Capítulo 44: Estilhaços

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- Ele não está morto, apenas inconsciente - Garantiu a doutora Daddario. Através do vidro, e envolto em máquinas e fios, Ciprian estava deitado em uma cama. Quando retornaram a cidade, o primeiro passo dado foi leva lo para a instalação do Dace no centro de Aliança, juntamente com seus irmãos, para serem tratados e medicados.
- Mas já faz quase uma semana - lembrou Atena, impaciente
- Eu diria que ele sofreu grandes traumas - Ponderou a doutora crispando os lábios finos - Todos eles sofreram esses traumas e apesar de estarem despertos, não estão em suas melhores condições. Creio que ele vai acordar quando estiver pronto pra isso - Concluiu por fim.
- Preciso vê lo de perto - A voz de Lavigne não sugeria um pedido e sim uma ordem desesperada
A doutora hesitou, mas assentiu.
- Gostaria de nós acompanhar, senhorita Lavigne? - Questionou na direção de Lavigne, silenciosa até o momento
- Não é preciso, eu estou bem aqui - Disse a Lider de modo mecânico, sem tirar os olhos do corpo de Ciprian, acompanhando o som de cada bip, mentalmente.
Isso a estava enlouquecendo. Aquele ambiente, aquela visão desolada de seus herdeiros e o sentimento de impotência. Subitamente inconformista, a Lider girou nos calcanhares e começou a caminhar de volta ao corredor super iluminado e vazio. Um andar inteiro do Dace, havia sido fechado para os pacientes da família Ryce. Todos estavam ali desde a semana anterior, recebendo tratamento médico, ou ate mesmo apoio psicológico. Os olhos de Lavigne acompanharam as paredes de vidro, uma a uma, e as imagens reveladas por trás delas. Phiorella, abatida e preocupada, sobre o corpo inconsciente de Nicholas, que dormia. Benjamin conversando com Lorely, que tinha olheiras profundas e arroxeadas e lágrimas cortando o rosto. Demetri inclinado sobre a cama onde Florence se debatia após acordar de um pesadelo voraz, tentando acalma lá. Clarke, cabisbaixo ao lado de Axel, que estava conciente, porem, olhando fixamente para o teto, com um visível tique nervoso na mão esquerda. E por fim Aurora, que estava presa a sua cama, com uma corrente, ainda sim insistia em se debater e gritar obscenidades para a terapeuta que tentava cuidar de seus traumas, incentivava a falar de suas torturas. Lavigne concordou que aquele não deveria ser o melhor método, mesmo sem entender algo sobre psicologia. A Lider suspirou profundamente e abriu a porta a porta rapidamente, antes que os gritos de Aurora jorassem para o resto do prédio. a câmara tinha uma temperatura agradável, diferente da que Lavigne possuía nos fundos de sua mansão, destinada a esperar a renascença de anjos de sangue mortos. A terapeuta parecia Exausta, e frustrada fazendo anotações em uma placa de vidro. Lavigne sinalizou para que ela saísse, e para que Aurora parasse de tentar se livrar da corrente que a prendia. Ambas obedeceram. Assim que a jovem terapeuta se foi, agradecida, Lavigne ocupou o lugar dela, ao lado da cama de Aurora.
A menina parecia frágil como vidro, palida e magra, apesar de todos estarem tentando fazer com que ela comesse. Olheiras mancharam seu rosto esbranquiçado. Seu cabelo loiro, perdera a cor e o brilho, e seus olhos encaravam o teto com tamanha raiva, que Lavigne se surpreendeu por ele não derreter. Era uma pena que ela não acreditasse em fantasmas Vingadores por que Aurora podia em muito se parecer com um.
- Nos já não havíamos conversado sobre isso? - lembrou Lavigne ao encarar o pulso esquerdo de Aurora, ferido onde era preso a corrente - Você vai acabar se machucando se continuar insistindo em sair.
- Eu não ligo se estou me machucando ou não - irrompeu Aurora ainda furiosa - Se não sinto dor, então não vou parar. Da mesma forma que aquela terapeuta ridícula não vai parar de vir aqui tentar fazer... Como é mesmo que ela disse? Reviver os fantasmas que tanto me atormentam. Uuuu.
- Isso é para... - Lavigne começou
- Não diga que é para o meu bem! - gritou Aurora apertando os olhos - Parem de dizer que tudo é para o meu bem! Parem, apenas parem!
Lavigne engoliu em seco.
- Ele está melhorando, sabia? - Anunciou vagarosamente
Um brilho de humanidade atravessou os olhos de Aurora, ao ouvir essas palavras. Seus músculos relaxaram, não de alívio mas sim de derrota.
- Mas ele continua inconsciente - Ela adivinhou - Ele pode nem sequer acordar. Tenho as mesmas chances de enlouquecer, quanto ele tem de ficar nesse estado pra sempre.
- Aurora, isso não é verdade - repreendeu Lavigne - ele irá acordar. Sei que irá, assim como sei que você ficará melhor, querida, se der ouvidos ao que aquela moça diz. Não custa nada dar uma chance - Ela estendeu a mão para Aurora - Alguma vez eu já menti para você, querida?
