delicado terminou de dividi-lo.

Vesti roupas mais leves após deixar o estrago na cozinha, que compunha em um calção e uma camisa de mangas compridas.

O apartamento não me agradou muito, haviam sacos plásticos na mesinha-de-centro, copos descartáveis, caixas de pizza, papel de bala e garrafas de refrigerante envolvidos em pilhas de lixo. E claro, embaixo do sofá escondiam-se inúmeras latinhas de cerveja e um litrão de vodka. Deu um trabalho para limpar tudo, não ficou com a mesma aparência de antes mas eu não podia ser julgado por isso, não era como se eu fosse a perfeita dona de casa.

Antes de sair eu fiz uma vitamina de banana e tomei com alguns comprimidos para curar a ressaca. Não estava sendo nada fácil mascará minha falta de sono mas eu faria o possível para que Levy não notasse meu cansaço.

E então, eu fecharia o dia com chave de ouro assim que encontrasse com Kate ou Oliver. Transar com qualquer um deles seria promissor, já que os dois podiam me oferecer o que eu mais queria.

ψψψψ

Oi pessoas lindas do meu coração. Estão bem? Respondam aí queridas e queridos.

Bom, este capítulo deveria ter sido postado ontem, mas infelizmente recebi uma notícia que me abalou muito. Perder um colega para o suicídio pela segunda vez  é degradante emocionalmente. É de partir o coração em zilhões de pedaços.

Sendo assim deixo uma breve mensagem para o meu ex-colega de sala, que descanse em paz:

“Nada nos deixa tão solitários quanto nossos segredos. Ouvi um sábio dizer, peguei a estrada menos usada. E isso fez toda a diferença cada noite e cada dia”

— Paul Tournier e Larry Norman de A Cabana.

Adeus velho amigo.

O Padre:(+18) COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora