Crispim: A fonte dos pecados

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De tudo o que Hannah me apesentou, o objeto que mais me impressionou foi a televisão. Na sociedade do Sul, nos faltava eletricidade. Era cara e falha. Se queriamos notícias, ouvíamos o rádio ou líamos o jornal. Era como ter seu próprio teatro numa telinha em seu apartamento. Eu passei um dia inteiro assistindo a programas aleatórios, namorando produtos dos comerciais enquanto Hannah e Octávio trabalhavam. Era incrível, eu fiquei estupidamente fascinada. Melhoras na eletricidade e televisões entraram para minha lista.

Duas noites se passaram em An'angelo e essa lista crescia. Tantas coisas que precisava mudar na Sociedade do Sul. Percebem meu pensamento? "Coisas que precisava mudar na Sociedade". Quem era eu para fazer tais julgamentos? No começo de minha estadia naquela cidade do deserto eu adicionava coisas na lista pela Sociedade. Mudanças necessárias para uma vida justa. Algo com o que fiquei animada foi a cadeia. O conceito era quase fascinante. Na Sociedade do Sul, crimes eram punidos com expulsão, agressão física ou, para crimes mais "leves", trabalho comunitário. Nesse último caso, o criminoso era obrigado a passar as noites em um local vigiado, próximo ao centro policial de sua cidade. Era o mais próximo de uma cadeia que nós chegávamos. Para ser sincera, não ocorriam crimes tão frequentemente na Sociedade do Sul, mas se tivesse que escolher entre ver pessoas sendo mortas pelo que eles consideravam pecados, e vendo-as sendo presos, prefiro elas presas.

A cadeia de An'angelo era afastada de tudo. Policiais ficavam de guarda dentro e fora do lugar, como Octávio teve a paciência de me contar. Também seti-me bem em relação aos oficiais de justiça dali. Vi um deles respondendo à perguntas de uma moça, outros em uma viatura, numa ronda. O que eu conhecia de policiais era muito diferente. Eles só iam para onde o governador mandava, executavam apenas tarefas que lhes eram designadas e não se importavam com a vida do cidadão. Não ligaram para quando eu saí da cidade, e não se importariam quando eu voltasse. Queria ver o que fariam quando eu e o clube da Primavera iniciássemos uma revolução. Reivindicação, como Fausto gostava de denominar nosso movimento. "Nada mais é do que a reivindicação por direitos e liberdade de expressão." Ele dizia. Eu precisaria de policiais quando voltasse, e eu os ensinaria a serem como os policiais de An'angelo.

-E que sejam leais a você –Hannah me advertiu enquanto penteava seus cabelos. -Nossos policiais podem ser melhores, mas as pessoas são piores, mais desonestas.

-Não leais à mim Hannah, mas à Sociedade, à nossa causa.

-Que seja Kat. Hoje vamos sair. Vou te apresentar uma pessoa que pode te ajudar a adquirir qualquer tipo de conhecimento que julgue necessário para levar à sociedade. -Chequei o relógio na parede atrás de mim. Ele marcava mais de dez horas da noite. Franzi o cenho na dreção dela. –Ele trabalha em uma casa noturna. Arrume-se.

A noite que irei narrar a seguir foi a primeira de muitas, mas foi especial por um pequeno detalhe: Crispim. Quando você vê ou faz alguma coisa pela primeira vez, é sempre mágico. A primeira vez que você viaja a algum lugar, a primeira vez que você experimenta uma comida que vem a gostar mais tarde... Depois, por mais que você goste dessa coisa, ela vai perdendo sua magia, tornando-se normal. Esse é Crispim para mim. O ser humano mais mágico de An'angelo que um dia chegou ao fundo da minha lista de amizades ou amores, como preferirem. Quero avisar a vocês desde o início: Crispim é um babaca, e essa é a palavra mais leve que consegui achar. Vou apresentá-lo como um príncipe encantado, mas não quero que vocês se enganem como eu me enganei. Crispim era minha curiosidade.

Eu nunca tive opções para me arrumar. Meus vestidos eram todos iguais. Hannah escolheu uma combinação diferente de calça/blusa/casaco e penteou meus cabelos para trás. Ela havia me convencio a fazer os tais furos na orelha e ela pendurou brincos enormes e brilhantes em mim. Ficou pesado e desconfortável, mas quanto mais parecida com as mulheres dos comerciais de conticionador e apresentadoras de programaas eu ficasse, melhor. Octavio insistiu em nos acompanhar até lá. Não deixaria a mãe portadora de seu filho sozinha nas ruas de noite.

A Sociedade do SulTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang