CAPITULO 30- surprise surprise

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O dia do casamento chegou rápido, e eu acordei com Ian ao meu lado.
Os cabelos loiros caiam em seu rosto e ele tentava afastá-los, ainda dormindo. Sua respiração era lenta e sua mão direita estava sobre minha cintura, tão perto que eu consegui reparar em como suas veias saltadas parecem se acalmar enquanto ele dorme. Eu o olhava como se fosse obra de arte, como se fosse um pedacinho do céu...
E então o céu acordou e me encarou com seus grandes olhos de, olha que ironia...seus grandes olhos de céu.
- Bom dia. - Falei.
- Bom dia.
Lhe dei um sorriso e me levantei da cama, o dia seria longo.
A cozinha estava animada, meus pais estavam fazendo panquecas. Por um momento, parei na escada para os olhar um pouco. O amor, a cumplicidade, o carinho...meus pais eram meu relationship goals.
- Olá papai. - Dei um beijo em sua bochecha.
- Bom dia, princesa... Ian vai ficar pro café? - Minha mãe perguntou, olhando para Ian, que estava parado atras de mim.
- Vou sim, Mercedes.
- Ótimo! - Ela deu pulinhos. - Sentem-se.
- Você marcou o salão que te pedi? - Perguntei, me sentando na mesa.
- Sim, pra três, não é? Você, Alice e quem mais?
- Amorinha. - Peguei um pedaço de pão.
- Ok, já deixei pago o de vocês, vou no mesmo horário.
Terminamos o café da manhã com várias risadas, e eu percebi o quanto Ian se encaixava na minha família. Meu pai estava nutrindo carinho por ele e minha mãe já gostava mais dele do que de mim.
- Então, Ian, como vai o apartamento? - Meu pai perguntou.
- Ainda precisamos desfazer algumas caixas, mas deve ficar pronto no fim desse mês.
- E aí a Lisa vai se mudar de vez?
Quis matar a minha mãe ali mesmo. Os olhos de Ian se iluminaram.
- Não! - Respondi rapidamente. - Quer dizer, você está de brincadeira, né? - Dei risada - Não quero me mudar desse casarão tão cedo.
Ok, a resposta foi babaca, mas o que você queria que eu dissesse? "Não estou preparada para me casar e ter filhos, quero viver antes" ?
O assunto foi trocado e eu me acalmei, mas Ian pareceu incomodado.

                            *****
- Gabriel não vai mesmo? - Alice perguntou assim que entrei no carro.
- Não, ele vai sair com Diana hoje.
- Diana? - Lisa arregalou os olhos.
- Viu no que dá ficar 3 dias sem ir lá em casa? Gabriel está tentando reatar com Diana.
- Meu deus, anos depois? Já tem o que?  Quase três que eles se separaram?
- Parece que ela não superou também...
- Gente, foca! - Alice gritou. - Gabriel não vai, então eu posso chamar o Higor, né?
- Deve poder, é só ele falar que o nome dele é Gabriel na portaria. - Lisa deu de ombros.
- Eu odeio quando vocês falam de macho. É complô!
- Amora, você é a coisinha mais linda e fofuxa que Deus já colocou na terra, já já o todo poderoso te manda um gatinho precioso pra te amar. - Alice brincou.
Quando Lisa aumentou o som, nós começamos a cantar uma música antiga.
E algumas horas depois já estávamos saindo do salão, prontas pro casamento.

