CAPITULO 18 - w h o ' s s h e

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São Paulo combina com o meu humor. Cinza. Barulhenta. Rica de sentimentos diferentes. Não existe amor. Ou talvez agora exista, já que minha Lisa Wengrov está na cidade.
Ao passarmos pela porta de entrada do Hotel Castelli da Avenida Augusta, observo como nada mudou naquele lugar. Me lembro de Felicia, nos seus trinta e poucos anos, sendo apenas uma mãe preocupada com a pequena filha de tranças que está correndo pelo hall. Me lembro de Gabriel fazendo aviõezinhos de papel com Amora, tentando ensinar a pequena a jogá-los pra cima, mas Amora parecia mais interessada em acertar os clientes. Do grande vidro na parede do hall, posso ver a piscina e uma máquina do tempo me leva para o meu aniversário de 18 anos. Amora estava imensamente brava com o fato de que eu tinha dado uns beijos em alguma amiguinha de 15 anos dela. Meu coração aperta, lembrando que talvez eu nunca mais a verei brava. Ou de qualquer forma.
- Ian? - Uma voz masculina me chama, e vejo que é Tobias, o gerente do hotel. Negro, alto, de terno e agora careca, Tobias tem praticamente a minha idade, talvez alguns anos a mais, e sempre me acobertou quando eu precisava de um quarto para "conversar a sós" com minha ex namorada.
- Tobias!!! Negão!!! - Eu o abraço.
- E esse cabelo aí, rapaz? - Ele brinca, jogando meu cabelo loiro pra trás, quase me esqueci que 2 anos atras, quando Tobias me viu pela última vez, eu tinha o cabelo curto e pra cima.
- Tem que dar uma mudada né...
- E a gata? - Ele aponta pra Lisa. - Namorada nova?
- Lisa Wengrov, prazer. - Ela sorri, estendendo a mão para Tobias apertar.
- Uau, ela é importante. Você fisgou o melhor avião da empresa...
- Não somos namorados. - Lisa sorri gentilmente. Ela deve achar graça em quebrar meu coração.
- Merda, meu rapaz...essa parece ser difícil.
- E não é? - Digo. - Preciso de um quarto, Bia, tem como me arranjar?
- É pra já.
5 minutos depois, Tobias me entrega uma chave e ao me abraçar, sussurra em meu ouvido:
- Diga a gata que só tinha um quarto disponível, vai que ela cai no papo e resolve pousar na sua cueca?
- Tobias... Vá trabalhar.
- Ok, chefe.
Dou uma risada e abro caminho para Lisa.
- Um hotel desse tamanho e só tinha um quarto disponível? - Ela pergunta, incrédula, quando saímos do elevador.
- Pois é, alta temporada...
- Se isso for obra sua, Ian...
- Não é! - Levanto as mãos na defensiva. Ela não precisa saber que compactuei com a obra maligna de Tobias.
Lisa coloca suas malas em um canto do quarto e entra no banheiro para tomar um banho enquanto eu aproveito para me deitar.
Quatro horas depois, sou acordado por algum barulho na janela. Quando levanto pra ver, já é de noite, e Lisa está deitada de pijama no lado direito da mesma cama que eu. Me deito ao seu lado e rezo para que a manhã nunca chegue. Estar com Lisa é estar em paz.
Pela manhã, uma Lisa Wengrov brigando com alguém pelo telefone me desperta.
- Como assim não tem horário de visitas? - Ela se irrita. - Que tipo de hospital é...como é?
- O que está acontecendo? - Pergunto com a voz sonolenta.
- Não podemos ver Amora hoje. Ela terá visita pelo resto do dia.
Franzo a testa. Ninguém visita a Amora.
- Como assim visita? 
- É o que estou dizendo! -Lisa se volta para o telefone. - É impossível que ela...ah!
Lisa coloca o telefone no balcão, desligando-o. Resolvi me levantar e trocar de roupa, ansioso para ver Amora, tendo a certeza de que essa história de visita é apenas um engano. Amora Castelli só tem uma pessoa no mundo. E essa pessoa sou eu.
Foram quarenta longos minutos até o hospital, já que São Paulo não fica pra trás no quesito "cidade imensa". O lugar estava exatamente como eu me lembrava. Limpo e de paredes claras, é um dos melhores hospital do país, preciso subir dois andares antes de chegar no corredor de Amora.
- Bom dia - Falo, quando encosto no balcão. - Vim visitar Amora Castelli.
Assentindo, a enfermeira negra se levanta e me leva até o quarto de Amora, mas, pelo vidro da janela, posso ver que minha irmã não está sozinha.
- Ela esteve aí a manhã inteira. - Sussurra, apontando para o quarto. - Vocês só podem entrar quando ela sair. Não são permitidas mais de duas pessoas no quarto.
Quando olho pra Lisa, ela assente, compreensiva.
- Eu espero aqui, pode ir.
Dou um meio sorriso e empurro um pouco a porta do quarto, ouvindo o que a companhia de Amora fala. Ela está em completo estado de choro, e soluça enquanto sua voz doce pronuncia:
- Meu jantar de noivado foi incrível. Matthew está cada dia mais apaixonado por mim, ele até me deu um anel, olha. - Ela estica a mão para que Amora possa ver, mas percebendo o ato, se encolhe na poltrona novamente e chora. - Eu me esqueço toda vez, Mó... me sinto tão em casa aqui que é como se você nunca tivesse ido embora e sei que estou ficando repetitiva, mas eu queria te pedir perdão. Me perdoa por não ter te impedido, eu... eu queria você no meu noivado. Eu ouvi varias risadas no jantar, pessoas felizes por mim mas nenhuma era você. Eu não o amo, Amora, ele é incrível e eu não consigo, eu perdi minha capacidade de amar quando você se foi...eu não...
Quando ela se encolheu na cadeira novamente, abraçando seus joelhos e soluçando, eu percebi que estava chorando.
Os longos cabelos finos de Agnes estavam soltos nas costas, mas alguns fios caiam em seu rosto. Quando abri a porta completamente do quarto, ela se assustou e se virou:
- I-i-ian? - Ela gaguejou, arregalando os olhos e deixando o queixo cair. - Você...Ai meu Deus, Ian!!!
Agnes se levantou, sorrindo em meio a tanta lágrima. Não consegui me conter, abri meus braços e enlacei Agnes num abraço de saudade. Deus, como eu senti saudade. Agnes não era nem de longe o amor da minha vida, mas eu a amava, do fundo do meu coração.
- Você... - Ela se soltou do meu abraço, colocando as duas mãos no meu rosto e sorrindo. Agnes parecia mais magra. Seus grandes olhos verdes brilhavam, marejados, e um grande sorriso estava em seus lábios. Agnes era mais como uma rainha da beleza. Agnes era a minha Billie Jean. Ela roubava qualquer cena. - E esse cabeloooo? Você está tão diferente. E isso aqui? De onde surgiu? - Ela apertou os músculos do meu braço, rindo.
Eu percebi que também não conseguia parar de sorrir, tanto que não conseguia formar palavras.
- Fala alguma coisa, seu bobo!!! - Ela me deu um tapinha no braço.
- Você está tão...
- Linda? Eu sempre fui! Já se esqueceu? - Ela sorriu, com a graça da Agnes de 19 anos que eu disse, no meio da sala de espera do hospital, que não queria mais namorar.
- Você continua linda, Agnes. E noiva!! Como isso aconteceu? - Eu seguro sua mão, encarando o grande anel prata com esmeraldas. Agnes sempre adorou esmeraldas, o que prova que seu noivo a conhecia bem.
- É... - ela abaixou o olhar, dando lugar a um semblante triste.
- O que foi?
- Nada, uma hora a mentira se torna verdade. - Ela me deu um meio sorriso. - Mas me conta de você!! Seus pais me disseram que você foi viajar...
- Você tem falado com meus pais?
- Na verdade, não. Esses dias vi Felicia no supermercado, mas não passa disso. Eu tentei não quis manter contato, se é que você sabe do que tô falando...
- Eu também não mantive. Eles a mataram...
Ela assentiu, me puxando para sentar na poltrona ao lado da maca de Amora. Quando me permiti olhar, fui preso por Amora. Lembrei-me do quanto era difícil vê-la assim e senti as lágrimas tomarem conta dos meus olhos de novo.
- Eu venho todos os dias. - Agnes sorriu, segurando a mão da amiga. Minha irmã continuava linda, os cabelos já deviam estar na cintura, mas eu precisei admitir: Amora parecia sem vida.
- Eles querem que eu desligue os aparelhos.
Agnes balançou a cabeça, sem surpresa.
- Eles sempre quiseram...chegaram de convocar uma reunião a quase um ano, nos preparando para dizer adeus.
- Voce está brincando? - Eu a encarei.
- Não, Ian...Eles tratam Amora como ações de uma empresa. Se não fosse Gabriel, ela estaria morta.
Na hora me arrependo de ter discutido tanto com Gabriel.
- Você acha que eu...
- Não, você não deveria mandar desligar os aparelhos. Ian, ela é sua irmã... ela vai acordar. - Agnes coloca a mão livre sob a minha. - É tão bom ter você aqui. Nós três, juntos, eu estava com tanta saudade.
- É bom te ver, Agnes, de verdade, eu não tinha percebido o quanto você me fez falta nesse tempo todo e eu queria...
- Eu te perdoo. - Ela sorri. Agnes sempre soube como ler meus pensamentos. - Doeu, Ian, eu te amava...mas você nunca me amou.
- Não era assim, Agnes, você...
- Era família. Você me amava, mas não como eu te amava. Está tudo bem, de verdade. Eu superei. - Ela solta uma risada.
- Me sinto aliviado.
- Você não é lá essas coisas também, baby... eu sou uma grande modelo, como eu explicaria um amor por um mochileiro? - Ela brinca, me fazendo sorrir. - São quase uma hora, eu preciso ir.
