Capítulo 27: Em Busca

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- Vocês querem saber o que eu penso sobre isso? - Phiorella começa, certa vez, ao anoitecer, enquanto carrega nos braços uma grande porção de gravetos secos e cinzentos.
- Não - Responde Benjamin atrás dela, carregando o dobro do monte da irmã. Quando alcançam os limites da floresta queimada pela guerra, Atena está a ponto, torcendo os galhos espinhosos para que ambos atravessem sem se machucar.
- Eu imagino que esteja mais do que na hora de encontrarmos um lugar descente pra viver - Phiorella diz mesmo assim, se juntando aos irmãos, na pequena clareira, e seu lar nos últimos 15 dias. Esse era o tempo passado, desde a fuga dos Anjos de Sangue, da suposta hospitalidade de Selene. Desde então, eles voaram para o mais longe que conseguiram dali, até se instalarem na beira do que antes era uma floresta, agora queimada, um vestígio do que sobrou da guerra. O chão sobre eles era estéril coberto de poeira e restos de galhos mortos. Um lugar aparentemente horrivel mas que tinha suas vantagens, como, ser o lugar mais improvável para anjos de sangue se esconderam, onde havia mais chances de eles não serem encontrados.
E não que não fosse interessante, ter a paz de dormir sobre as estrelas, a fogueira e tudo mais. Phiorella estava lidando com a vida nomade da maneira que podia, até então, mas após ver Selene, e seus Anjos Selvagens, ela acabara por se dar conta de que a invasão de qualquer propiedade mundana e abandonada, seria o menor dos delitos, de acordo com esse novo mundo, sem regras. Ainda com esse pensamento, a menina deposita suas pilha de madeira em um monte a frente de Demetri, que está sentado sobre um tronco de arvore caído, limpando a pele do lince magro e morto em seu colo. Como uma boa defensora dos animais, Phiorella não pode deixar de torcer o nariz para a cena, antes de se sentar no tronco oposto. Atena se junta a ela e também não parece muito contente.
- Como você pretende fazer isso, maninha, já que o mundo virou uma bola de cinzas? - Asquiece ele, tedioso
Phiorella não perde tempo, apresentando sua proposta, ansiosamente.
- Nos poderíamos fazer como Selene fez. Vamos procurar! - Diz ela, com toda obviedade - Se ela encontrou um lugar razoável pra viver, então nós também podemos encontrar. Um lugar protegido, afastado onde jamais nos procurariam. Sem contar, que não é possível que todo o mundo, tenha realmente virado uma bola de cinzas...
- O pior é que eu não estaria tão confiante assim, Phio - Clarke comenta, aproximando-se dos irmãos na clareira.
- Eu estou disposta a procurar... - Disse Atena, após um momento - Selene decerto não pode cuidar se vigiar todas propriedades em estado razoável que devem ter restado...
Era bom conter o apoio sábio e sincero da irmã, mas ainda prevendo sua derrota, e tendo como recompensa mais uma infinidade de tempo naquele lugar isolado, Phiorella recorreu com um suspiro pesado.
- Lavigne, será que você pode ajudar aqui?
Encostada num canto afastado da fogueira, encolhida sob o diário de sua mãe, Lavigne levanta os olhos somete para notar que o sol já estava se pondo, uma linha vermelha no horizonte. Ela passara o dia todo folheando o diário e estava tão confusa, quanto como havia começado, a ponto, das palavras lhe causarem dor de cabeça.
- É claro - Ela assente com cuidado, fechando o livro e pousando-o na segurança de Kandelyce, próxima a ela. Recompensando a lealdade da fênix com uma carícia, a Líder se põe de pé, e suas articulações agradecem com um coro de pontadas e dores, pela enfim movimentação. Ao lado dos irmãos, suas mãos são ágeis e começam a trabalhar pra acender a pilha de madeira, junto de Clarke, com filetes de rocha nas mãos e a sede incessante de enfim produzir uma mínima faísca.
- Você ouviu o que Phiorella disse sobre sairmos daqui? - Demetri pergunta, ainda esfolando o lince caçado, muito longe dali.
- Acho que ouvi algo - Ela responde vagamente - Você quer sair daqui, não é?
- Mas é claro! - sua irmã responde exasperada - Nós estamos vivendo assim há 15 dias inteiros! Deveríamos ao menos ter roubado um isqueiro, da casa de Selene, se soubessemos que iamos ter que lutar pra ascender fogueiras de galhos mortos todos os dias!