                            ******
~aviso de gatilho da autora~

Não, um relacionamento abusivo nem sempre deixa apenas marcas ruins. Às vezes, ele te deixa cicatrizes no coração que você não consegue apagar apenas porque não quer, porque antes de ser ruim foi um relacionamento tranquilo e amigável.
Um relacionamento no qual eu estive desde a minha pré adolescência.
Então não me culpe, eu imaginei sim uma vida perfeita onde eu me casaria e teria filhos com Pedro. E essa ideia não havia sido completamente apagada.
Até aquele dia.
O dia no qual eu entrei no salão de festas e o vi de terno branco, esperando por uma mulher que não era eu.
Não que eu não amasse Ian, não que ele não emitisse sentimentos bons por todo o meu corpo, mas nós tínhamos um conto, enquanto eu e Pedro tínhamos um livro. Um livro de paginas amassadas e rasgadas, mas ainda assim um livro.
Segurando minha mão direita entrelaçada em sua esquerda, Ian me olhava como quem estava tentando me ler. Ele sabia o que eu estava sentindo, mas não arriscaria perguntar. Ele não queria saber a resposta.
Alice se aproximou do meu ouvido, me dando um caloroso aperto de leve no braço.
- Ainda podemos ir embora.
- Está tudo bem, Lice. - Eu sorri pra ela. - Vou pegar uma bebida.
Após voltar do bar com uma dose de whiskey no estômago e outra na mão direita, percebi que todos estavam se sentindo em casa: Alice e Higor estavam se dando bem, Ian e Amora conversavam sobre o doce que estava sendo servido, meus pais estavam em outra mesa com alguns amigos da empresa e eu estava alheia a qualquer situação. Eu apenas prestava atenção em tudo que jamais seria meu.
É bem estranho quando você vê alguém se casar, não apenas trocar sobrenomes: tem todo um processo, tem todos os olhares que os noivos trocam enquanto ela chega perto e ele coloca a aliança em seu dedo anelar, tem todo um carinho e uma família sendo formada ali. E quando uma das duas pessoas dessa família foi a sua família por vários anos, você se sente deslocada. Porque, de fato, você está deslocada.
- Que bom que você veio! - Mariana me abraçou, e seu véu bateu no meu rosto. - A cerimônia foi linda, Mari, você... - Me interrompi, percebendo meu erro - Vocês estavam incríveis. - Falei, olhando para Pedro. Quando percebi o jeito que ele me olhava, quis pegar os dois bracinhos de Mariana e tirá-la dali. Ela jamais seria feliz, assim como eu jamais seria feliz se fosse ela naquela noite. Mas não, nós não éramos o problema...o problema era o noivo.
E foi então que eu percebi que tudo aquilo não estava me incomodando pelo fato de que Pedro não estava se casando comigo, e sim pelo fato de que ele ainda possuía o direito de se casar e eu não. Ele possuía uma vida que não havia sido destruída, ele teria uma família e eu...eu teria apenas inúmeras inseguranças. Eu queria aquilo. Eu queria minha família, meus amigos, uma festa e um vestido de noiva, eu queria ter minha liberdade ao lado de Ian, mas no nosso relacionamento eu era apenas uma coisa: um reflexo de Pedro. E eu jamais poderia fazer com Ian o que Pedro fez comigo. Principalmente porque eu o amava.
- Bom, precisamos voltar ao altar. - Mariana deu sorrisinhos, ela realmente estava feliz. - Os discursos vão começar. Servida? - Mariana me ofereceu seu copo cheio de whiskey.
Fiz que sim com a cabeça, pegando o copo da mão dela e me virando pra sentar, mas um brutamontes trombou em mim, molhando minhas costas nuas com água.
- O que você pensa que está... - Eu vociferei, mas quando me virei o susto foi tremendo.
- Você. - Ele disse.
- Você. - Eu disse.
- Vocês. - Ian disse, me trazendo de volta pra realidade.
- Ian, esse é o Tay - Apresentei meu quase-não-namorado ao sorriso encantador de Tay e eles apartaram as mãos.
- Tem lugar na mesa? - Ele perguntou.
- Tem um aqui! - Alice gritou, indicando um lugar ao lado de Amora.
Tay então me deu uma piscadela e foi se sentar.
- Da onde se conhecem? - Ian perguntou.
- Do clube. - Falei, sem dar importância. Principalmente porque não havia importância. Tay não era ninguém. E nem seria.
Fui em direção ao bar, pedindo mais duas doses de whiskey. Eu jamais aguentaria tudo aquilo sóbria.
Quando os discursos começaram, eu reconheci alguns dos amigos de Pedro, da época do ensino médio. Alguns caras solteiros enchendo a cara no bar, alguns com mulheres grávidas ao seu lado. Estar grávida era pré requisito para se casar naquela idade, só pode.
- E agora, por último mas não menos importante - Pedro anunciou - minha ex namorada e minha eterna melhor amiga: Lisa Wengrov.
Todos bateram palma e a cara de Ian se fechou. Não, eu não tinha contado para ninguém que Pedro havia me pedido para falar em seu casamento.
