Capítulo 24

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Ainda estou ajoelhado ao lado do corpo de Cal sentindo a chuva cair quando me encontram.

Sabia que me sentiriam, então não me preocupei.

Quem me encontra é Amy, ela suspira de alivio e compaixão ao me ver e me abraça. A chuva diminui, sei que tenho que parar, mas é muito difícil. Mesmo assim ela me da tempo, me deixa sofrer o quanto preciso até que eu assinto e me levanto.

- deveríamos enterra-lo. – digo falho, ela acaricia meu ombro.

- podemos vela-lo com Chris, acha que ele gostaria disso? – pergunta me fazendo lembrar de mais alguém que morreu para que eu pudesse salvar meus pais. - vocês ficaram longe por apenas algumas horas aqui. – explica quando a olho confuso.

Concordo levemente.

- claro. Ele gostaria disso.

Amy assente, tira seu casaco e cobre o rosto sereno de Cal antes de carrega-lo.


Ao chegar na casa dos meus avós sinto ainda mais o impacto de tudo que aconteceu.

Ao lado de fora, ao redor da casa a grama está queimada e há partes destruídas, porem nada muito estrondoso. O que me machuca mais é dentro. Há sujeira de demônio pelo chão da sala, o pentagrama ainda esta desenhado no chão com giz e velas apagadas em volta.

No sofá menor está Andy com Leo o abraçando de lado, os dois choram em silencio. No outro sofá está o corpo de meu pai, esticado já bem melhor que antes e Josh está ajoelhado perto dele, o analisando.

No andar de cima ouço meus avós cuidarem da minha mãe no antigo quarto da Tia Alice.

Amy coloca o corpo de Cal no porão ao lado de Chris e não posso me conter em ficar ali por alguns minutos encarando.

- Hey garoto. – alguém me da um soco leve no ombro o que me faz voltar a realidade.

Encontro Rose me analisando, ela parece bem apesar de tudo, mas me lembro que ela não muda muito e penso que talvez sua casca vampiresca seja até bom.

- você ficou. – digo em um suspiro.

- claro que sim. – ela me abraça e isso é meu gatilho.

Choro em seus braços, como uma criança, com todo meu coração e dor. Choro pelos homens que me ensinaram tudo em poucos meses, pelos amigos que perdi, pelos familiares. Choro pela minha própria indignação, por saber que causei a morte deles. Choro ainda mais quando me lembro de Nick e sei que talvez o tenha matado também. Choro pela minha mãe e Rose que são mulheres tão fortes e eu as tirei pessoas que amavam muito. Choro por Leo e Andy. E além de tudo choro por mim, porque sei que me perdi ao longo desse caminho e não sei mais voltar.

Rose me deixa chorar, ela até chora comigo, me consola e me apoia. Me sinto ainda pior por isso, por que ela não sabe o que eu fiz, ninguém sabe e todos eles vão ficar ainda piores.

- sinto muito. – ela diz em meu ouvido. – sinto tanto Jemy.

Balanço a cabeça me afastando dela depois de um tempo e tento me recompor.

- ele também era importante pra você. – digo falho ao olhar o pano cinza em cima do corpo de Chris.

- ele era. E sua mãe também é. – ela limpa meu rosto com seus dedos frios. – Chris acreditou que você conseguiria, ele deu seus últimos momentos para que você os salvasse, Mon e Nate, e você o fez. – ela segura meu rosto me fazendo olha-la. – não conhecia o feiticeiro, mas uma coisa lhe garanto James: você não os decepcionou.

Penso no quanto ela está errada, mas não digo nada, apenas concordo e continuo a tentar me recompor.


Tomo um longo banho e sou submergido por meus pensamentos e lembranças. Mesmo depois de me trocar, fico sentado no chão do velho quarto da minha mãe, o chão com partes queimadas e destruídas pelos meus pesadelos. Estou segurando a adaga dourada de Azazel, girando-a na mão, pensando e pensando até que alguém bate na porta.

- James? – Anny entra receosa, ela tem os olhos inchados e olheiras fortes de cansaço. – sua mãe, ela acordou e quer te ver.

- eu já vou. – digo simplesmente e ela torce o lábio saindo e fechando a porta.

Algo como frieza me toma, uma sensação anestésica e calculista de vingança. Levanto a adaga e observo a lamina.

Demônios não morrem totalmente, apenas voltam ao fundo do inferno onde renascem. Mas não todos os demônios são assim, apenas os criados pelo inferno, não os antigos anjos, não os caídos, não os antigos serafins como Azazel.


Entro no quarto depois de alguns segundos hesitante na porta. Minha mãe está na cama sentada com uma roupa limpa e cabelos presos, seus olhos grandes e cinzas vão para meu rosto e marejam em uma mistura de tristeza e felicidade.

Meu pai está sentado ao lado dela, segurando sua mão. Nem sei quando foi que ele acordou, mas estou feliz que ele tenha ido vê-la primeiro. Ele parece melhor, está corado e com vida, mas também abalado. Todos nós estamos.

- Jemy... – o sussurro dela novamente quebra meu coração, me aproximo e a abraço. Ela chora em meu ouvido. – é tão bom ver você, saber que está bem. Tive tanto medo...

- está tudo... – reformulo – eu estou bem agora mãe. – digo tentando me aproximar da verdade.

Ela me da um sorriso compreensivo quando me afasto e abraço meu pai que me aperta firme.

- você agiu bem... – ele tenta dizer, mas o corto.

- não diga isso.

Os dois me olham intrigados.

- eu não... – respiro fundo procurando as palavras. – vocês ficaram lá por minha causa.

- Jemy! – minha mãe solta ofendida.

- James... você sabe que não o culpamos por nada, não é? – meu pai tenta me tranquilizar.

Sento-me na cama ao lado deles.

- há tanta coisa que vocês não sabem. – confesso dolorosamente. – tanta coisa que fiz e não posso voltar atrás, não posso mudar.

- nós sabemos, filho. – ela aperta minha mão. – nós podemos imaginar.

- e eu posso imaginar o que vocês passaram. Algumas coisas eu até senti, como parte de mim. – conto e vejo o desespero contido em seus olhares, o medo de seu filho ter sentido os horrores que passaram.

- não importa o que nós passamos, estamos aqui agora, graças a você. – ela me conforta.

Balanço a cabeça ainda em negação.

- não, a mim não. Graças ao vovô, Andy, Cal e – hesito – Chris. – os olhos dela vacilam com o nome, a lagrima sai discreta sem poder ser contida. – sinto muito mãe. Sinto muito mesmo, eu tentei, ele havia me prometido, eu...

- shh... – ela segura meu rosto com as mãos me fazendo parar. – eu sei. Tudo bem Jemy. – fecho os olhos porque suas palavras de conforto doem mais do que se ela tivesse me xingando. – Ele quis isso, eles quiseram. – ela sorri de leve. – Amy nos contou, sobre Cal.

Respiro fundo tentando encontrar minha voz de novo.

- ele salvou minha vida. – conto voltando aquele momento e isso me remete a raiva. – se eu não tivesse sido tão ingênuo...

- uh-ho. Conheço esse olhar e não gosto dele. – meu pai diz desconfiado. – o que quer dizer?

Olho para eles que me encaram receosos, sinto o medo, sinto que posso adiantar a decepção deles, mas não vou.

Respiro devagar para me controlar e dou um sorriso carinhoso a eles.

- nada. Descansem por enquanto, falaremos disso depois.

Símbolos de Sangue (Livro 2 da saga "Anjos da Terra")Where stories live. Discover now