Lavigne suspira com o tom exasperado da irmã, mas sabe que Phiorella está certa e isso não se integra em seus caprichos. É realmente hora de sair dali.
- Sem contar que... - Phiorella continua, em tom baixo - Eu não queria admitir, mas esse lugar me dá arrepios. Uma floresta em ruínas...? Nós podemos conseguir algo melhor do que isso, utilizando nossas habilidades.
- Você não está errada, irmã - Lavigne assente, prestes a conseguir uma fagulha - Todos de acordo em procurar um novo lugar amanhã?
Atena assente, aliviada. Por um momento os irmãos se encaram em silencio.
- Bem, contanto que eu não tenha que fazer mais fogueiras a partir de árvores mortas... - Clarke diz, no exato momento em que consegue provocar uma pequena chama, após o atrito constante. Ele usa o graveto para incendiar os demais da fogueira.
- Está bem, então - Lavigne assente, prestes a se sentar levantar novamente, quando uma pontada de dor a atinge na cabeça, com a mesma velocidade de uma pedra pontiaguda fincando se em seu cérebro. Seu corpo acaba escorregando de volta para o tronco, e suas mãos voam para têmporas, na tentativa de conter a dor súbita. De repente, todos avançam para ela ao mesmo tempo, falando alto demais, obrigando - a manter os olhos apertados.
- Lavigne!
- Lavigne? Ei!
Após um segundo, ela percebe que é Clarke quem está segurando-a em seus braços mantendo - a ereta.
- Ei, irmãzinha - Diz ele em um tom baixo e muito preocupado - Você está bem?
As palavras gentis e tranquilas do irmão, Lavigne pisca os olhos devagar, com a mente muito clara novamente.
- Sim, tudo bem.
- Sem mentiras, Lavigne - Insiste Atena, teimosamente - Você pode ser a nossa Lider, mas isso não te dá o direito de ocultar coisas, principalmente dos seus irmãos.
- Você precisa de água? Ou está com fome? Ela está palida como papel, coitadinha. - Phiorella observa, com uma ponta de arrependimento, ao prestar atenção apenas nas próprias insatisfações.
- Eu estou bem, de verdade - Lavigne insiste, para Atena e Phiorella, soltando se do apoio de Clarke que até então tinha uma mão em suas costas - Não preciso de nada, foi apenas um momento de cansaço. Uma dor de cabeça passageira.
- Não estou surpreso com isso. Você passou a tarde inteira com os olhos do Diário dela, não é mesmo? - Pergunta Benjamin, ao lado de Demetri, escondendo qualquer tom acusatório
Lavigne não precisou responder, desviando se do assunto.
- Eu não consegui interpretar muitas das coisas no diário. Trechos ou frases aleatórias escritas até em outros idiomas, alguns dos quais nem mesmo eu tenho conhecimento... Porém, também encontrei trechos sobre sobre nós. Somos quase tão presentes no diário quanto uma outra menina ou mulher, não tenho certeza - Lavigne balança a cabeça suavemente lembrando se dos detalhes de suas horas de leitura - Seu primeiro nome é Katerine, e eu não a reconheço de lugar algum. Ainda sim, há muitas informações sobre ela, informações que só alguém que a teria conhecido, talvez soubesse responder. Uma grande parte do Diário fala dela.
- Katerine... - Atena repete, saboreando o nome - Seria possivel que mamãe a tenha conhecido antes?
- Eu não saberia dizer - Lavigne admitiu - As descrições são muito minuciosas, como se mamãe a tivesse conhecido antes, mas nunca a mencionado. Ela me parece ser mais importante no futuro, do que do passado - Lavigne diz, sentindo sua mente mergulhar num poço profundo de escuridão. Obrigando se a respirar fundo e a se acalmar, continua - Também encontrei informações sobre a Dimensão criada por nossa mãe...
Por essa ninguém estava esperando.
- Então ela é mesmo real? - Questiona Benjamin, em choque, como se duvidasse disso até então
- Muito real - As atenções de todos os anjos se voltam para sua Líder, e ela acaba engolindo em seco antes de continuar - No Diário, Iris explica em detalhes como construiu a Dimensão, e principalmente... Como antes de tudo, ela sonhou com isso.
- Isso significa que Selene podia estar falando a verdade, quando nos disse sobre aquelas Artes, tentando se infiltrar nos sonhos dos Anjos... - Benjamin reflete
- Ela estava falando a verdade - Atena responde veemente, e como uma especialista em encontrar a verdade, todos acreditavam nela  - A expressão em seu rosto... Somente uma pessoa com vivência naquela situação, carregaria uma expressão como a dela, enquanto nos falava sobre o aconteceu...