Eu me levantei, tentando não cambalear com o álcool em meu sangue, e Alice segurou a minha mão:
- Que porra você tá fazendo? Senta, agora! Você está bêbada, Lisa! Isso não vai dar certo!
Eu dei um sorriso a ela.
- Da licença? - Puxei meu braço e retirei do sutiã um papel. Sim, vocês estão pensando o que? Lisa Wengrov planeja as coisas. Lisa Wengrov preparou um discurso. E Lisa Wengrov estava bêbada. - Eu sei o que estou fazendo.
Um barman me entregou um microfone e eu encarei o salão lotado.
- Primeiramente, boa noite. - O coro de vozes bêbadas e falsas me respondeu. - Parabéns aos noivos, isso aqui está...uau! De tirar o fôlego, não acham? E essas bebidas maravilhosas? Estou quase embriagada. Mas não surpresa, afinal, você sempre foi bom com bebidas, Pedro Jorge Galharte. - Dei risada, seguida por várias outras. Não olhei para Ian, eu sabia que ele não estava feliz com aquilo. Mas, naquela altura do campeonato, apenas uma infelicidade me interessava: a de Pedro. - Enfim, eu preparei um discurso. Vou apenas ler e peço que não me interrompam. Eu levo um pedaço de papel muito a sério. - Pude ver os olhos de Pedro nos meus seios e os olhos de Mariana preocupados. E foi assim que eu tive a coragem que precisava.
- Querido Pedro, esse discurso é para você, e não se surpreenda, aposto que você já sabe de 90% das coisas que citei nele. Se quiser, pode se sentar, pode se acomodar, isso ficou um pouco longo. - Sorri, diabolicamente, e encarei Pedro, seus olhos haviam saído dos meus seios e agora me encaravam, tentando me intimidar...aquilo estava começando a ficar divertido.
"Querido Pedro - continuei - eu não consigo mais te sentir. Não que eu queira, não que eu tenha tentado, mas não consigo. Não é mais como se você fosse parte de mim, não é mais como se eu precisasse da sua presença, até porque não a tenho...simplesmente, você passou. E eu estou sabendo lidar com isso. Sabe, Pedro, hoje é assim que você aparece. Como memória repentina, como um convite de casamento, como um pesadelo no ímpeto do sono, um espinho no meio de várias rosas. Hoje, você aparece por um milésimo de segundo e às vezes, me dá inspiração. Mas quase sempre me traz indiferença. Indiferença porque te ter na minha vida foi tanta coisa ao mesmo tempo que quando te perdi ficou só o nada. Só um buraco, só um vazio. Hoje você é vazio em mim. E sei que em você sou buraco preenchido. - Quando percebi, Alice estava segurando a minha mão apoiada na mesa, me dando forças, e eu já estava chorando. - Preenchido por todas as novas sensações que você tem experimentado, preenchido por sua nova família, preenchido de paz, mas em mim, você não pôde deixar isso. Em mim, Pedro, você não deixou nada. Tem mais de um ano que não sei o que é te tocar e, olhando pra trás, vejo que passou rápido. Olhando pra trás, percebo que é verdadeira a frase que diz: "Em sete anos todas as células do corpo se renovam e um dia terei um corpo que você nunca terá tocado", porém essa vertente comigo se acelerou. Você me acelerou. Você me fez crescer na rapidez de um raio, na covardia de quem tira a inocência de uma menina de 15 anos e a transforma numa mulher vivida, sofrida, mal entendida...eu te interpretei mal. - Eu estava soluçando e a única força que meu corpo possuía naquele momento era a de Alice - Por vários meses, eu pensei ser importante, mas precisei deixar de ser para de fato ser. Hoje, sei que vivo em ti, mas vivo pra te lembrar que não fostes sempre o que hoje és, vivo pra te lembrar que você já foi escuro, sujo, desorganizado e ruim, hoje vivo em ti pra não se esquecer de ti, pra lidar melhor com a mudança. Mas, se hoje você vive em mim, é para que eu não me esqueça da mulher que me tornei por minha, e apenas minha, causa. E essa mulher não consegue, e não quer, te sentir. Doeu nela, Pedro, doeu em mim por tanto tempo que se paro pra pensar tento compreender como o destino pôde ser tão rude, como ele pôde jogar uma criança de 15 anos no canto de um quarto e deixar com que ela sofresse durante dias, deixar que ela fizesse greve de si mesma por um homem qualquer. Homem. Você nunca foi um moleque, você nunca foi uma criança. Você tinha a maturidade de um homem machista e com complexo de superioridade. Mas eu, Pedro - Precisei respirar fundo e Alice apertou minha mão, eu sabia que ela também estava chorando. - eu era uma criança. Criança que vive em ti, mas que tu mataste em mim. Espero que você aguente o fardo, espero que lembre do sorriso que roubou e da lágrima que sempre foi sua...porque eu perdi a paz, e, infelizmente, você tirou de mim o poder de desejá-la pra você."

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