Capítulo 45: Monstruoso

1 0 0
                                    

- Me perdoe, por te lá obrigado a vir até aqui - começou Alan em tom de desculpas, quando as portas de vídeo se abriram, e Lavigne entrou em seu escritório - Eu teria respondido sua carta indo até Aliança com prazer, mas não acho que teria sido uma resposta completa... - ele deu de ombros por fim.
Era uma sala ao mínimo organizada. Não havia muitas coisas. Uma mesa de centro, com papéis e embalagens de comida, e alguns aparelhos eletrônicos no canto entre eles um vídeo game, Lavigne reconheceu. As luzes do amanhecer invadiam a sala, através das janelas de vidro. Mais ao longe, Lavigne conseguiu avistar a estátua de Nova York, ou o que sobrou dela, aos pedaços. Não muito da cidade sobrou para contar história. Não muito sobrou do mundo para que os Lideres sequer governassem, mas aqui estavam eles prestes a entrar em guerra outra vez, por causas maiores. Sempre por causas maiores.
Alan percebeu que Lavigne tinha os olhos fixos atrás dele, e tratou de comentar:
- Eu pretendo restaurar essa cidade um dia - confessou ele - Devolver a Nova York toda a sua glória. Reconstruir a estátua.
- Mas não irá devolve lá aos mortais, irá? -  provocou Lavigne de maneira discreta
Alan sorriu.
- Por que eu faria isso?
Lavigne forçou um sorriso.
- Por nada - Se aproximou e tomou suas mãos - Agradeço por terem ao menos respondido minha carta. Eu realmente não sabia o que fazer.
- Ninguém é tão independente, para não precisar de nada ou de ninguém as vezes  - Alan lembrou, soltando se - Como eu disse, eu teria ido vocês e visto seu jovem doente pessoalmente mas... acho que sei ao menos no que ele está se transformando. Por que tenho um grande exemplo guardado aqui mesmo nesse prédio.
- Transformando? - a mente de Lavigne se prendeu aquela palavra
O rosto de Alan ficou sério.
- É uma espécie de transformação. Os principais sintomas são raiva em níveis quase selvagens, reclusão... Um comportamento quase como animal. - ele ponderou - Tenho três jovens Licantropes que apresentaram os sintomas e se... transformaram no que eu passei a chamar de Renegados.
- E no que eles se transformam? - Perguntou Lavigne sem rodeios
Alan crispou os lábios e direcionou seus olhos cor de areia para o chão, como se fosse difícil explicar.
- Será mais simples se você ver por si mesma - Concluiu - Mas é preciso ter estômago forte.
Um arrepio percorreu o corpo de Lavigne, mas sua expressão não se alterou.
- Me mostre.
Alan apenas assentiu e passou por ela, fazendo um pequeno gesto para que o seguisse. Eles abandonaram o escritório e passaram por diversos corredores.
Salas e mais salas, ocupadas inteiramente por homens, que se divertiam, com jogos eletrônicos, jogos de mesa e bebidas. Lavigne pensou ter visto algumas garotas entre eles, e certamente não eram garotas Licantropes já que a Licantropia não se manifestava no corpo feminino. Se uma mulher fosse mordida ela apenas morreria. Então deveriam ser garotas humanas?
Lavigne expulsou o pensamento de sua mente. Os Lideres receberam olhares inquisidores por quem não estava totalmente intretido. Muitos reconheceram Lavigne de batalhas antigas, acenaram em respeito. Lavigne apenas os fitou. Passaram por salas de armas, um arsenal. Lavigne pensou que a única arma dos Licantropes fossem as presas mas de relance ela viu adagas e espadas, e homens intrépidos em acerta las em alvos.
Eles desceram um lance de escadas, onde pareceram entrar em uma ala médica. O cheiro não era muito agradável, algo como uma mistura de ervas.
- Esse cheiro é o de algumas ervas que tem toxinas medicinais para Licantropes. Toda a ala médica tem cheiro disso, sem excessos - Alan olhou de relance para Lavigne com um sorriso mínimo - Você se acostuma com o tempo - ele deu de ombros
Não havia muitos na ala médica. A sala era em maior parte coberta por divisórias, e pequenas janelas pelas quais o sol podia entrar. Deveria ser um espaço reconfortante. Os dois atravessaram essa ala até alçaram uma porta pressurizada. Alan digitou uma sequência de códigos e a porta se destrancou. O Líder fez uma pequena mensura para que Lavigne entrasse primeiro.
A última vez que alguém tentara colocar Lavigne dentro de um lugar com porta pressurizada, ela tinha entrado em um confronto poderoso, saindo dela com um corpo de uma ancestral maligna. Engolindo a lembrança, ela entrou no que parecia ser um corredor, como o da câmara de Valentina, que era coberta de sangue...
- Você está bem, Lavigne? - Perguntou uma voz atrás de si que a fez pular, sufocando um grito
Ela não percebeu que havia parado de andar e que estava tremendo levemente.
Alan percebeu que havia algo errado e colocou as costas da mão em sua testa, enxugando suor que brotava ali.
- Você está nervosa - ele concluiu encarando a - Quase assustada. Posso sentir o cheiro.
Lavigne engoliu em seco e ajeitou suas vestes se afastando dele.
- Eu estou bem. Só... esse lugar me trouxe uma lembrança ruim só isso - Ela se recompôs - Me mostre o que ia mostrar - Ela ordenou
Alan a encarou por mais um segundo.
- Se tem certeza.... - É tomou a frente guiando a pela câmara até seu final. Havia três pequenas janelas de vidro sobre os compartimentos de algo que parecia a Lavigne titânio. Sua mente imediatamente indagou o por que havia um material tão pesado entre eles e o que havia naquela janela. Alan apenas a encarou e acenou, dando antes uma batidinha na janela.
- Olhe pelo vidro.
E Lavigne obedeceu. E o que viu jamais sairá da sua mente.
Um animal. Esse é o primeiro pensamento da Lider quando vê a figura deitada no chão palido da câmara. É magro e de porte médio, de cor quase laranja pêssego. Lavigne pode ver os ossos de suas costelas quando ele respira em seu sono.
- É humano - as palavras saíram por entre a boca de Lavigne como um suspiro. Então a criatura despertou e ela desejou profundamente que não tivesse o feito. A criatura girou numa velocidade absurda em direção a porta e sua visão frontal fez Lavigne prender a respiração. Não era humano. Era um monstro. Esquelético e palido, não havia vestígios de humanidade ali. Apesar dos tufos de cabelo na cabeça, os olhos transbordaram loucura, piscando seu parar, os dedos das mãos curvados em garras, e principalmente a boca, os dentes grandes arreganhados, saliva vermelha escorrendo por eles, a pele enrugada e seus expressão. Ele ficou em silencio por um segundo. Então quando pulou absurdamente longe em direção a janela, Lavigne gritou e tropeçou para trás, caindo, quando Alan a segurou em seus braços. Agora a Lider tremia e não escondia isso.
- O que é aquilo? - Perguntou a Lider em respirações curtas. O monstro agora fazia um barulho inumano, sons de selvageria e de pura raiva, enquanto lutava inutilmente contra o vidro.
- Aquilo é um Renegado - explicou Alan com Lavigne ainda em seus braços - Antes o nome dele era Julian. Ele era um garoto normal até apresentar os sintomas a algumas semanas. Então ele mudou e eu o coloquei aí. Pensei que isso só estivesse acontecendo entre os meus algumas espécie de vírus, mas agora sei que é mais que isso. Se vocês não podem adoecer e tem um com os sintomas semelhantes, então se trata de alguma coisa que não faz restrições entre espécies e com o poder para se manifestar a todas elas, provavelmente.
- Esse é o estágio mais avançado? - questionou a Lider tentando se recompor - É nisso que o garoto vai se transformar?
- Esse é o estágio mais avançado já apresentado. - Ele tentou desviar os olhos do fim do corredor, mas Lavigne percebeu. Haviam mais duas janelas, após aquela.
A Lider se soltou dos braços de Alan e caminhou até eles aparentando mais confiança do que tinha de verdade. Ao encarar a janela a cena que viu foi a mesma, um monstro semelhante, encarando a porta. Ao redor dele havia sangue e fios dourados que Lavigne identificou como cabelo. O que deveria ser um menino bonito agora era um monstro enrugado e sanguinário. Prendendo a respiração, Lavigne passou para a próxima janela e encontrou um Renegado em uma pose estranha. Ele era semelhantes aos outros, e assim como o anterior havia sangue ao redor dele, mas tinha algo na boca, um osso? Então Lavigne percebeu a falta da protuberância de sua perna. Aquilo era definitivamente um osso, da Perna arrancada pelo própio monstro. Seu osso pairava agora nas próprias presas sendo devorado lentamente, ou o que restou para ser saboreado.
Lavigne se afastou devagar. Fez o caminho inverso caminhando por entre os Renegados que faziam barulhos escandalosos. Lavigne passou por Alan. Seu olhar de condolência foi a última coisa que ela viu antes de desabar em direção ao chão, vomitando o sangue que havia caçado naquela manhã.