- Não é apenas isso - Lavigne prossegue - Iris deixou registrado a  utilização de sangue, para a criação da Dimensão, sangue de cada uma das espécies das sombras, incluindo o nosso sangue, misturado a essência de fenix.
O impulso é inevitável. Todos olham para a fênix, atrás deles, com o rosto escondido atrás das penas, como se estivesse envergonhada, o diario aos seus pés.
- Kandelyce? - Clarke diz em voz alta e então se volta novamente para Lavigne - Ela teve participação nisso?
- E o que isso quer dizer? - Demetri corta - Sobre nosso sangue ser utilizado também? Porque esse não seria um lugar para onde as pessoas vão quando morrem e nós não podemos morrer. Tipo, nunca.
Nesse momento, a expressão de Lavigne se fecha, e ela tenta continuar com naturalidade, esperando não ter demonstrado alteração. Suas mãos voam imediatamente para o camafeu em seu pescoço, sobre as vestes negras, agora transformadas em um vestido com decote V por Atena, de modo que seu precioso camafeu fica tão exposto.
- Ela explica que o lugar se trata de uma espécie de paraíso para os seres das sombras, que seria aberta com a morte de Alexander ou de Iris. Antes disso, todo e qualquer ser das sombras, não tinha lugar no céu, então eram mandados diretamente para o inferno. Mas o que... - Lavigne parece distante - O que ela foi capaz de criar... mudou tudo. Toda concepção de Céu e Inferno. Ela criou um lugar de justiça, usando o sangue de todos os seres das sombras, a construção permite que as essências desses seres, quando morrerem, sejam direcionadas a uma nova dimensão. Não um céu, nem um inferno e sim o equilíbrio entre os dois e isso acontecerá a todo e qualquer ser das sombras, que morrer a partir da morte dos criadores da Dimensão, no caso, a partir de Alexander... - Lavigne continua, contendo um tremor - No diário... nossa mãe chama o local de Jardim de Iris.
O impacto sobre seus irmãos é silencio mas ainda sim forte. Eles ficam sem palavras por um instante.
- Então é isso... - Phiorella sussurra - Nossa mãe, criou uma nova espécie, roubou os Artificios, destruiu o mundo e criou uma terceira dimensão, para acolher essências de seres das sombras... isso é pesado.
- Então eu parei de ler sobre assunto quando vocês me chamaram, o que foi bom, por que isso estava me causando mal estar - A Lider admite, secretamente agradecida por ter alguém com quem compartilhar essas informações que tanto lhe atormentaram o dia todo.
- Então... - Clarke começa inseguro - Alguém tem idéia sobre qual é nosso próximo passo?
- Descobrir a verdade - Benjamin rebate sem hesitar - Iris... fez muitas coisas boas, mas também deve ter feito coisas horríveis... precisamos saber a verdade, tudo o que nossos pais tentaram omitir. Se tínhamos razão em fugir ou se... Os outros líderes tinham razão em nós perseguir...
- Também me parece o certo a fazer - Atena concorda - Isso de alguma forma... é sobrenatural e intrigante demais, para lidamos sozinhos.Por tanto Lavigne, Você não irá mais ler esse Diario sozinha. Cada um de nós pode ler um pouco. Então juntamos o que sabemos, e desse modo as coisas não ficam tão pesadas...
Lavigne não tem chance de responder quando Demetri a interrompe:
- Eu não sei vocês, mas meu próximo passo é devorar esse carne, dormir e então sair daqui o quanto antes - Lavigne mal percebeu o cheiro suculento que prenchia o ar, já que ela mal respirava. Por um instante tudo foi esquecido quando seus irmãos se aproximaram ainda mais da fogueira, famintos. Somente Clarke ainda lhe olhava de modo estranho, quando Lavigne se aproximou também, desejando se encolher até desaparecer.
Conte a eles sobre o camafeu, metade da mente de Lavigne implora, se eles estão em busca da verdade e você possui uma parte dela, é seu dever dividi lá com eles. Eles confiam em você.
Eu não posso, a outra metade da mente da Lider responde com tristeza, não tenho idéia de como eles reagiriam a isso, a existência de um Antidoto. Eu mesma levei vários dias para processar. Talvez demore, até que eu tenha coragem...
Mas voce precisa contar. Algum dia. Na hora certa.
Na hora certa, a outra metade concorda, e então as vozes na cabeça de Lavigne se silenciam pelo resto da noite.

Anjos de Sangue: Fim dos DiasWhere stories live. Discover now