Vol. 1

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O dia de trabalho foi bastante extenuante, e para completar fiquei sem os meus cigarros. Confesso que devo parar de fumar, mas nesta cidade, precisamos nos matar a cada dia para sobreviver mais um.

Devo ter algum cigarro dentro desta pocilga.

Com o salário de policial, não posso me dar o luxo de comprar um carro novo. Pelo menos o motor deste aqui não bate. A lataria não mente o seu tempo, mas quando piso fundo essa belezinha não nega fogo.

Achei!

Está meio amassado, mas ainda pode me ajudar a relaxar. Estou tão cansado que passaria a noite por aqui mesmo, dentro do carro. Desci um pouco a janela para dissipar a fumaça, mas o vidro demorou a render-se, dispendendo um esforço acima do habitual, o que potencializou as dores em meu ombro.

Peguei a minha carteira surrada e como faço todas as noites, abro e contemplo as fotos da minha família. Faz tempo que não os vejo. Abby tinha razão. Depois que viemos para esta cidade, tudo mudou para pior. Até hoje me pergunto, porque fui mandado para este lugar? Depois que eles se foram, por que ainda continuo por aqui?

Chuva.

A torrente começou a cair castigando a carroceria do meu carro. O som frenético deste salseiro só fez aumentar a minha dor de cabeça. Os comprimidos já não surtem o efeito de antes e os continuo consumindo por puro vício, confesso.

Mais uma vez custei em mover o vidro da janela do carro, agora no sentido contrário. Com mais um pouco de esforço e dor, a janela, enfim, cedeu, bloqueando o aguaceiro. Não consegui ver um palmo além do carro.

Muito obrigado Parallel!

Até o nome deste lugar é estranho. Só me restava uma coisa, ligar o motor. Esta melodia sim, era boa para os meus ouvidos. Meu pé comprimiu o pedal uma, duas, três vezes. O medidor de rotação subia a cada investida e o motor roncava alto o bastante para superar o estrondo do volume de água que inundava a cidade.

Arranquei com o carro. Na verdade, nem sei para onde estava indo, precisava de um trago.

Atenção todos os prefixos! As viaturas que não estiverem em ocorrências deverão dirigir-se imediatamente ao centro da cidade!

Relutei em pegar o rádio, mas a droga da minha vocação sempre falava mais alto!

_ Estou nas proximidades! Qual a ocorrência? Câmbio.

Não sabemos ao certo, a vizinhança nos chamou com urgência. Uma das casas foi invadida. Nossos homens entraram na residência, mas nem sinal de retorno! Ouvimos disparos. Câmbio!

_ Estou a caminho. Câmbio!

Bosta!

Me dirigi imediatamente ao local da ocorrência e lá encontrei diversas viaturas. A casa estava cercada e parte do perímetro isolado.

_ Quantos entraram?

_ Quatro homens.

_ Comigo cinco.

_ Como assim? Está louco?

Acho que ele tem razão, devo ser louco. Deve fazer parte da minha penitência pessoal. De uma maneira ou de outra, busco a morte a cada instante. Acho que se ela me levar, não me preocuparei mais com as minhas perdas.

A porta da casa estava entreaberta, encostei levemente o corpo e pressionei para abri-la. Aparentemente estava tudo calmo, mas no instante que entrei, a porta se fechou. Meus ouvidos captaram pequenos ruídos, mas não conseguia identifica-los. Meus passos eram cautelosos. O piso rangia levemente e por mais que eu tentasse domar o andar, não obtive sucesso em eliminar o som oriundo do meu movimento.

TRAGO (2017) - LIVRO (COMPLETO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora