Vol. 4

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A lua, que acabara de reivindicar sua soberania sobre as trevas, irradiava uma pálida luz sobre os prédios da parte antiga de Parallel, revelando a silhueta dos lupinos que observavam a chegada do mulato.

Com um simples comando, as feras desceram até o asfalto, cercando a criatura que os observava, inquieta. Rodeada pelos seus adversários, o morto-vivo manteve uma postura defensiva.

O líder dos lupinos observava a criatura. Seu olhar transmitia austeridade. Suas mãos repousavam sobre a cabeça da bengala. Dando três batidas fortes contra o solo, conseguiu silenciar a todos e catalisar a atenção necessária para aquele momento.

_ Então, criatura vil, em que lugar os corpos estão escondidos? _ Sua expressão refletia impaciência.

_ Você nunca os verá! _ A frase foi dita com um sorriso aberto, que denunciou presas pontiagudas e ameaçadoras.

_ Um deles nos pertence! Mantê-lo cativo revoga o pacto firmado! _ Concluiu.

_ Pacto? Na prática nunca tivemos um pacto! _ Sacramentou emitindo um grito agudo que ecoou por todo aquele sítio.

O mulato, sem alternativa deu o comando para o ataque. Os lupinos avançaram contra a criatura. Solitária, o embate foi breve, mas o chamado havia sido liberado.

As nuvens começaram a se deslocar e uma gélida brisa varreu todo aquele lugar. O mulato, sabedor do que estava por vir, começou a recuar e antes que fosse inteiramente abraçado pela escuridão avancei em sua direção com a minha pistola em riste.

_ Parado! _ Gritei enquanto tinha sua cabeça na mira.

_ Ora, ora, você já apontou sua arma para mim antes.

_ Preciso de respostas! _ Falei puxando o percursor da arma.

_ Todos nós estamos atrás de respostas humano, mas no momento oportuno você as terá Rick! _ Evasivo, continuou recuando.

_ Você fica aí! _ Desta vez apertei o gatilho da arma, mas o movimento ficou apenas na intenção, pois meu dedo não se mexeu. Algo me impedia de atirar.

_ Você é um tolo humano. Não se esqueça que você nos pertence! _ Enquanto ouvia tais palavras, meu braço começou a se mover contra a minha vontade. Por mais que tentasse lutar contra aquilo, lentamente minha arma era apontada para outro alvo. Tentei largar a pistola, mas minha mão continuava firme, mirando para o jovem agente Mason.

O agente, sem acreditar, manteve-se paralisado. Meu braço tremia, tamanho era o esforço para impedir o que estava para acontecer.

O mulato recuou, e antes de ser abraçado definitivamente pelas trevas, sua voz, pois fim aos instantes de apreensão.

Bang

O meu dedo pressionou o gatilho, fazendo minha pistola disparar o projétil. Um tiro certeiro que estourou a cabeça do jovem agente, o sentenciando a morte. Seu corpo ainda tremia quanto o céu sobre nossas cabeças foi tomado pelas criaturas que saltavam de um prédio a outro.

Os lupinos partiram em direção ao levante iniciando o embate.

Os mortos-vivos estavam em maior número, mas a robustez dos lupinos ajudou a equilibrar o choque entre as duas raças. Por mais que conseguissem prorrogar o inevitável, alguns lobos começaram a tombar. Mesmo diante das baixas, os lupinos não se entregavam.

Meus ouvidos captavam os sons da luta, ainda abafados pela minha perplexidade. Meus olhos espantados registravam o corpo inerte do agente Mason, ainda tentando entender o que estava acontecendo. Aos poucos fui regressando a razão e como num estalo, pude ver com mais clareza onde realmente estava. Um banho de sangue apresentava-se diante de meus olhos. Não havia mais tempo para lamentações. Deveria lutar pela minha vida se eu quisesse descobrir o que significava tudo aquilo.

Uma criatura saltou sobre mim e prontamente foi rechaçada com um disparo. Desta vez meus movimentos não foram tolhidos.

Procurei um ponto de fuga para deixar aquele caos, e encontrei um beco a poucos metros. Corri em direção a viela, e em meio a fuga um urro chamou minha atenção. Olhei sobre os ombros e uma das criaturas veio ao meu encalço.

O beco mais parecia um grande labirinto. A distância entre um prédio e outro era muito pequena, formando corredores claustrofóbicos. Aquela sensação não era estranha e prontamente me lembrei dos pesadelos ou seriam premunições? O ar começou a faltar e as pernas, pesadas, diminuíam o ritmo da fuga. Com um urro cortante a criatura se projetou a minha frente.

Nos entreolhamos e pude perceber que aquele ser era um humano transformado. Seus longos braços terminavam com mãos cadavéricas e unhas proeminentes. Havia sangue em seus dedos, resultado do embate contra os lupinos. Uma fina membrana percorria a parte interna de seus braços unindo-se as costelas sobressaltadas. Os olhos avermelhados possuíam uma profundidade capaz de enxergar minha alma e os meus mais profundos medos. Naquele momento me perguntei se estava preparado para prosseguir naquela jornada.

Apontei minha pistola e desferi diversos disparos. Sua velocidade era incrível e desviando das rajadas saltou usando a parede lateral do beco como plataforma para seus movimentos. Meus disparos acompanharam a criatura em pleno deslocamento. A arma ferveu em minha mão até o fim da munição. Antes que eu pudesse recarregar o morto-vivo projetou-se. Fui jogado ao chão. Ele tentou me morder. Procurava a minha jugular, mas o impedi, segurando o seu pescoço com a minha mão direita. Mesmo aplicando toda a minha força, o esforço parecia inútil, diante daquele ser. Minha mão esquerda deslizou até minha perna arqueada, saquei a minha faca e cravei em seu corpo. A criatura gritou sentindo o golpe, afastando-se de mim. A faca continuou cravada. A besta segurou o cabo com certo cuidado e a retirou. Um discreto fio de fumaça saiu da lâmina naquele momento. A prata intensificou o dano. A criatura voltou a me encarar, e sua expressão de poucos amigos indicava que o ferimento estava incomodando.

A criatura arremessou a faca para longe de si e voltando as atenções para mim emitiu um novo urro, ainda mais assustador. Recuei até chegar ao limite do beco. Meu oponente caminhava em minha direção. Não me restava alternativa a não ser o corpo a corpo, mas diante das nossas diferenças, seria suicídio.

Me ergui, posicionando-me para enfrenta-lo e quando fiz menção em dar o primeiro passo em sua direção, fui interrompido pela chegada de um grande lupino, que se interpôs entre nós. Com um rosnado ameaçador o lobo se projetou sobre a criatura. O embate aconteceu diante de meus olhos. Minutos depois o grande lobo sagrou-se vencedor.

O lobo se virou, e em sua mão estava o prêmio pela sua vitória, a cabeça da criatura. Nos encaramos em meio ao silêncio que se formou. A intensidade daquele olhar freou qualquer iniciativa que eu poderia ter. Sua pelagem escura refletia a luz daquela noite incomum. O seu peito apresentava alguns arranhões, provocados pelo breve duelo. Um forte uivo foi liberado, e logo em seguida com grandes saltos em ziguezague ascendeu ao topo do antigo prédio, desaparecendo logo em seguida.

Caminhei até o local onde estava minha faca e a peguei de volta. Antes de deixar o beco avistei uma flor roxa, solitária. Já havia visto aquela flor antes.

Pensativo, olhei para a lua, que envolvida pelas nuvens, começava a me dar respostas.

TRAGO (2017) - LIVRO (COMPLETO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora