CAPITULO 27- a filha do vento

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Quando você machuca alguém pela primeira vez, você sente. Como se tivesse machucado a si próprio, a dor do outro cutuca a alma.
Quando você machuca alguém pela segunda vez, dói, mas você ainda consegue deitar a cabeça no travesseiro sem sentir remorso.
Quando você machuca alguém pela terceira vez, é como se não tivesse feito nada.
Eu acho que Felicia Castelli já não sentia nada, pois ela magoava Amora como se a menina não tivesse saído dela.
- Você sabe que tudo isso vai passar, não sabe? - Perguntei
Ela não respondeu. Não por birra, Amora não era esse tipo de garota, mas por não estar naquele mundo naquele momento. Eu conseguia ver, já havia ficado daquela forma varias vezes: Amora estava voando em meio a suas decepções, como a boa filha do vento que ela era.
O avião pousou e já era a noite, foram quase sessenta minutos sem ouvir a voz dela. Quando já estávamos na escada do aeroporto, ela me pediu:
- Me promete que continuaremos amigas mesmo se você e Ian não derem certo.
Eu não considerava a hipótese de não dar certo com Ian, mas sabia que se algo acontecesse eu jamais deixaria Amora pra trás, então assenti.
- Deixei uma mensagem pra Agnes, que ela fez questão de não responder.
- Talvez você devesse abandonar essa amizade...sabe, já tem tanto tempo e ela te abandonou por coisa pouca. - Gabriel entrou no assunto.
Homens. Sempre achando que sabem de tudo quando não sabem de uma parcela.
- Gabriel, se não for ajudar não atrapalhe. - Ian implorou. - Nós não vamos terminar, Amorinha, quando nos casarmos você será a dama de honra.
E aí estava o problema. Namoro. Casamento. Foram vários meses com Ian, mas nenhuma dessas duas palavras que remetiam a compromisso me chamavam atenção. Mas pareciam chamar a atenção dele. Já nos conhecíamos a quase 7 meses, mas a ideia de namorar parecia rotular algo que estava bom. E o medo de acabar estragando tudo me assustava.
Quando o táxi parou em casa, Ian perguntou:
- O que foi? Não vai descer?
- Vou pra casa hoje.
- Está tudo bem?
Dei um sorriso amarelo.
- Claro que sim, eu só estou cansada, não vejo meus pais tem alguns dias...
- Tudo bem. - Ele me deu um beijo na testa. Ian sabia que algo estava errado, mas não quis me falar, talvez achasse que fosse o impacto da súbita crise de Amora ou algo assim.
- Fique bem, ok? Estou no celular qualquer coisa. - Falei pra ela.
Ela assentiu e apertou minha mão, descendo do carro.
Depois de informar o endereço ao motorista, eu desci na casa de Alice.
- Ei, doida. - Ela me abraçou. - Festa do pijama?
- Por favor. - Falei, já entrando na casa verde água.
- O que aconteceu na mansão WengrovCastelli dessa vez?
- Ian quer me transformar numa Castelli.
O queixo dela caiu e ela bateu a porta da sala.
Ok, eu não tinha contado pra minha melhor amiga que Ian havia citado namoro/casamento mais de uma vez, mas foi apenas por achar que ele abandonaria o assunto. Quando vi que ele de fato estava colocando expectativas naquilo, eu precisei contá-la.
- Já faz um tempo... - Me joguei no sofá, colocando os pés em cima da mesinha de centro.
- E você não me contou? - Ela sentou ao meu lado no sofá fofo.
- Eu achei que ele ia esquecer! Foi num dia qualquer, ele disse que tava na hora do mundo ver que sou dele.
- Que mundo, pelo amor de Deus? O mundo de vocês é aquele lá! A casa, vocês quatro, eu, sua família...só isso! Todos nós já sabemos, pra que rotular isso?
Era por causa disso que eu amava Alice com todo o meu coração. Ela me entendia.
- Sim!!!! - Gritei
- E o que foi que você disse?
- Eu não disse nada
- Lizzy! - Ela repreendeu
- Que que eu ia falar? Que não quero namorar, que não quero casar? Casar, meu Cristo! Ian está falando em casamento.
- Falasse que sei lá, vocês deveriam esperar mais
- Alice, estamos juntos a quase 7 meses
- Você conta com o tempo que passou na minha casa chorando?
- Conto.
- Olha, Lizzy...eu não acho uma boa ideia. Quer dizer, você o ama?
- Claro que sim. - Respondi como se fosse uma resposta decorada.
- Pense direito, Lisa, de verdade...você o ama?
- Eu gosto da companhia dele, gosto do lar que criamos, gosto de saber que somos um casal...
- Então, se você o ama, qual o problema em pelo menos namorar?
- Você já se esqueceu do meu último namoro?
- Ele não vai levantar a mão pra você! - Ela disse, achando ridículo que a ideia sequer passasse pela minha cabeça.
- Eu sei que não vai, mas...
- Mas nada, Lisa! Eu sei que às vezes ainda dói, mas você vai superar...você não vai encontrar outra vida pra viver, Lisa, é só essa.
- Eu não posso oferecer nada pra Ian! Porra, sou só eu, toda quebrada ainda... 
- E não é exatamente isso que ele quer? Você, do jeito fodido que estiver?
- Ele nunca teve nada melhor.
- Você está brincando, né? Ele teve Agnes, a garota era uma deusa.
- Alice!
- Vai dizer que você não acha? E ela ainda o amava.
- Eu o amo também!
- Mas não quer namorar o cara.
- Não é que não quero...eu só não tenho certeza. Não sei se aguentaria fazer parte dele, da família dele, não sei se sou suficiente, não sei se ele ainda vai me querer daqui a um tempo. Eu sou tão pequenininha, Alice, tão insegura, tão nada...
- Talvez você devesse falar todas essas coisas pra Ian.
- Pra que? Pra ele me convencer de que sou perfeita? Eu preciso de um tempo.
- Lisa...
- Só um tempo.
E então eu havia tomado a minha decisão.
Decidi dormir em Alice pra acalmar a cabeça.
- Lisa, teu telefone tá tocando. - Ela falou, babando com voz de sono.
- Oi, mãe...
- Lisa, você não volta pra casa tem 3 dias, o que foi? Você e Ian resolveram casar?
- Claro que não, mãe, vou pra casa hoje à tarde, estou na Alice.
- Traga a Alice, vamos ao Caiçaras.
- Ok.
Desliguei, me deitando novamente.
- Vamos ao Caiçaras hoje.
- Ah sim.
- Mamãe mandou te convidar.
- Ótimo - Ela mostrou um jóinha com o dedão, sem levantar a cabeça do travesseiro - Adoro programa de gente rica.
- É só um clube, Alice
- Na última vez que fui a esse clube eu conheci um cara que semanas depois me comprou uma pulseira da Vivara. Não é só um clube, é um passaporte pra fama.
Apenas revirei os olhos, Alice estava apenas sendo Alice.
- Que biquíni eu levo? - Duas horas depois ela estava parada na minha frente segurando um biquíni branco e um estampado.
- Branco.
- Já falou com Ian hoje?
- Por que eu deveria?
- Vocês não terminaram ainda, você ainda pode ligar pra ele só por sentir saudade da voz dele
- Nós não vamos terminar
- Ok, vocês vão dar um tempo - Ela revirou os olhos, se virando para o guarda roupa e procurando alguma coisa.
- Não quero ouvir a voz dele hoje.
- Razões?
- Deus, Alice, eu só não quero.
- Você vai arruinar a vida desse garoto.
- Ninguém mandou ele querer compromisso
- Você sequer escuta as merdas que saem da sua boca? Sério, Lisa, vocês estão juntos a meses, você tá tão acampada na casa dele que devem ter calcinhas suas no varal.
- Eu paguei por aquele varal.
- Tá vendo meu ponto? Você já está comprando móveis. Qual é, Lisa, vocês já são um compromisso.
- Vai se fuder.
- Estou tentando achar alguém pra me ajudar com isso.
Foi naquele momento.
Eu percebi.
Lisa Wengrov tinha medo de compromissos.
Eu era um puta para-raios quando se tratava de compromissos.
E por falar em raio...
"Ei" meu celular e meu coração vibraram com a mensagem de Ian.
"Ei" respondi, tentando não prolongar o assunto
"Hoje?"
"Caiçaras com a família e Alice"
"Ok, quer vir pra cá depois do meu trabalho?"
"Acho que hoje não vai dar, o dia vai ser longo"
"Tá bem, a noite nos falamos, o chefe já tá me xingando. Te amo"
"Beijo"
Não, eu não sou um monstro.
Qual é, não faça essa cara. Eu realmente não sou.
Doía em mim tratar Ian daquela forma, mesmo que ele não percebesse que eu de fato estava o tratando de uma forma diferente. Eu não queria aquilo, queria apenas que continuássemos da mesma forma...mas Ian não. Ele me queria pra ele. E Deus, eu estava cansada de ser de alguém.
- Boa tarde, Lisa. Boa tarde, dona Alice, como estão? - Fernando, meu motorista, perguntou assim que entramos no carro.
- Qual é, Fernando, eu tenho 23 anos!
- Perdão, senhorita Alice. - Ele riu
- Melhorou. - Ela deu tapinhas em seu ombro.
Quando descemos em casa, minha mãe estava com uma cara estranha.
- O que foi que a senhora comeu e não gostou? - Perguntei, achando graça e jogando minha bolsa no balcão da cozinha. Minha mãe apenas me empurrou um envelope vermelho fosco pelo balcão. - Que é isso?
- Chegou pra você, filha.
Franzindo a testa e sem entender a expressão dela, abri o envelope.
Eu quase caí pra trás.
- VOCÊ CONSEGUE ACREDITAR NELE? - Gritei, entregando o envelope pra Alice, que já estava curiosa.
- Meu Deus...que imbecil!
- Lisa...
- Mãe, não! Só..não!
Não era tristeza, não era decepção, não era ódio. Era inveja. Mas eu não sabia exatamente do que.
Subi para o meu quarto e ouvi quando minha mãe disse para Alice cuidar de mim. Como se eu precisasse de cuidados.

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