CAPITULO 41- d o n' t g o

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Quando Amora entrou no quarto, eu já estava terminando o Diário, e meu coração estava acelerado e dolorido.
Lisa esteve completamente sozinha durante meses. E eu permiti.
- Você está chorando... - Amora disse, se ajoelhando ao meu lado e beijando meu braço. - Você leu.
- Ela me disse pra ler tudo. Me disse que acordaria pra me ver pela... pela última vez.
- Eu sei que dói, e eu sei que é muito pra processar de uma vez só, mas você precisa se despedir.
- Eu não vou, Amora.
- Você precisa, principe. Você precisa. - Ela também já estava chorando. - Ela precisa ir em paz.
- Não! Ela não precisa ir de jeito nenhum! - Eu me exaltei. - Você leu isso? Porra, ela estava com dor, caralho! Ela me amou sozinha durante meses, sofreu em outro país durante meses e eu...porra, eu achei que ela tinha me esquecido.
- Ninguém, em sã consciência, esqueceria você.
- Não vou me despedir.
- Eles acham que é hora de tirar Eloá de dentro dela... - Amora falou com cuidado. - Antes que - Ela hesitou, mas respirou fundo e continuou - Antes que o cordão umbilical a sufoque.
- Mas não tá na hora, esta? Quer dizer, não são quarenta semanas? E de acordo com o Diário, Lisa não esta nem com 35!
- Ela vai nascer prematura.
- Então eu corro risco de perder minha filha também?
- Eu sinto muito... - Amora começou a chorar, me abraçando.
Mas eu a soltei quando Lisa se mexeu.
- Ei - falei, chegando mais perto dela.
- Eu posso sentir, Ian.
- O que, meu amor? O que você pode sentir?
- Nossa filha. - Ela sorriu enquanto algumas lágrimas caiam de seus olhos- Eu já tinha sentido antes mas agora...agora ela está feliz. Agora nós estamos felizes. Viu, Eloá? Papai tá aqui. Ele vai cuidar de você. Ele vai te ensinar a fazer suco e vai te levar pro jardim botânico, o papai vai... - Sem conseguir terminar a frase, Lisa começou a soluçar e eu me aproximei dela. - Eu não quero morrer, Ian. - Falou. - Eu tô com medo. E se for ruim, e se eu sentir alguma coisa, e se... -
Porra, eu pedi a Deus mil vezes pra me colocar no lugar dela e ele não me ouviu. - E se doer?
- Você não vai a lugar algum. Você vai ficar comigo e com Eloá, Lisa, você vai lutar e vai ficar bem.
- Você leu tudo?
Assenti.
- Então você sabe que não posso lutar.
Quando pisquei os olhos, as lágrimas desceram e Lisa encostou sua mão em meu rosto.
- Você é meu. Você me salvou, Ian, de todos os meus pesadelos...Se eu morrer, Ian...Se eu morrer, saiba que você foi uma das únicas coisas que já me mantiveram viva. E eu vou te proteger pra sempre como você tentou me proteger. Eu estarei viva em você. Eu estarei viva com Eloá. Eu te amo, Ian, como nunca amei ninguém no mundo e como nunca mais vou amar. Obrigada.
Foi um daqueles momentos que você tem tanto a dizer que as palavras não conseguem formar uma frase sequer.
- Por favor, Lisa... - Eu pedi, mas ela me interrompeu antes que eu pudesse contestar.
- Eu preciso ver meus pais. E Alice. E Amora.
Assenti, saindo do quarto para chamá-los.
Grávida e soltando a mão de Higor, Alice entrou no quarto.
- Você vai ficar bem, não vai? - Ela perguntou, mas Lisa não respondeu.
- Minha filha não terá padrinho. - Lisa falou. - Ela terá duas madrinhas. Você e Amora. E eu quero Joaquim ao lado dela, quero que sejam melhores amigos como nós duas fomos, Alice. Você é minha melhor amiga desde que eu me entendo por gente e...
- Por favor, não se despeça de mim. - Alice pediu.
- Eu vou voltar pra te puxar o pé de madrugada. - Lisa era tão incrível que a um passo da morte ela ainda conseguia tirar sorrisos de todos os presentes no quarto.
- Você pode puxar meu pé.
- Faça uma promessa. - Lisa pediu e eu as assisti entrelaçarem os dedinho pelo que Lisa disse ser a última vez.
- Eu te amo. Eu te amei desde o começo e vou te amar pra sempre.
- Eu também te amo, Alice, você será uma ótima mãe.
Quando Alice saiu da sala, eu me aproveitei para sair com ela, deixando Lisa sozinha com os pais. A menininha deles estava indo embora. Eles precisavam de um tempo com ela.
*******
Eu já voltei pra vida. E foi difícil. Mas assistir alguém se despedindo dela foi de longe a experiência mais triste que já tive.
- Vocês foram os melhores pais do mundo, ok? Mantenham isso com vocês. Mãe, quando eu descobri sobre Eloá eu implorei a Deus que eu fosse pra ela metade do que você foi pra mim e pai, eu sei que Ian será como você. Vocês foram perfeitos. Eu vou embora em paz apenas por ter tido vocês em minha vida.
Sem conseguir responder, a mãe de Lisa chorava abraçada com seu pai.
- Você ainda pode ficar, Lizzy. - Ele falou. - Eu preciso da minha filhinha.
- Ela será exatamente como eu. - Lisa falou, olhando pra barriga. - Cuidem dela. Todos vocês. Amora...cuide dele. Eu também cuidarei, lá de cima, mas não poderei abraçá-lo ou enrola seus cabelos loiros com os dedos então faça isso por mim. Se ele encontrar alguém, não a odeie...ela não vai me substituir mas ela pode preencher um espacinho e tirar um pouco da dor dele. Ensine Eloá a ser boa como você, a ser forte como você e a ser incrível como você. Não a deixe desistir de nenhum sonho, Amora. Proteja os dois. Você é minha morena, sempre será.
Antes que eu pudesse responder, uma voz masculina surgiu por trás de mim.
- Pronta?
Era o médico.
Lisa assentiu e Ian entrou no quarto enquanto nós nos retirávamos.
******
- Você vai ficar bem, Lisa. Você vai ficar bem.
- Pare de mentir pra si mesmo, meu amor... ela vai ficar bem. Eloá vai ficar bem, é tudo o que você precisa saber.
- Não desista, Lisa, não aceite isso. Brigue, Lisa. - Eu apertei sua mão, dando beijos em sua testa. - Brigue por nós, Lisa, eu quero uma família imensa com você. Brigue por isso.
- Senhor... Se quiser pode segurar a mão dela, mas vamos precisar que você se afaste.
Assenti, me afastando sem soltar a mão de Lisa. Ela deitou a cabeça no travesseiro, com os olhos me encarando.
Não eram os olhos mais bonitos que eu já tinha visto na minha vida. Eu, com certeza, já passeei o suficiente pelo mundo para me deparar com olhos azuis, verdes, até violetas e alguns castanhos que não pareciam ser castanhos de tão singulares que eram...porque castanho não é pra ser único. Castanho é para ser comum. E aqueles olhos eram comuns.
Mas eram os olhos dela e cada parte dela era singular pra mim.
Então quando Lisa gritou e Eloá chorou, os olhos dela se fecharam e sua mão parou de apertar a minha.

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