" Vais com essas All Star desgastadas? " Yasmin disse, ao ignorar o que eu tinha dito interiormente.

Irritei-me. " Que eu saiba, um bar não tem regime de vestuário. As pessoas vão como querem. Vivemos livremente, certo? " Terminei, com a raiva à flor da pele.

Acho que ela decidiu-me ignorar e não dar luta. Ou ignorou-me porque estava cansada de insistir ou porque não queria gerar uma confusão tumultuosa. Não tinha concordado com isto, disse para mim mesma quando acabámos de descer os degraus do hotel e passámos pela recepção. Se eu não tivesse concordado com isto ao início, talvez a minha vida tão - assim por dizer - monótona - tivesse ficado tão monótona como era. Mas eu concordei e eu não me arrependo disso. Não sabia, ao sair do hotel o que o futuro me reservava, mas podia dizer que o nervosismo crescia na minha pele enquanto nós três percorríamos as ruas sinuosas e sombrias de Bakersfield. O hotel tinha ficado para trás e eu não gostava muito disso.

Estava com medo; nunca fui muito de sair à noite e parecia que as ruas estavam tão assustadoras como nos filmes de terror, aqueles que eu deteso ver, evito a todo o custo. Mas não as poderia evitar. Cada passo nosso parecia ser mais ensurdecedor que o anterior. Os tacões da Yasmin formavam um barulho estridente pelas ruas vazias e o nosso silêncio agravava-se nos nossos corações. Meti as mãos nos bolsos da sweat e comecei a respirar irregularmente quando vi algumas sombras ao fundo da rua. Já estava a fazer um filme na minha cabeça, onde imagens um pouco impróprias apareciam tão repetidamente como as memórias inevitáveis da minha mente. Engoli em seco.

" Estamos quase a chegar? " Perguntei, com uma voz mais aguda.

" Sim. " Respondeu-me Kelly. " É já alí. " Apontou para o fundo da rua.

Deus. Repetia essa palavra na minha cabeça. Não via nada além da escuridão, mas parecia-me ouvir uns burburinhos incostantes de vez em quando, a espalharem-se pelo ar. Comecei a ver luzes mais à frente, onde a escuridão conseguia desaparecer minimamente. Havia um letreiro onde estava identificado o nome do bar. Blue. Franzi a testa. Que nome estranho para um local onde as paredes eram tão vermelhas como o sangue que fluía nas minhas veias. Vi que tínhamos chegado ao nosso destino; adentrámos no bar e foi rápido para eu sentir todas as sensações más deste mundo.

O álcool no ar, o cheiro de fumo a pairar pelos corpos das pessoas, o ruído estridente da música, as pessoas a roçarem-se umas nas outras, o calor dentro deste pequeno sítio e o enjoo que senti depois de tudo isso; parecia realmente um filme, e não a vida real. Fiquei paralizada no tempo a olhar para a algazarra constante que não reparei nas minhas duas amigas a afastarem-se. Segui-as e vi que se dirigiam ao balcão. Sentaram-se numas cadeiras que por alí haviam e vi que a Yasmin não tardou muito para falar com o garçom.

" Boa noite. " Disse-lhe, pausadamente.

Ele estava a limpar alguns copos. Virou-se para ela, subitamente, e sorriu.

" Boa noite, madame. " Disse. " O que deseja? " Perguntou-lhe.

Conseguia ver-se perfeitamente nos olhos e nos gestos da Yasmin que ela estava interessada naquele homem, na casa dos vinte; e ele não era assim tão bonito. Tinha um cabelo perfeitamente arrumado e uns olhos azuis exuberantes. Era musculado e tinha um sorriso muito amigável. Mas não era bonito, não sei; o seu cabelo não era desgrenhado e encaracolado. Os seus olhos tampouco chegavam ao verdejante tumultuoso e muito menos o seu sorriso conseguiria ser tão brilhante como o do rapaz que eu estava a pensar. O seu corpo não era magro. Era demasiado musculado. Suspirei. Os meus pensamentos estavam a consumir-me.

Duas Metades {HS}Where stories live. Discover now