A milagrosa lista dos desejos

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Meu versículo favorito da Bíblia, com toda certeza, será sempre o Salmo cento e trinta e nove, precisamente o verso catorze. Ali diz que Deus nos criou de forma especial e admirável. Sempre que o leio, louvo a Deus por ter-me feito do jeito que sou.

"Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Disso tenho plena certeza."

Fazem exatamente trinta e seis horas que estou no hospital. Nesse meio período, fui espetada por seringas uma dezena de vezes e medicada com riluzol¹⁹ e baclofeno²⁰. Provei uma sopa rala feita de aipo e só pus tudo para dentro porque minha tia persistiu que eu comesse alguma coisa, pois ela teme de todo o coração que eu necessite fazer uma gastrostomia²¹. Se eu comentar com ela sobre a minha dificuldade em engolir as coisas, com certeza, ela ficará ainda mais temerosa.

Caramelos e gelatinas estão riscados para sempre do meu cardápio. Uma pena, eu gostava tanto de gelatina.

Uma ficha em uma prancheta me é entregue por uma das enfermeiras que entram e saem do quarto, e com calma, respondo as questões que posso. 

Primeiro, obviamente, escrevo o meu nome: Mary Ann Marshall. Em seguida, pede os nomes dos meus pais. Eles se chamavam Bernard e Harriet Marshall (o nome de solteira da mamãe era Owens). Deixo a área em branco e passo para a próxima pergunta. Escrevo meu endereço; número de telefone; data de nascimento (primeiro de outubro de mil novecentos e sessenta e seis); pede também a minha altura (tenho um metro e cinquenta e oito centímetros de altura desde os meus quinze anos e não espichei nenhum pouquinho desde então); e o meu peso (quarenta e um quilos). Estou abaixo do peso e minha antiga nutricionista já havia me alertado sobre isso.

Assim que tento escrever sobre minhas hospitalizações anteriores, lista de medicamentos ou histórico familiar de doenças, minha mão direita falha, perdendo a força e o controle, e a caneta escorrega pela folha, criando uma linha turva e contínua em azul escuro. Céus! Eu risquei metade da folha, tal como uma criança pequena quando está diante de caneta e papel e faz travessuras. Concordo em afastar a prancheta com a ficha para longe de mim, e coloco-a aos pés do meu leito.

Eu deveria ficar desesperada como qualquer outra pessoa, por mal mexer as minhas pernas e estar com espasmos nos músculos do meu corpo. Revoltar-me e dizer milhares de bobagens e xingamentos. Chorar até meus olhos ficarem vermelhos e faltar-me o fôlego. Mas acontece que tudo isto eu já fiz, quando adoeci pela primeira vez. Tento colocar em minha cabeça, que se eu não aparentar estar desesperada, minha tia e o meu tio também não ficarão aflitos. Não quero preocupá-los. Me odiaria do fundo do coração se a visse prantear outra vez, clamando a Deus em uma voz estrangulada por minha cura milagrosa, ou se olhasse o meu tio pedindo à Igreja para fazer orações por mim. O que tiver de ser, será. 

Eu posso suportar esse fardo, mas não suporto ver aqueles que amo, sofrendo.

Tia Ellie adentra o quarto, e flagra-me em meu pequeno momento de reflexão.

— Tudo dará certo. — sussurro.

— O que disse, querida Mary? 

— Nada, tia Ellie, nada.

— Já terminou a ficha? — apanha a prancheta ao pé do leito.

— Acho que fiz bobagem no final. Desculpa. 

— Não precisa se culpar — ela trouxe uma bolsa de crochê, e tira dela, um pente e uma Bíblia pequenina. Muito solicita, penteia o meu cabelo embaraçado, resultado de ter ficado tanto tempo deitada. — Lara e Jake ficaram preocupados com você, Mary. Parece que alguém da Igreja viu a ambulância parada na porta de nossa casa e ligou os pontos. Não demorou muito para toda a vizinhança ficar sabendo. Oh, Deus, e já basta sermos motivos de risos por causa de todo o vandalismo que sofremos? — diz, terminando de amarrar meus cabelos em um vistoso rabo de cavalo.

Nós, em uma casca de noz!Onde as histórias ganham vida. Descobre agora