- Tudo bem... - Ela se levanta, me dando um beijo na bochecha.
- Foi bom te ver, Ian. De verdade, baby.
- Foi... espero te ver de novo.
- Na verdade, minhas amigas querem dar uma festa para comemorar o meu noivado. O que você acha?
- Acho incrível, elas são ótimas amigas.
- Não, Ian - ela ri - eu estou te convidando.
- Uau, é... claro!
- Você ainda se lembra onde eu moro? Vai ser no salão de festas do meu prédio hoje às oito.
- Claro que me lembro, Agnes, eu não sou tão burro.
Ela apenas sorri e sai do quarto.

****
Não vou dizer que senti ciúmes, mas quando aquela garota alta, magra, branca, loira e com olhos verdes saiu do quarto da irma de Ian, eu rezei para que ela fosse uma prima ou algo assim. Mas essa oração não durou dois minutos, já que logo me lembrei de quando Ian me contou sobre Agnes Masquerin, a melhor amiga de Amora e por consequência, sua ex namorada.
- Oi - ela disse, sorrindo.
- Oi - Deus, minha mãe me mataria se visse minha cara de nojo. "O que você está fazendo, Lisa, ela é só uma garota três vezes mais bonita que você e que namorou o cara que você fica mas nem gosta!"
- Você pode entrar... - "Ela é gentil, abaixe a guarda"
- Ok, obrigada. - Falei, me levantando.
- Você... - Ela hesitou, e percebi que o que quer que ela fosse falar em seguida, doeria nela. - é namorada de Ian?
Eu abri a boca, mas fechei sem fazer nenhum som. Ela me pegou de surpresa. E eu não sabia a resposta.
- Me perdoe - ela franziu a testa, se arrependendo.
- Não! - Exclamei - Quer dizer, está tudo bem...nós não namoramos.
- Não é da minha conta, me desculpe.
- Está tudo bem. - Dou um sorriso gentil quando percebo que Agnes Masquerin é apaixonada por Ian Castelli.
- Agnes - ela diz, me cumprimentando.
- Lisa.
- Foi um prazer, preciso ir.
- Claro...o prazer é todo meu.
Óbvio que foi um prazer, eu não fui falsa nem nada. Foi um prazer ver que nunca serei o que ela é, foi um prazer ver que Deus, ela é tão linda que se eu fosse homem cairia aos pés dela.
Agnes se retirou, andando sob saltos altos como eu jamais andaria na minha vida. Uma simples caminhada dela parecia como um desfile de moda, e eu me odiei por ter saído do hotel com a primeira roupa que vi na mala.
- Com licença - Disse, abrindo a porta do quarto 505.
- Pode entrar - Ian disse, e eu percebi que ele tinha chorado.
- Não estou pedindo pra você - sorri - oi, Amora.
Deitada com uma roupa branca e alguns tubos no nariz e no braço, Amora Castelli ainda conseguia ser linda. Os cabelos, soltos em suas costas, eram escuros e encaracolados, e sua mão estava na de Ian.
Quando me sentei na poltrona ao lado dele, Ian desabou. Encostou a cabeça no meu colo e eu fiquei sem reação. Ele apenas chorava e soluçava.
- Veja, Amora... um marmanjo chorando no meu colo. Que mulher você é ein! Imagina só? Ian Castelli chorando por você? - Me vi obrigada a falar algo pra fazê-lo sorrir e vendo que funcionou, sorri junto. Ele se recompôs, encostando as costas na poltrona roxa onde estava sentado.
- É tão difícil que parece que não se passaram dois anos.
- Agnes é bonita.
- Ela é, não é? Achei ela um pouco mais magra, e está noiva de alguém que ela claramente não ama.
- Noiva? - Eu arregalei os olhos. - Mas ela não tem tipo...
- 21 anos.
"Como esquecer o seu ex com Agnes Masquerin
Passo um: fique noiva."
- Uau...
- Ela vem todos os dias, Lisa... provavelmente, é a única amiga que ainda visita Amora.
- Amizade entre duas mulheres é um voto sagrado, meu amigo.
- Eu preciso tanto que você acorde, pequenininha.
Ele se dirigiu a Amora, beijando sua mão direita. Era incrível ver os olhos de Ian brilhando, mesmo que os dela estivessem fechados. Eu já não acreditava que ela levantaria qualquer dia, pois Amora não parecia estar tendo apenas um sono tranquilo, mas precisava conforta-lo.
- O que você acha tomarmos um sorvete? - Pergunto, como quem quer mudar de assunto. Detesto ver Ian nesse estado, meu coração se aperta e eu não consigo entender porque.
- Você trouxe roupa de festa?
- Como?
- Agnes fará uma festa de noivado hoje, eu disse que ia.
Ótimo. Vamos todos a casa da sua ex namorada perfeita.
- Eu...eu não trouxe.
- Bom, nada que um shopping não resolva. O que você acha?
Não estou animada. Não estou nem um pouco animada. Mas sorrio, mostrando todos os dentes.
- Acho incrível.

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