CAPITULO 17 - back home.

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Duas horas e uma mala pronta depois de ter chegado em casa, meu pai bateu na porta do meu quarto.
- Entre.
- Você tem visitas.
Ergui as sobrancelhas e olhei o relógio. Meia noite e trinta e três. Quem faz visita a essa hora?
Desci as escadas segurando no corrimão dourado e lá estava ele.
- Ian, o que faz aqui?
- Festa do pijama? - ele pergunta, me fazendo sorrir.
Meia hora depois, estou procurando almofadas na sala de cinema para Ian dormir.
- E o que você está pensando em fazer? pergunto, após Ian me contar a absurda história sobre como seus pais desistiram de sua irmã mais nova. Aquilo me corta o coração e me dá vontade de abraçá-lo para todo sempre.
- O que quer dizer?
- Sobre os aparelhos...
- Não vou desligar.
- Acho certo. Ela está viva, você não deve desistir ainda. Quer ver um filme pra distrair?
Ele faz que sim com a cabeça, e me sentando ao lado dele, escolho Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e coloco no projetor. Gosto de como Clementine passa por diversas metamorfoses nesse filme, gosto como ela é uma pessoa só mas se desdobra em várias outras personagens. Gosto de como ela se esforça para esquecer algo que pode machuca-la.
Às vezes, eu queria ser menos Lisa e mais Clementine .
- Não é incrível como ela fica bem em todas as cores de cabelo? - Pergunto, me referindo a protagonista. - Droga, ela é tão bonita.
- Você ficaria bonita de cabelos vermelhos. - Ian sorri, como quem sonha acordado.
- Você acha? Eu sempre tive medo de mudanças drásticas.
- Sou suspeito de falar.
- É?
E então ele se aproxima. Ian tem cheiro de perigo e chocolate. E eu não gosto de perigo, mas gosto de chocolate. Eu não gosto de Ian, mas gosto do que sou com ele. Com Ian, não tem Pedro, não tem relacionamento abusivo, não tenho que ser a bailarina perfeita ou a ótima estudante de direito. Com Ian, eu posso sonhar.
- Suspeito por que?
E então ele me olha nos olhos, como quem tenta me despir de dentro pra fora.
- Porque eu iria a guerra por você, Lisa Wengrov.
Prendo a respiração e sinto meu coração acelerar e tento acalma-lo, mas sem sucesso. "Isso só pode ser um pesadelo" repito para mim mesma em pensamento "ele está apaixonado por mim, isso só pode ser um pesadelo".
Quando ele me beija, eu quase não sinto a gravidade me puxar. Eu perco a noção do tempo e do espaço quando Clementine começa a falar pra Joel que ele logo logo encontrará algo nela que não gostará. Joel insiste, mas ela diz que não. Eles devem seguir caminhos diferentes. Como eu e Ian. Mas eu não consigo dizer, porque seus lábios me tiram a concentração e em poucos segundos eu me esqueço da presença de Clementine, de Joel e de mim mesma. Em poucos segundos, eu sou Ian Castelli e Ian Castelli é Lisa Wengrov. Em poucos segundos, eu estou sem roupa e começo a tirar a dele. Não que eu nunca tivesse visto o abdômen de Ian na vida, porque ele parece ter desprezo por camisetas, mas naquele momento, eu me deixo reparar. Ian não é o ser humano mais atlético desse mundo, mas também não deixa a desejar. Suas mãos em minha cintura são firmes, enquanto, sentada em seu colo, eu passo as minhas por toda a extensão de seu rosto. Vejo ele abrir os grandes olhos azuis e gostaria de poder nadar no mar infinito que é Ian Castelli. Vejo ele os fechar novamente e descubro que seus cílios são longos. Quando ele coloca as duas mãos em meus seios, descubro que sou feita de paixão e fogo. E Ian é feito de amor e água. Somos dois opostos que de tão parecidos, se completam. Eu gostaria de ir a guerra por Ian Castelli.
Quando ele me deita no grande sofá cama vermelho da sala de cinema, a qual tem vários sofás iguais, eu me permito fechar os olhos e apenas sentir sua respiração. Ele beija meus seios, minha barriga e vai descendo. Ninguém nunca tinha me feito sentir aquele turbilhão todo. Ele faz tudo tão devagar que é como se quisesse guardar cada cena em sua mente, fotografar cada pedacinho de mim com seus grandes olhos de ondas.
- Você é tão incrível... - Ele sussurra.
Eu agarro seus cabelos e o puxo pra mim. Eu quero que ele me beije. Eu quero que sejamos um só, eu quero Ian Castelli, mesmo não sendo apaixonada por ele, mesmo tendo apenas uma minúscula intenção de ser.
- Eu quero você dentro de mim. Agora.
Ele obedece, me beijando enquanto escorrega pra dentro de mim. E naquele momento, eu descobri: Ian Castelli é o mais perto do céu que já estive. Quando tudo em mim é feito pra ser quebrado, ele me conserta. Ian Castelli é uma coletânea de todas as musicas do Blink 182 com uma pitada de Goo Goo Dolls. Ian Castelli é R U Mine do Arctic Monkeys com o fundo sonoro de Look After You de The Fray. Ian Castelli é We Can Try do Between The Trees. Com Ian Castelli, eu posso tentar. Com Ian Castelli, eu posso conseguir. Com Ian Castelli, eu posso me permitir. Ian Castelli poderia ser o brilho eterno da minha mente sem lembranças e eu não reclamaria.

