Vol. 6

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O comissário não havia disparado sua arma. Eu o conhecia muito bem. Mesmo sentindo um apreço por mim o seu orgulho não permitiria ser negligente com o meu caso. Não descasaria até me capturar. Ele não sabe como se deu o disparo que vitimou o agente Mason, mesmo assim, estou em sua lista de procurados, me tornando aos seus olhos um criminoso como qualquer outro, sujeito às penalidades da lei.

Como explicar que fui forçado ao disparo por um lobisomem e que vampiros povoam a parte antiga de Parallel, sem parecer um louco?

Nunca senti tanto a falta do meu carro. Se o meu Maverick estivesse aqui já teria chegado ao meu destino. Caminhar pelas ruas de uma cidade onde o seu rosto passou a ser procurado por todo o departamento de polícia tornava as coisas bem mais complicadas. A única maneira de cruzar alguns quarteirões com alguma discrição e de forma rápida seria por baixo de Parallel.

O metrô foi uma das primeiras conquistas desta cidade, quando Parallel vivia seus tempos de pujança social e econômica. As linhas subterrâneas cortavam a cidade de uma ponta a outra e na época, foi um marco. Os tempos mudaram e a era de ouro passou, restando a decadência. Quem se importa com o que está abaixo de nós quando o que está a nossa vista não tem o devido cuidado? O que era moderno, se tornou ultrapassado. As linhas continuam abertas e funcionando, mas o metrô não vive os seus melhores momentos.

Desci as escadas até chegar a plataforma da estação. O ar quente proporcionava uma sensação de claustrofobia. Algumas pessoas esperavam o metrô chegar com seus olhares desconfiados e ligeiros. Definitivamente, estar aqui não era mais tão seguro, uma vez que as plataformas serviam de palco para viciados que procuravam alguma privacidade para consumir drogas, além do encontro das gangues de rua de Parallel. Grupos que se uniam para subverter um sistema já corrompido.

Sentei em um dos bancos para tentar me manter invisível de possíveis olhos curiosos.

Depois de um tempo podia-se ouvir a chegada do metrô. As rodas de metal em contato com as linhas liberavam fagulhas, indicando o atrito, necessário para frear o meio de transporte. Adentrei um dos vagões e acompanhei a troca de passageiros. Não demorou muito para que o metrô retomasse o seu trajeto. Bastante antiquado, sua velocidade não era das maiores, pelo menos para os padrões contemporâneos, mas dava para o gasto.

Continuei com a minha estratégia de manter o anonimato, me acomodando no fundo do vagão. Desta forma teria uma visão completa daquele componente do metrô, e me resguardaria de alguma surpresa.

Aquele vagão, em particular, não estava cheio, e observando os seus passageiros, um deles me chamou a atenção. Uma jovem, que aparentava ter dezoito anos, usava fones de ouvidos, mascava chiclete e parecia alheia a tudo a sua volta. Em determinado momento trocamos olhares e recebi um discreto sorriso. Não esperava por aquilo, o que me fez ficar desconcertado. Esta garota tinha bastante coragem, de utilizar o metrô, e ainda mais sozinha.

A composição chacoalhava discretamente, mas nada que pudesse comprometer o ritmo da viagem. Tudo parecia calmo, mas como vivemos em Parallel, os problemas não demorariam para acontecer. Na outra extremidade do vagão, a porta que dava acesso ao carro da frente foi aberta, revelando seis indivíduos suspeitos que invadiram o espaço falando alto e importunando os poucos passageiros que estavam tentando viajar de forma tranquila.

O clima de tensão aumentou quando os acanhados passageiros começaram a deixar o vagão, rumando para os demais carros. Os meliantes riram e zombaram das pessoas. Eles vibravam de forma exagerada, assustando ainda mais as pessoas. Permaneci onde estava assim como a jovem, que parecia não dar a mínima para todo aquele movimento.

A composição parou na estação seguinte. As poucas pessoas que fizeram menção em utilizar o vagão foram repelidas aos gritos. Isso gerou gargalhadas histéricas dos delinquentes.

