Chocolate amargo após a Chuva

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Ilha Jeju, 2009

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Ilha Jeju, 2009.

Viajamos até Jeju para o casamento da nossa tia. Era um longo caminho de volta para a nossa cidade e por isso nossos pais aproveitaram as férias para passarmos uma semana lá. Nossos avós também ficaram e todos estávamos hospedados num hotel.

— Karin, querida, a vovó tem um presente pra você. Venha aqui.

A idosa entregou um ursinho branco de pelúcia com um laço vermelho preso à sua orelha para a neta.

— O que deve dizer agora, Karin? — senhor Min sorriu para a filha.

— Obrigada, vovó! — um sorriso largo estava expresso enquanto abraçava a pelúcia.

A semana fora bem aproveitada. Fomos ao templo, comemos em restaurantes famosos da região, participamos do Jeju Fire Festival* e então decidimos visitar a cachoeira de Cheonjeyeon*. Outras famílias e alguns casais também estavam lá, todos tirando fotos e contemplando a beleza natural no nosso país.

— Não fica muito perto da água, você ainda não sabe nadar. — disse segurando seu braço.

— Taeil oppa, por que não me ensina a nadar?

— Quando visitarmos a piscina no verão, eu te ensino.

E então começou a chover.

— Taeil, Karin, se afastem da margem! — a senhora Min exclamou — Venham, está na hora de voltarmos para o hotel!

— Tá bom, mãe! — os dois responderam.

A chuva engrossou rapidamente. Nossa total intenção era obedecer, mas você derrubou a droga do ursinho na água. Por um impulso, você se abaixou para tentar alcançá-lo. Eu estava de costas, foi tão rápido que mal pude ver você escorregando naquela pedra e caindo dentro d'água.

Lembro que todos em volta correram para a margem preocupados. Tudo que podíamos ver era sua silhueta afundando e sendo arrastada mais e mais para debaixo da cachoeira. Neste instante ouvimos um grito.

Outra criança se atirou na água.

Ele foi ágil e nadava muito bem para a idade que aparentava ter. Ele te alcançou, mas já estavam perto demais da cachoeira, não conseguiam voltar. Foi então que, tentando te trazer a margem, ele não viu a pedra próxima ao seu rosto e bateu a cabeça. Havia sangue na água e isso aterrorizou todos nós. Outros adultos gritavam por ajuda e ligaram para a emergência.

Naquele momento outro menino pulou na água.

Antes desaparecidos em meio a água da chuva e da cachoeira, seu corpo e o do outro menino desacordado emergiram. Ele os empurrou com toda a força e os manteve boiando, logo os bombeiros chegaram e alcançaram vocês. O outro menino passou vários minutos embaixo da água, seu pé se prendeu em uma das pedras e na tentativa de fuga, ele bateu a nuca.

Você estava a salvo, e os outros dois meninos foram levados ao hospital com urgência. Eles salvaram a sua vida. Mais um minuto e você não estaria mais aqui.

Na emergência, fui com nosso pai agradecer a família dos dois, ver se estavam bem. Aquele foi o pior dia da minha vida.

Mesmo que minha idade me fizesse ter pouca experiência de vida para compreender toda a dor daquela família, meu coração estava chorando. Um se encontrava em coma. O outro dormiu um sono infinito.

Foi a primeira vez que vi nosso pai chorar e se desculpar daquela forma.

— Sua menina... Ela está bem? — o homem questionou o senhor Min.

— Sim... Ela vai ficar bem... — tentava segurar as lágrimas como podia.

— Fico feliz... Não foi em vão.

Ele me encarou com um sorriso fino e triste, acariciou meus cabelos levemente e com um balançar de cabeça se despediu de nós para voltar e amparar sua mulher que não conseguia parar de chorar.

Fomos ao funeral. Você ficou no hospital, tinha ficado sem oxigênio por muito tempo, quiseram ter certeza de que estava bem.

A família deles fora boa conosco. Podiam ter nos culpado, nos expulsado. Ao invés pediram para que cuidássemos bem da garota que seus filhos se arriscaram para salvar. Não foi fácil encarar aquela foto no altar, e definitivamente não foi fácil para a família viver com aquilo com o passar dos anos. O menino tentava esconder sua face, talvez ele estivesse preocupado com seus pais, preocupado que eles se lembrassem do irmão ao o encararem. Eram gêmeos idênticos. Pude ver a melancolia dele, contudo ele não derramou lágrima alguma.

Karin não tinha forças para dizer coisa alguma aquele instante. A respiração pesada, o coração dolorido, os olhos vermelhos e as lágrimas caindo. Taeil segurava suas mãos com carinho mantendo o tom calmo.

— Nossos pais quiseram ter certeza de que você estaria preparada para contarmos a verdade.

Ela soluçava.

— Foi por isso que mantemos em segredo por tanto tempo... Sinto muito ter mentido pra você por todos esses anos. Eu tive medo de te machucar, assim como quando pensei que tinha perdido você. Mas talvez tivesse sido melhor, ter falado antes...

A irmã agora chorava sem nem se importar com a presença de Taeil ali. Ele a abraçou com afeto acariciando suas costas e a deixou chorar o quanto quisesse.

— Está tudo bem... Vai ficar tudo bem...

Capítulo 15 ➜

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Para quem não teve a oportunidade, veja abaixo o book trailer de Sweet Memory!

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GLOSSÁRIO

• Jeju Fire Festival (제주 들불축제) - é realizado para orar por uma boa colheita, boa saúde e atrair coisas boas para os visitantes e moradores durante este ano. A ideia é espalhar o amor e o calor através do fogo.

• Cachoeira de Cheonjeyeon (천제연 폭포) - é uma das três cachoeiras famosas de Jeju, também é conhecida pelo nome: "The Pond of God" (A Lagoa de Deus).

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