Não foi o melhor de seus momentos. Era algo estranho a sensação de vomitar mas não pior do que o que acaba de ver. Ela imaginou aquele jovem sofrendo daquela selvageria. Imaginou a família assistindo o por uma janela de vidro como aquela. Imaginou o pequeno menino tendo como irmão um animal...
Isso a sufocou. Quando não havia mais nada para por para fora, a conciencia de Lavigne retornou e ela teve ciência dos braços da mão de Alan em seu cabelo, segurando a para que não se sujasse, acariciando e confortando a com palavras sem sentido. Lavigne lhe dirigiu um olhar agradecido, quando ele lhe estendeu um lenço vermelho e ela limpou sua boca. Quem em plenos tempos atuais andaria com um lenço no paletó? Pensou ela com sonolência mas não o recusou.
Alan a ajudou a se levantar, e ambos saíram daquela câmara, voltando a ala médica, onde Lavigne imediatamente quis se sentar, e Alan a colocou em uma das camas.
- Eu estou bem, só preciso descansar um pouco. Talvez um pouco de ar - Ela sugeriu aos olhares inquisitivos
- Eu não deveria te lá deixado ver os outros - respondeu Alan lamentando
- Eu tenho todo o direito - Lavigne retrucou controlando a respiração - Mas me sentiria melhor se você dissesse que está trabalhando numa cura para isso.
A cabeça de Alan pendeu.
- Eu tentei - Insistiu ele dando lhe as costas de modo que Lavigne não pode ver seu rosto, apenas escutar o sofrimento de suas palavras - Você acha mesmo que eu os deixaria se transformar nisso, sem ao menos tentar intervir? Um daqueles caras, foi meu melhor amigo, meu melhor soldado, e até mesmo ele sucumbiu a o que quer que seja essa coisa. Eu tentei trabalhar numa cura, tentei trabalhar numa solução, busquei por ajuda pra isso. Mas nem mesmo Selene sabia o que fazer.
Selene. O nome revirou antigas lembranças dentro de Lavigne.
- Não pode confiar no veredicto de Selene - Ela começou mas Alan a interrompeu
- Eu sei que você não confia nela. Mas eu confio. Ela me ajudou. Ofereceu pesquisadores, remédios, antídotos... nada deu certo - Ele prosseguiu - Nem se quer apresentou resultado.
- Então o que eu devo fazer, Alan? - disse Lavigne surpresa com a maneira informal com que se dirigia a ele naquele instante - O que eu devo fazer, quando aquele garoto se transformar naquilo? Devo dizer para a família para sentar e assistir?
- Eu apresento três alternativas - disse ele devagar - A primeira é mante lo em uma câmara como aquela e sentar e assistir. A segunda é liberta lo. Tira lo de Aliança para que possa viver livre da maneira dele. O mundo é muito grande, ele poderia morrer até asfixiado com as Cinzas, mas ao menos a família não sofreria com a idéia que ele está livre. E a última opção é mata lo.
- Como eu vou matar algo... que já está morto? - a voz de Lavigne era cortante como lâmina
Alan não a encarou.
- Você vai pensar em alguma coisa, Lavigne. Você sempre pensa.
Aquilo foi o suficiente. Recuperada, Lavigne apenas agradeceu o conselho e se foi.

O Crepúsculo agradável das fronteiras de Aliança tornou as coisas menos dolorosas. Os pais do garoto esperavam na colina por Lavigne. Sua fênix, Kandelyce fazia o imenso favor de carregar a caixa de titânio, nas costas sem o menor esforço, ao seu lado. Quando se aproximaram, Lavigne viu lágrimas cortando a face da mãe. O pai tentou conforta lá e Lavigne tentou confortar os dois. Ele iria viver livre, foi o que Alan disse. Lavigne perguntou se eles estavam prontos. Se queriam mesmo que fosse assim.
A mãe assentiu com as lagrimas nos olhos. Era a liberdade ou a morte. Lavigne a entendeu. A fênix derrubou a caixa de titânio além da fronteira. A caixa ficou mortalmente parada e quieta então um minimo clique Abriu sua tampa fazendo com que o jovem saísse dali. Seus olhos não eram mais os mesmos, havia certa loucura ali. Suas roupas estavam rasgadas, e suas costas incurvadas, as asas abertas em frangalhos. Porem a transformação ainda não estava completa como a dos outros. Talvez ele ainda tivesse uma chance, Lavigne não se atreveu a dizer em voz alta. A mãe sussurrou seu nome, involuntariamente. O garoto analisou sua posição e se voltou para os pais uma vez. Apenas única vez antes de desaparecer no Crepúsculo vermelho. Enfim, livre.

Anjos de Sangue: Fim dos DiasWhere stories live. Discover now