- Esta é a nossa filha, Charlotte. - Disse-mo e olhei para a rapariga que acabara de chegar.

Arregalei os olhos ao ver quem era. A rapariga das fotos que o Harry guardava no cacifo. Os mesmos olhos, a mesma cor, as mesmas sardas e os mesmos lábios finos. Não. Não era ela. Não é. Os seus cabelos são ondulados, grossos e castanhos e têm madeixas roxas nas pontas. Eram tão semelhantes que não podia ser irreal. A tensão do Harry era notória.

- Olá. - Disse, olhando na minha direção. Os seus olhos transmitiam rancor.

- Boa noite, sou a... - Fui interrompida por ela.

- Sim sim, já sei. - Disse arrogantemente e sentou-se ao lado da mãe.

O Harry e ela trocaram olhares estranhos, mas não falaram um com o outro. Rapidamente ela agarrou no seu telemóvel e ficou a entreter-se nele.

- Desculpe-nos pela má educação da nossa filha, Skylar. Ela passou por momentos difíceis. - Disse Lindsay e eu vi o olhar que ela fez ao Harry.

O olhar de puro ódio.

Não sei o que se estava a passar aqui, mas aumentei o aperto das nossas mãos. Tinha de ir apanhar ar. Tinha de ir à casa de banho. Eu simplesmente tinha de sair daqui. Sentia a pressão de todos sobre nós. Sobre mim. Sobre o Harry.

- Harry? - Sussurrei e os seus olhos mantiveram-se nos meus. - Tenho de ir à casa-de-banho.

- Vou contigo. - Disse-mo, mas eu interrompi-o.

- Não, eu vou sozinha. - Disse, e ele já estava pronto para recusar. - Vá lá. Prometo que não demoro. - Fiz beicinho.

- Não demores. Mais que dez minutos e vou lá ter. - Disse-mo e eu assenti.

Levantei-me da cadeira - depois das explicações de Harry sobre onde era a casa de banho - e eu era uma das únicas pessoas em pé naquele salão. Senti-me envergonhada porque os olhos fitavam-me todos com intensidade. Cheguei ao sítio onde eu queria estar e tranquei a porta atrás de mim, segurando-me à pia e olhando-me ao espelho. A minha respiração era irregular, inevitável e o meu coração queria saltar-me do peito. Temia o que estava prestes a acontecer esta noite. Eu sabia.

Sentia energias negativas à minha volta, sugando toda a luz existente em mim. A Charlotte destabilizou-me por completo. Havia algo entre ela e o Harry que eu não entendia e tinha medo de vir a entender. Parecia que já tinham partilhado momentos juntos e por alguma circunstância ou acontecimento do passado, começaram a odiar-se um ao outro intensamente. Tinha nexo o que eu estava a dizer e era isso que eu temia: a verdade.

Agarrei-me mais à pia e vi o meu reflexo - a pessoa que sou - refletida num simples espelho numa simples casa de banho. Observei a mulher que ali estava e o meu semblante demonstrava contentamento repleto de tristeza. Havia uma linha ténue que os dividia um do outro. Fechei os olhos para me acalmar até que ouvi um som. Um som terrível, parecido à morte.

Soou uma vez.

Duas.

Três.

Observei. O medo apoderou-se da minha mente quando o espelho à minha frente se partiu e a minha alma foi sugada com ele. Uma bala tinha trespassado a porta de madeira e atingido o vidro. O meu corpo ficou coberto de estilhaços. Abri os olhos. O meu coração rebentou. Senti-me sem chão. A casa de banho parecia ter diminuído de tamanho, fazendo com que eu ficasse sem ar nos meus pulmões. O medo fazia parte das minhas entranhas, paralisando-me, deixando-me sem reação. Sou fraca. E na minha fraqueza, só pensava numa pessoa.

Duas Metades {HS}Where stories live. Discover now