Lembranças guardadas em uma garrafa de Coca-Cola

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Dia da colação de grau. 

Defronte para o espelho que cobre metade da porta do meu guarda-roupa, contemplo o que vejo no reflexo. Um garoto de beca azulada com mangas compridas e largas, além do capelo, também azul, com o típico tassel em cor amarela. 

Meu sorriso está de orelha a orelha. Nunca tive fé o suficiente em mim mesmo, de que eu poderia, um dia, terminar o Ensino Médio. E, cá estou eu. Minha beca está entreaberta, exibindo por debaixo, minha camisa social em azul claro, e minha calça social em cinza escuro. Fiz questão de apenas hoje, usar os sapatos sociais de papai que passei um bom tempo passando graxa neles para deixá-los no ponto. Até passei gel no meu cabelo, mas depois de perceber que dá a impressão de que um boi lambeu o meu cabelo, acabei por despenteá-los com meus dedos, e gostei do resultado. Nem tão bagunçado e nem muito arrumado.

Estou me sentindo o máximo com a minha beca. Depois de um ano escolar tão árduo, repleto de altos e baixos (mais baixos que altos), finalmente, receberei a minha recompensa. 

Ah, queria tanto que mamãe estivesse aqui para testemunhar a minha formatura. Tentei ligar para a nossa casa em Los Angeles, mas ela não atendeu. Acho que não está em casa. Deve ter ganhado mais algum sorteio de viagens para lugares aleatórios. Talvez, eu envie algumas fotos para ela do dia de hoje. 

Lucy fica parada na porta do meu quarto, observando-me. Estou com a maior cara de bobão e ela flagrou-me alucinando na frente do espelho, girando o capelo na ponta do dedo indicador como se fosse uma bola de basquete. Está vestida a rigor para a cerimônia, um vestido lilás com babados em renda branca, além do laço na cabeça, também lilás, sobre os cabelos escuros, que agora já estão passando dos ombros. Calçou meia calça branca e suas sapatilhas estão brilhando do tanto que ela as lustrou. Demorei para perceber que a Lucy está crescendo. O tempo está passando.

Mesmo que o verão esteja se aproximando, Paradise não dá quaisquer sinais de mudança de clima. As velhas nuvens cinzentas estão sobre nós. Mas não hoje, porque estou radiante.

— Você está parecendo um feiticeiro, John.

— John, o feiticeiro... — exclamo, levantando os braços, mexendo os meus dedos de forma estranha, dando ainda mais jus a nomenclatura da Lucy. — Gostei.

Robert e Susan também aparecem na porta do meu quarto, muito admirados, ambos como um sorriso estampado no rosto. Papai veste um terno marrom que nada combina com a sua gravata verde com gravuras de pipas amarelas (escolha da Lucy da qual ele não discordou). Susan está muitíssimo elegante em seu vestido preto de seda e com seu colar e brincos de pérolas. Ambos parecem mais felizes com a minha colação do que eu mesmo.

— Está muito bonito, filho. Lembrou-se de colocar a gravata?

— Nunca aprendi a dar o nó. E não sei onde foi parar a minha gravata de zíper — o que é realmente uma pena, porque aquela gravata salvava a minha vida.

— Não faz mal. Meninas, vão para o carro enquanto ajudo o John com a gravata.

Susan e Lucy fazem o que o Robert disse, enquanto ele ajuda-me a encontrar uma gravata. 

— Só não arranje para mim, nenhuma gravata roxa com coraçõezinhos vermelhos — falo.

— A minha gravata ficou tão ruim assim?

— Combina com você, pai.

— Que bom, porque esse aqui é o meu estilo. Encontre um para você. — Robert diz, risonho.

Robert, então, arranja uma gravata preta para mim. Ela é bem leve e bastante brilhosa. Enquanto dá o nó para mim, Robert começa a recitar.

— Sabe, John, eu terminei o Ensino Médio um pouco tarde. Retomei os estudos durante a noite, enquanto trabalhava de dia. Batalhei muito, também, para terminar a faculdade e encontrar a minha verdadeira vocação. É tão estranho olhar para trás e não nos darmos conta de todas as lutas que passamos, e não as valorizarmos.

Nós, em uma casca de noz!Where stories live. Discover now