                               ****
Com Lisa Wengrov, eu posso dormir abraçado numa sala de cinema sem me incomodar com seus cabelos batendo no meu rosto ou com sua respiração alta.
Com Lisa Wengrov, eu posso me acordar às três da tarde desesperado. Porque quando eu acorda-lá, sei qual será sua reação.
- O quão caralhos nós dois somos irresponsáveis? Ian, são três da tarde, larga essa merda de almofada, os empregados arrumam isso, vá tomar seu banho, tem a porra de um banheiro ali dentro, caralho, Ian, nos vamos perder esse voo, é uma hora daqui até o aeroporto! Meu Deus, eu preciso de um banho! Puta que me pariu, se juntar nós dois não dá um!
Lisa saiu da sala me fazendo desejar a morte. Que tipo de pessoa, em sã consciência, acorda gritando? Santo Cristo, ela me enlouquecia.
Quinze minutos depois, estou parado em frente a grande sala de cinema da grande mansão Wengrov, observando o movimento daquela casa.
Empregados passam de um lado pro outro, todos ocupados demais pra sequer notarem minha presença, mas uma senhorinha chamou minha atenção para ela quando parou na minha frente:
- Meu nome é Marice, você parece estar com fome.
- Estou sim, mas eu e Lisa vamos sair daqui a pouco e...
- Venha, vou te preparar um sanduíche rápido, dona Lisa nem vai perceber sua ausência.
Sentei num banco em frente ao balcão de mármore da imensa cozinha decorada em tons de branco e cinza enquanto assistia Marice colocar ovo mexido e mortadela frita em um pão francês. Eu nunca tinha comido aquilo, mas parecia ser bom.
- Veja se gosta. - Ela empurrou o prato em minha direção, ao lado de um copo com um líquido amarelo.
Dei a primeira mordida e agradeci a Deus por Marice existir. Aquilo estava maravilhoso. Dei um sorriso e Marice entendeu o recado.
- Espero que tenha feito um para mim, Marice - Lisa entrou na cozinha, dando um beijo na cabeça da empregada - estou morta de fome, mas não podemos nos atrasar.
- Sim, senhorita. -  Marice entregou a Lisa um copo térmico e um pote com dois pães iguais aos meus.
- O senhor já terminou de comer ou podemos ir? - Lisa brincou.
- Eu acabei de começar.
- Come essa merda no carro, e pelo prazer do seu estômago, traga esse suco de abacaxi com hortelã que Marice te fez. Isso é dos deuses.
Obedecendo, coloquei a mochila nas costas e segurei o pão com uma mão e o copo com a outra. Eu não podia nem comer em paz com essa garota em minha vida.
No carro, vi Lisa dançar e cantar o repertório inteiro de uma banda antiga que eu conhecia, mas não conseguia me lembrar o nome. Foi uma terrível hora, já que Lisa não era boa em improvisar dança de musicas antigas e eu precisei assistir aquela cena toda.
- Posso lhe trazer algo, Srta. Wengrov?
- Não, Patricia, obrigada.
Mas é claro que Lisa conhece a aeromoça. Ela é dona da porra do avião.
Menos de uma hora depois, pousamos em São Paulo. Ah, minha cidade cinza...como eu não estava com saudade de você.

LISA Where stories live. Discover now