Incandescente poder da cura

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Não contei a ninguém a respeito de meu tenebroso pesadelo. Os dias passaram como um nevoeiro, e todos estão mais focados nas provas de admissão e na formatura que será em junho. Mediante a tudo isso, ainda não sei o que colocarei na cápsula do tempo da escola.

— Com certeza, o meu VHS do "E o Vento Levou" — Lara confessou-me certa vez. 

— Vou entregar o álbum da Copa do Mundo de 1970 — Jake disse. — Pertence ao meu pai, mas acho que ele não vai se incomodar. 

A minha única preocupação, no entanto, é fazer com minha mão esquerda volte a mexer. Paralisou-se por completo. Mesmo depois das extensas sessões de fisioterapia, mesmo depois dos medicamentos, a progressão da doença avança sem piedade.

 "Minha graça é suficiente a você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza"³⁶.

Hoje é Domingo de Páscoa. Cantarei Amazing Grace na Igreja no culto à noite. Ensaiei da forma como pude, dentro das paredes do meu quarto, embora minha voz sumisse algumas vezes.

 Penteio o meu cabelo com a força que ainda tenho na mão direita. A escova de cabelo vai ao chão. Reafirmando o meu vão esforço em fazer uma tarefa tão simples, tia Ellie ajuda-me a pentear o meu cabelo. Auxilia-me também com o laço em meu vestido branco. Optei por usar minhas meias listradas outra vez, pois só esta semana caí mais de dez vezes, e os hematomas estão por todas as extensões de minhas pernas.

Em pouco tempo, estamos na Igreja recepcionando aos demais membros. Lara e Jake, infelizmente, avisaram-me com antecedência que não iriam ao culto pois ambos visitariam parentes longínquos no feriado. Contudo, para a minha enorme surpresa, John Walker veio ao culto dominical, vestido a rigor com seu terno preto e gravata vermelha. Vejo o Sr. Robert, a Sra. Susan, e a Lucy, que muito amigável, entrega-me um pirulito vermelho embalado em plástico transparente. Agradeço-a, apesar de estar em uma severa abstinência de doces. 

— E hoje estamos aqui, graças Àquele que deu a Sua vida por nós. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas³⁷.

Meu tio Carl inicia o culto com sua voz quebrantadora. 

Oramos e logo em seguida, é a minha vez de louvar. Tudo estava indo bem, todavia quando eu fui atingir as notas mais altas, a minha voz desapareceu. Eu não conseguia mais continuar. Um som de chiado arranhava em minha garganta. Daisy Ryan, uma das meninas do coral, imediatamente continuou o refrão, enquanto eu me retirava do púlpito, envergonhada comigo mesmo. 

Resolvi tomar um copo de água, e tia Ellie veio averiguar se eu estava bem. Fui para o lado de fora da Igreja, sentar-me nas escadarias e tomar um fôlego. Fiz alguns exercícios de respiração e a minha voz retornara.

— Está tudo bem contigo, Marshall?

Reconheço aquela voz tão carregada de preocupação, e assinto. Era John. Acho que já passamos por isso antes. Eu, sentada na escadaria, ele, em pé com seu terno, totalmente despreocupado. Naquela época, éramos meros estranhos um para o outro. 

— Está muito chique, Walker.

— Robert obrigou-me a vestir o paletó. Comprou um novinho para mim. Ainda assim, eu queria aparecer na Igreja com minha camisa do Superman.

— Não seria nada elegante para um garoto de dezessete anos.

— Legalmente, Marshall, tenho dezoito anos. Meu aniversário foi no dia 31 de março.

Nós, em uma casca de noz!Where stories live. Discover now