O metrô havia retomado seu itinerário quando os vândalos perceberam nossa presença. Não perderam tempo e cercaram a jovem, que neste momento tirou os fones de ouvido para, enfim, perceber o que estava acontecendo. Contrariando a minha expectativa, ela sorriu para os vândalos. Acho que nem eles esperavam essa reação. A jovem mantinha uma calma e desenvoltura incomuns para uma situação de risco como aquela.

Fiz menção em me levantar, e acabei chamando a atenção de um deles, que se virou para mim.

— Qual foi?! — Continuei calado, mas o meliante, não satisfeito, aproximou-se.

Parou a minha frente com uma cara de poucos amigos. Usava um boné, casaco pesado, uma bermuda surrada e chinelos. Meu olhar subiu para encarar seus olhos e percebi que um deles era de vidro.

— Pode cair fora! Vamos dar um trato na vagabunda e você vai ter que ralar! — Falou cheio de autoridade.

— Não sairei daqui! — Minha cabeça fez o movimento de negação.

— O quê? maluco? — Sua mão deslizou para dentro do casaco.

Me antecipando a qualquer tentativa pisei em seu pé com a minha bota. O marginal liberou um grito de dor e um recuo sem muito equilíbrio. O seu grito acabou chamando a atenção dos demais. Me levantei rapidamente investindo contra o marginal que ainda sofria com o pisão. Desferi um soco em seu nariz que o fez cair para trás. O coitado, sem reação ficou caído, tentando estancar o sangue que descia de seu nariz quebrado. Um outro delinquente se aproximou sacando um canivete e com golpes vazios tentou me furar. Com a mão aberta e os dedos juntos e firmes golpeei sua garganta. Ele largou o canivete prontamente e puxando ar tentou se manter de pé. Aproveitei para jogar sua cabeça contra a barra de ferro vertical, usada para equilibrar os passageiros durante as viagens. O impacto fez a barra tremer. O marginal caiu desfalecido.

Instintivamente fui ao encontro da jovem para socorrê-la, mas parei logo em seguida. Paralisado, vi algo que me surpreendeu.

A jovem estava duelando com os quatro marginais e com movimentos rápidos derrubou um depois do outro. Nunca tinha visto nada igual aquilo. Meus olhos não conseguiram acompanhar com precisão seus movimentos. Assim que o último marginal perdeu os sentidos o metrô parou, chegando em meu ponto de partida.

Deixei o vagão reflexivo. Assim que a composição voltou a se mover, troquei olhares com a jovem, até perde-la de vista.

Deixei os limites do metrô. A diferença do ar de cima para o do subterrâneo me fez preencher os pulmões, arfando um oxigênio mais frio. Olhei ao redor e tudo parecia calmo. O crepúsculo se anunciava com suas nuvens avermelhadas e um leve tom de púrpura. A cidade se preparava para mais uma noite.

As noites de Parallel nunca mais foram seguras e por conta disso, instituiu-se um toque de recolher informal. Vagar pelas ruas a noite não era recomendado, mas na minha situação, era a melhor escolha a fazer.

Seguindo o protocolo informal da cidade, a lanchonete da Tia Beth encontrava-se de portas fechadas. Mas para a minha sorte, ela morava atrás do próprio negócio. Tive que pular um muro de tamanho médio para alcançar a parte posterior. Avistei uma entrada e antes de me aproximar, a porta abriu ligeiramente. Aquilo foi estranho, mas preferi adentrar a casa e deixar para elucubrar depois.

— Rick! A voz de Tia Beth ecoou pela modesta casa.

— Oi Tia... A porta estava aberta e acabei entrando. — Respondi um pouco confuso.

— Ok! — Fique à vontade, estou chegando.

Observei a sala e me veio à cabeça que não tinha muitas memórias deste lugar, apenas da lanchonete. O Sofá era pequeno, mas confortável, havia poucos móveis e os que pude ver eram antiquados. Uma pequena TV repousava sobre um aparador.

Tia Beth adentrou a sala com um sorriso no rosto. Estava feliz em me ver.

— Desculpe a demora. Estava retocando as flores do meu vaso, pronto, agora está perfeito. — O vaso repousou sobre a mesa redonda de madeira escura.

Sem reação, meus olhos estavam fixos no vaso, adornado por muitas flores roxas.

TRAGO (2017) - LIVRO (COMPLETO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora