Capítulo 8

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Abri os olhos e encontrei um relógio de ponteiros grudado na parede acima da cabeceira, subi na cama e vasculhei, para minha felicidade o objeto conseguia despertar. O tirei do lugar e o coloquei no chão ao meu lado, notei que ainda me restavam um pouco mais de uma hora de sono, então acionei o relógio e fechei meus olhos.

Antes que o despertador soasse acordei com meu estômago um pouco revirado pelo balanço da embarcação sobre a imensidão azul do mar. Senti que eu estava ficando verde, azul, amarela e tudo estava rodando. Não estava acostumada com isso, mas teria que fazê-lo de qualquer jeito. Me inclinei para ver as horas e faltavam apenas quinze minutos para seis horas, então cancelei o despertador e joguei minhas pernas para fora do colchão. 

Entrei no banheiro anexo, tomei um banho de gato, vesti umas roupas que Stefan havia me dado juntamente com um chapéu que era igual aos de todos ali, arrumei o cabelo e meu peito inchou de orgulho de mim mesma. Ficou perfeito, eu estava mesmo parecendo um rapazote. E um bem bonito, modéstia à parte.

Estava morrendo de fome, mas meu dia começou comigo em um canto no navio, com uma vassoura e uma balde nas mãos, limpando o chão.

- Faça isso bem feito moleque - o homenzarrão careca que encontrei mais cedo gritou e começou a rir com mais um cabeludo que faltava o dente da frente. Torci o nariz com a visão desagradável daqueles homens asquerosos. E assim aconteceu dois dias depois, eu continuava presa em um maldito navio, acordando cedo para dar uma geral no mesmo, comia quando podia e o mesmo para o banho. Eu já estava precisando de um urgentemente.

Mas isso teria que esperar pois um homem de cabelos grisalhos, rechonchudo e um olho de vidro gritou para que descêssemos, apesar que seu pedido, ou ordem, não foi nítido misturado com o barulho que seu papagaio fazia ao mesmo tempo. A ave parecia tentar imitá-lo, mas acabou virando um tenebroso eco.

- Desçam, rápido, rápido - ele ficava repetindo e acenando com a mão como se fosse um guarda de trânsito ou estivesse conversando com um bando de retardados. 

Me coloquei de pé e me misturei com o bando de homens que largavam suas tarefas e iam até o declive de um lado do navio. Quando meus pés tocaram a terra firme, eu queria me jogar de joelhos ou talvez deitar ali de tanta felicidade; meu estômago estava começando a se acostumar, mas ainda saltava uma vez ou outra. Comecei a seguir alguns homens, mas agarraram meu braço me mantendo no lugar.

- Você ficará aqui - o careca mal encarado rosnou - sabe assoviar alto?

Neguei veemente e ele bufou, enfiou a mão no bolso e tirou um pequeno apito.

- Soe isso se avistar alguém suspeito ou a polícia - disse e seguiu todos que já estavam sendo escondidos por algumas casas opulentas. Eu sabia que aquilo não era algo bom, não mesmo. Senti uma mão no meu ombro e pulei.

- Desculpe, não queria assustá-lo - Julian disse, rindo - você parece tenso.

- Imagina - forcei minha voz e limpei a garganta.

- Sei - me olhou com os olhos estreitos, mas logo voltou ao normal - Bem, eu fico por aqui. Foi bom conhecê-lo - ele esticou a mão e eu a balancei, então entendi o que ele disse.

- Espere, vai ficar aqui? Para sempre? - perguntei assustada.

- Se Deus tiver piedade de mim, não. Mas por agora sim.

- E quem vai vigiar o navio? - minha voz ainda continha uma pitada de desespero.

- Meu irmão mais velho, mas fique tranquilo, nos encontraremos logo - ele acenou tocando o chapéu e caminhou para longe. 

Eu queria correr atrás dele e agarrar sua perna como uma criança e pedir para que não me abandonasse, mas seria esquisito. Muito esquisito. Entretanto, eu estava nessa inquietação pois os únicos que eu conseguia conversar era com ele e Stefan; e agora lá ia ele, com seu corpinho bonito e seu carisma, me abandonando para os devoradores de homens. E para piorar, a única visão boa que eu tinha naquele lugar. Eu havia visto uma foto do pai dele e confesso que não apreciei muito, Julian deveria ter sido um acidente ter saído bonito. Já até imaginava seu irmão mais velho, bonito... como o pai. Argh.

Estava ali parada distraída, observando o horizonte tingido de um azul vívido no céu e a imensidão de um tom pouco mais escuro em forma de ondas, gaivotas voavam e gorjeavam sobre as profundas águas, molhavam seus bicos e levantavam voo novamente. Fiquei imaginando o quão maravilhoso seria poder voar, estiquei meus braços e uma brisa leve tocou meu corpo, fechei os olhos e me deixei levar pela imaginação de ser como um pássaro, voando através das nuvens sem direção, deveria ser uma sensação insólita.

Gritos nublaram meus devaneios e quando me virei um bando de homens corriam em minha direção. Arregalei os olhos e corri rumo ao navio, não sabia se estavam atrás de mim, mas eu não deixaria lugar para dúvidas.

- Entrem, entrem - um homem gritava e apontava com uma pistola para a enorme embarcação e quando o primeiro deles colocou o pé sobre a rampa, eu já estava lá dentro escondida em um canto. Stefan me encontrou encolhida atrás de um barril com peixes e soltou uma risada baixa.

- Inveja-me tamanha valentia - murmurou e eu me coloquei de pé, um sorriso insosso em meus lábios.

- Sabe como dizem, antes ser um covarde vivo do que um corajoso morto - dei de ombros e nós dois rimos.

- Nisso você tem razão - ele comentou. 

Quando todos já estavam a postos em seus devidos lugares no navio, subiram a âncora e permitiram que o mesmo flutuassem, perdendo-se no poderoso mar. Eu diria que meu dia tinha muito o que melhorar, pois quando rajadas róseas foram coloridas no céu, eu já tinha limpado as vidraças de algumas cabines, atormentada pelo atroz careca e seu companheiro banguelo, que haviam sismado comigo e não me deixavam quieta e eu acabei sendo jogada em um barril com peixes, o mesmo que me protegeu algumas horas atrás. UM BARRIL COM PEIXES, quanta criatividade. E claro, falta do que fazer.

Ao anoitecer, eu estava fedida e suja da cabeça aos pés. Não obstante, a exaustão ganhou sobre o asseio e quando fechei a porta da cabine na qual estava hospedada, me joguei na cama e adormeci sem dificuldades.

ღ Perigosa AtraçãoWhere stories live. Discover now