Há sempre o amanhã

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O corpo de Mary era fraco, mas o seu coração era extremamente forte.

Ela conseguia manter sua fé inabalável e tão radiante quanto o sol, muito diferente de mim.

Não está sendo fácil. O processo de conversão é muito difícil. Sou um vaso com rachaduras que foi quebrado para ser refeito pelas mãos do oleiro. Existem vezes em que me enfureço, me entristeço, sendo tomado por velhas tentações do passado. 

Irritei-me quando alguém fechou-me no trânsito e quando outra pessoa bateu (talvez sem querer) na traseira do meu carro, amassando-o um pouco. Chateei-me quando um cliente devolveu um de meus arranjos florais porque disse-me que parecia que foi feito para um velório, e não para um casamento. Fiquei zangado quando alguém furou a fila do banco assim que fui sacar dinheiro, passando em minha frente, tomando a minha vez. Quase perdi a cabeça na minha prova de admissão (sim, eu acabei fazendo um exame para a universidade no mês de novembro), pois a tinta da caneta falhava em escrever no papel, e em minha mente rondava os piores insultos. 

No fim do dia, após tantos descuidos, peço perdão de todo o coração a Deus. O pastor Carl certa vez me disse que está tudo bem acontecer esses deslizes, pois eles jamais serão a minha queda. Fico feliz por saber que existe um homem tão bom torcendo pela minha jornada na fé.

Foram dias impossíveis. Dias rotineiros. Trabalho, casa, hospital. Repito. Casa, hospital, trabalho. Repito. Hospital, trabalho, casa. As mesmas probabilidades. Sinto-me como um hamster a girar em uma roda de exercícios. Estou em cacos, tão fatigado que monto o meu arranjo floral quase a cochilar. Bocejo várias vezes.

— Você não deve ficar "ocioso", Ouriço.

É a voz da minha colega de trabalho dirigindo-se a mim. Jane Jameson havia aprendido a palavra "ocioso" no American Heritage Dictionary, e desde então usava-a para quase tudo quando estávamos a trabalhar na Flower&Art. Engraçado ela falar sobre ociosidade, já que era ela quem ficava a maior parte do tempo sem fazer quase nada na loja. Não que eu me importasse. Quanto mais trabalho para mim, mais eu ocupava a minha mente.

Jane está sentada no chão da loja, com o caderno repousado nas pernas, a rabiscar com o lápis e sempre a passar borracha em seguida. Resmunga muito por causa das difíceis equações. Faz algum tempo que ela não usa mais maquiagem em seu rosto, e sua pele transpira naturalidade.

No rádio que a Sra. Florence deixou na loja, está tocando Fly Me To The Moon do cantor Frank Sinatra. Os tênis de Jane balançam de acordo com a música. Após, Eleanor Rigby dos Beatles toca, e ela até ousa alcançar algumas notas difíceis para a sua extensão vocal, principalmente na parte do Ah, look at all the lonely people. Em seguida, o rádio toca Put Your Head On My Shoulder de Paul Anka. E, por mais assombroso que pareça, Jane também sabe a letra dessa música. Depois, arrisca cantar Dancing Queen do grupo ABBA. A garota é uma jukebox viva!

— Pensei que você gostasse de músicas mais pesadas, Bruxinha! Bandas tipo AC/DC, Guns N' Roses, Metallica, Iron Maiden, Black Sabbath...

— Só por causa do meu estilo? — Jane olha para baixo, visualizando a sua camisa com a estampa do grupo KISS. — A guitarra elétrica e a bateria presentes na música me dão dores de cabeça. Adoro muito mais as músicas clássicas. Acalmam a minha mente.

Vejo-a irritar-se outra vez com seu cálculo, apagando-o, e começando tudo outra vez.

— Problemas com Álgebra?

— Detesto Álgebra. Preciso encontrar o valor de X, acontece que eu nunca usarei X em minha vida. A matemática era perfeita, até algum engraçadinho decidir misturar números e letras. Eu sei a tabuada de multiplicação de cor, mas isso aqui já é demais para mim!

Nós, em uma casca de noz!Where stories live. Discover now