Aurora fechou os olhos, sentindo a mão de Lavigne contra a sua. De todas as pessoas que ela conhecia, de todos da sua família, Lavigne era sem dúvida a confidente de Aurora nos últimos dias, alguém com quem podia contar. Lavigne não mentiria. Isso não era ela.
- Eu ainda acho ridículo - confessou Aurora, a voz embargada de emoção - Não quero reviver, nada. Não quero encontrar fantasmas. Tudo o que eu quero - começou Aurora, apertando a mão de Lavigne involuntariamente - É que Valentina pague - Concluiu, por fim, com sua fúria cega direcionada a pessoa certa. Valentina.
O ódio na expressão de Aurora atingiu Lavigne. Tão jovem e tao amargurada. Não era à melhor das idéias confessar aquilo a alguém com distúrbios e cercada de fantasmas, mas talvez isso a tranquilizador.
- E se eu garantir a você, que o corpo de Meredith, que eu trouxe de volta, talvez garanta sua vingança? - começou Lavigne descompromissada
Aurora olhou diretamente para ela, pela primeira vez desde que entraram.
- Como pretende fazer isso? - rebateu interessada
- Ainda não tenho certeza. Mas tenho algo que Valentina quer. Algo que por precaução ainda não irei destruir e sim, preservar, ao menos por enquanto - admitiu a Lider em tom baixo, ciente de que poderia estar sendo observada - Valentina pode ter morrido no último ataque, mas eu não me surpreenderia se o contrário acontecesse. Mas isso não é assunto para você, Aurora. Precisa descansar e confiar nas pessoas ao redor. Ninguém, por entre as barreiras dessa cidade é inimigo. Eu apenas peço que você tente acatar ao que lhe pedem pra fazer. Você vai ficar boa, assim como Ciprian irá - Concluiu Lavigne, direcionando um olhar carinhoso para Aurora que a retribuiu mesmo que por um momento.
- Esta bem. Eu vou tentar. Por você, tia Lavigne.
Uma batida no vidro temperado fez as duas saltarem. Lorenzo estava do outro lado do vidro, envolto em sua capa, e segurando outra em seu braço. Lavigne soube o que sua presença significava. Ele sorriu para Aurora e acenou suavemente. Aurora retribuiu o aceno, com menos empolgação.
- Você promete, minha querida? Promete que vai ouvir e confiar nas pessoas ao seu redor? - questionou a Lider uma ultima vez na direção de Aurora.
A jovem olhou para a Lider.
- Prometo.
Lavigne curvou se sobre a cama da afilhada para plantar um delicado Beijo em sua testa.
- Descanse, agora.
Aurora obedeceu, fechando os olhos, como uma anjo palida.
Lavigne se levantou e não sem antes acenar para a afilhada. Lorenzo ao seu lado falou, quando não estavam mais a vista de Aurora.
- A menina está um caco não está? - seus olhos ficaram pesaroso em solidariedade
- Estão tentando de tudo para que ela melhore - admitiu Lavigne, caminhando a seu lado, atravessando o corredor até um elevador - O único momento em que ela tem um pouco de paz, é quando converso com ela.
O rosto de Lorenzo era sombrio quando ele apertou a comanda do elevador.
- Será que ela algum dia vai voltar a ser a mesma de antes?
Essa pergunta também martelava na mente de Lavigne. Mas ela não podia se dar ao luxo de perder a esperança.
- Ela vai ficar bem - Disse Lavigne mais para si mesma do que para Lorenzo - Ela vai ficar, eu acredito nisso.
Lorenzo não respondeu nada até chegarem até ao térreo e as portas se abrirem revelando um mar de pessoas agitadas, que transitavam pelo saguão. Pesquisadores, doutores, assistentes, Especiais e alguns anjos de sangue, despertos e apressados mesmo no que deveria ser madrugada. O Dace nunca parava.
Alguns olhares se deteram em Lavigne enquanto ela atravessava a multidão ao lado de Lorenzo. Alguns se deram ao trabalho de cumprimenta lá, com acenos, rápidas mensuras ou palavras respeitosas. Lavigne esboçou um sorriso leve para todos, até chegarem a porta de entrada. Lorenzo deslizou a capa de veludo nos ombros de Lavigne, que prendeu o feixo na frente de sua garganta. A capa era quente e tinha um capuz, necessário se iriam enfrentar o ar gélido do início de inverno.
- Você se lembra da localização? - confirmou Lorenzo olhando dentro de seus olhos
- Sul de Aliança, um pequeno chalé isolado da cidade. Não pode haver muitos chalés por aqui, pode?
Lorenzo apenas revirou os olhos.
- Você se surpreenderia - e então depositou um beijo rápido em seus labios
- Vou estar acompanhado você com magia. Se você não aparecer em 5 minutos, vou notificar os soldados - Alertou
- Cinco minutos para atravessar a cidade me parece um prazo muito curto para minhas asas não tão longas - lembrou Lavigne com um mínimo sorriso
- Então terá que ser como aquele velho ditado: Se vira.
Lorenzo se despediu com um aceno antes de se desintegrar no ar. Sozinha, Lavigne suspirou, sentindo o vento gelado cortando seu rosto. Suas asas se desenrolaram de suas costas como por vontade propia, e num minuto, ela foi sugada para o ar, em direção ao céu, como um anjo redimido.

Anjos de Sangue: Fim dos DiasWhere stories live. Discover now