Mesmo seguindo meu instinto a parar Elikham em sua forma de lobo, aquilo não deveria ter acontecido. O olhar que ele havia me dado reforçava mais ainda essa ideia.

- Além do seu pequeno ato de rebeldia? – Perguntou cínico.

Ele sabia exatamente do que eu estava falando, mas não iria me contar afinal.

- Vai me punir ou não? – Indaguei cansada.

- Huh, vejo que adquiriu algum gosto por minhas punições senhorita Nowak. – Falou, algum divertimento dissipando a seriedade de seu rosto.

Rolei meus olhos.

-Uma pena, mas não poderei continuar sendo tão gentil, sua tentativa de fuga me custou muito.

Estava me perguntando o que ele quis dizer até que Ângela falou, levantando-se.

- O Mestre teve que sujar as mãos por sua causa, ratinha.

- O que quer dizer? – Perguntei.

- Clãs Licans são medidos pela força de seu Mestre, mostrar o mínimo ato de compaixão é visto como uma fraqueza a ser explorada pelos outros membros. – Elikham falou, para minha surpresa. – Força e medo é tudo que prevalece distinguindo-nos.

- Não estou entendendo. – Falei, olhando para o Lobo em busca de auxílio, mas ele se manteve indiferente.

- Acredito que saiba se cuidar. – Disse rancoroso.

- Vou ensina-la a prezar sua posição. – Ângela falou.

Isso não podia ser bom.

- Mestre, se me permite desejo tomar a punição no lugar. – Kay falou, ainda ajoelhado, apesar de suas mãos temerem, ele levantou o rosto. – Aysha não tem condições para lutar, se força-lá a continuar...

- Calado seu verme.

Tão repentinamente como o choque em meus olhos vi Kay ser jogado para o outro lado do salão.

- Essa função foi dada a mim. – Ângela falou, parada onde Kay estava segundos atrás antes dela chuta-lo.

Sem medidas, sem controles, senti sua magia consumir o ar. Pura força física.

- Devo começar? – Ela perguntou.

Não tive tempo para responder.

Um soco em meu estomago me mandou assim como Kay para o chão.

...você me obedece e em troca não quebro seus braços, são tão fracos que posso fazer por acidente... Sim, era exatamente como ela havia me dito.

Mesmo que seus movimentos fossem consideravelmente rápidos, não eram como os de Kohina, Ângela focava exclusivamente na força. E talvez fosse assim com cada Lican, por isso o Lobo não havia transfigurado seus dedos em garras monstruosas para lutar contra Hansel. A magia se manifestava de diferentes formas em cada um.

Constatar aquilo só me relembrou das minhas desvantagens. Não havia como revidar, sem minha faca eu era apenas um saco de pancadas.

No entanto, mesmo com a derrota iminente, eu não me contentaria com aquilo, eu só precisava de uma chance, de algo que eu pudesse...

Fiquei de pé.

Ângela me acertou novamente.

Fiquei de pé.

Outra vez.

Outra vez.

Cai quantas vezes foram necessárias. Cai e levantei novamente até achar a sequência da execução dos movimentos de Ângela. Levantei uma ultima vez para esquivar de seu soco.

- Como? – Ela perguntou.

Um chute lateral em seu quadril foi minha resposta, fazendo com que perdesse o equilíbrio por um instante. Aproveitei para desestabilizar uma de suas pernas, derrubando-a no chão. Obrigada pelos ensinamentos excelentes patrulheiros de Sweney Pines, senti vontade de dizer, obrigada Kiros...

O pensamento morreu assim que fui jogada outra vez, rolando até uma das bizarras pilhas de ossos do salão.

Tinha dado certo então.

- Raymond pare com isso, ela não aguentara mais. – Escutei de algum lugar a voz de Elikham.

- Vejo que ainda não percebeu.

Maldito arrogante, eu só esperava que Ângela não tivesse os escutado.

- Estamos apenas começando ratinha. – Ela falou, atrás de mim.

Agarrei um dos ossos, sem desestabilizar a pilha, pedi perdão aos deuses menores por aquilo. Mas bastava, era minha chance de revidar.

Esperei até o momento que ela estivesse sobre mim, pronta para erguer e me lançar novamente no chão. Então puxei o osso longo da pilha, ela se distraiu com o movimento da pilha desmoronando e eu acertei sua cabeça.

- Mas que maldições você pensa que esta fazendo?! – Ela gritou.

Acertei novamente, mas eu não tinha tido o efeito necessário, sangue respingou em meu rosto e o osso quebrou no meio fazendo uma ponta tosca que despertou outra ideia em minha mente.

Imprudentemente alimentei o desejo daquela caixinha maldosa em meu peito.

Ângela me ergueu me segurando pelo meu pescoço machucado. Tive a audácia de sorrir vendo o sangue do corte em sua cabeça escorrer.

- Vou mata-la. – Disse.

- Ângela solte-a imediatamente. – O Lobo falou.

Mas já era tarde de mais.

Eu estava cansada. Exausta de continuar a guardar aqueles sentimentos. De pensar que tinha sido responsável pela morte de mais outra pessoa. Simplesmente esgotada de me subestimarem.

Acertei a ponta do que havia restado daquele osso no estomago de Ângela.

Ela me soltou.

Fiquei de pé.

Tentei repetir o movimento, mas alguém segurou meu braço, tomando minha arma rústica e a jogando para longe.

- Aysha. – O Lobo chamou, mansamente. – Pare você já foi longe de mais.

Eu não achava, acertei minha cabeça em seu queixo e me livrei de sua mão. Elikham apareceu na minha frente antes que eu alcançasse Ângela.

- Tire-a daqui, agora! – O Lobo gritou para Elikham, me segurando outra vez.

Elikham fez como foi ordenado e levou Ângela no colo para fora do salão rapidamente.

- Se você não conseguir se controlar, vou manda-la novamente para o lugar que acordou aqui da primeira vez. – Falou em meu ouvido, referindo-se a cela fria e escura depois do emaranhando de corredores da caverna.

Eu não queria me controlar, porque não havia nada de errado comigo.

- Pelo o que entendi demonstrar compaixão seria ruim para sua imagem. – Falei de forma debochada.

Ele me virou em seus braços, mantendo meus pulsos presos e olhou diretamente para mim.

- Essa não é você. – Afirmou.

Mas como ele poderia saber disso, se eu mesma não sabia?!

- Você não sabe quem sou. – Falei com raiva. Aquela caixinha em meu peito estava trincada, enchendo-me poupo a pouco com seu interior. Eu me inclinei para ele, olhando em seus olhos alaranjados que refletiam a escuridão dos meus. – Ah Lobo, você não faz ideia.  

VermelhoWhere stories live. Discover now