365 dias Antes de Hannah

74 14 6
                                    


Avançemos mais sete meses. Estou pulando as festas de fim de ano, o aniversário de um ano do sumisso de Hannah e meu aniversário. Completei quinze aninhos. Meus presentes naquele ano? Dor de cabeça e pão doce. Estou levando vocês para "a queda". O tempo entre a comemoração de fim de ano e eu completando mais uma volta ao redor do sol foi cheio de frustração, humilhação, solidão e brigas. A relação entre meus pais estava mal.

Minha mãe, pobre mamãezinha, tinha o coração ainda desesperadamente cheio de esperança. "Hannah voltará, Hannah está bem, Hannah nos ama e devemos amá-la apesar de tudo." Meu pai, esperto e com o coração frio, havia desistido. "Um ano e meio, Roisette. Ela se foi. Esquecer é o melhor para nossa família, para toda a Sociedade do Sul. Não há mais Hannah. Não pode haver. Mesmo se ela voltar, será uma pecadora. Expulsa-na-ão e perderemos nossa filha outra vez. Não há mais Hannah. Esqueça."

Assim as brigas começaram. E daí cresceram. Mamãe não entendia como papai podia simplesmente esquecer sua filha prodígia. Papai não entendia como mamãe era tão inocente ao ponto de acreditar que viveriam uma vida normal se ela voltasse. Apelidei aquelas semanas de "A queda". Antes de Hannah sair: uma relação saudável e invejável. Depois de Hannah sair: depressão. Isso mesmo, depressão. Mamãe estava muito mal.

Minha tia e minha prima –lembra-se dela? A única alma viva que falava comigo na escola. Seu nome era Clícia –vieram nos visitar um ano antes de Hannah. Clícia e eu ficamos no topo da escada, silênciosas como noites de inverno, atenciosas como um felino na caça, absorvendo cada palavra da conversa privada com muito pesar. Ali, ganhei minha primeira aliada, antes mesmo de ter uma causa concretizada.

-Temo que ele me deixe –essa era mamãe.

-Nao faria isso –titia disse. –Já é demais para vocês sofrerem com o escândalo de Hannah. Agora uma separação? Pecado atrás de pecado... Não. Ele não o fará.

-Então viveremos em miséria, irmã. De uma maneira ou de outra. Tristeza deste jeito, tristeza do outro. E nossas filhas sofrem conosco. Veja Kat, por exemplo –inclinei-me amis para a frente. –Sofre nas escolas, nas praças... Não pode sofrer ainda aqui em casa. E Verena, é só uma criaça. Não posso nem imaginar como reagiria.

-Pare de se preocupar, irmã. As crianças teram sempre a mim e meu marido. E você também. Se o pior acontecer, deve chamar a mim.

-Por que ela fez isso Kat? –Clícia sussurrou em minha direção.

-Hannah? –ela concordou.

Eu não respondi. Eu não sabia. A Sociedade era muito repreensiva e conservadora? Sim. Hannah era uma menina rebelde? Sim. Essas duas coisas não andam juntas. Mas não era só isso. Tinha a curiosidade, o mistério, a aventura... Clícia não entenderia isso. A convivência com Hannah que lhe responderia isso tudo,o jeito dela, as ideias... Por que era sempre tão difícil responder coisas sobre minha irmã?

-Você não vai... vai?

-Para onde?

Estava me fazendo de burra propositalmente. Eu não sabia responder todas essas perguntas, que droga! Se Hannah voltasse destruída, triste, derrotada, é claro que eu ficaria em casa. Mas se ela voltasse com os sonhos que sempre sonhamos juntas, um mundo de maravilhas, liberdade, felicidade, eu iria, claro que iria. Mas, iria mesmo? Minha mãe estava chorando ali em baixo. Meus pais podiam separar-se. Verena precisava de mim. Eu iria?

Ai eu ainda era gata. Conhecia bem o ditado. A curiosidade poderia me matar. Poderia ter matado Hannah e nunca saberíamos. Ou poderia ser tão fascinante ou tão aterrorizante que jamais voltaria para nós.

-São muitas possibilidades, como vou saber? –eu falei.

-É por que você sempre faz tudo o que Hannah faz. Eu não a culpo, sinceramente. Fugiria por meu amado se fosse preciso.

-Ela não fugiu por Octavio, prima; sei bem disso. Não repita isso por ai –senti Represália pulsar dentro de mim, mas adormeceu logo em seguida.

-Certo. Que você faça o que tiver que fazer então, mas conte-me ok? Guardarei o segredo de vocês, se é isso que querem. Assim como sua mãe tem à minha mãe, você tem a mim.

Ela estendeu a mão para eu apertá-la. Aceitei. Minha mais fiel aliada desde 365 dias antes de Hannah. Mais de dois anos antes do início da Guerra Civil.

A Sociedade do SulDonde viven las historias. Descúbrelo ahora