30 Dias Antes de Hannah (Ou a Filosofia do Arco-Íris e do Horizonte)

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Eu já não me lembrava do que era ter amigos. Eu não imaginava um futuro próspero. Minha vida era 100% Verena. Eu cuidava para que ela fosse respeitada e continuasse a viver a vida que perdi. Eu a ajudava a tomar decisões para sua carreira de bailarina, a levava para os lugares onde deveria ir e fazia o coque em sua cabeça. Era sua guarda-costas, sua empresária e sua cabelereira particular. As pessoas pareciam esquecer de que ela era uma Johnson, e eu não podeia estar mais feliz por isso. Olhavam para ela e viam Verena. Infelizmente, olhavam para mim e viam Hannah. Ou Represália. Alguns enxergavam-na em meus olhos e temiam-na como deveria ser feito.

Mas essa história não é sobre o sucesso de minha irmãzinha. É sobre um pedido de perdão, uma punição e minha indignação. Represália aparece para nós mais uma vez e eu descubro a Filosofia do Horizonte e do Arco-íris.

Verena e eu fomos sozinhas para a cidade. Ali, eu já estava com dezeseis anos e Verena com treze. Ela tinha que deixar sua fantasia para a nova apresentação com sua professora. Acho que não falei sobre isso: Verena era também uma ótima costureira, como minha mãe. As duas trabalharam horas, ficaram acordadas noites inteiras para aquele vestido. Tinha pano importado, pano reciclado, gliter, saia rodada, diversas cores e um véu, tudo feito por mamãe e Verena. Até eu estava orgulhosa pelo produto final. Caminhávamos em direção ao teatro, algumas quadras depois da prefeitura.

A peça seria sobre a Primavera, realizada no meio do Inverno por uma bailarina que brilhava mais do que o sol do Verão. Tudo seria muito colorido, alegre e magnífico. Extremamente diferente da Sociedade do sul. Cinza, monótona e cheia de regras estúpidas. Os ingressos estavam esgotados e era sobre isso que Verena vinha falando o caminho inteiro. Ela pulava, rodopiava e executava seus passos mais complicados enquando falava sobre sua alegria.

-Duas noites, teatro cheio! –ela disse. Rodou uma, duas, três vezes e continuou. –Vou precisar de você para arrumar meu coque e pintar meus olhos com aquele pó cor de rosa.

Eu sorri.

-É claro que vou estar lá, sua boba.

Ela sorriu também. Porém, parou e virou o rosto de súbito. Estavamos de mãos dadas e ela soltou de mim. Deixou-me carregando seu vestido, sozinha. Perguntei se havia algo errado. Ela fungou e virou-se para mim com lágrimas nos olhos, pedindo desculpas. Estávamos perto da prefeitura naquele momento.

-Sinto saudades de Hannah, queria que ela pudesse me ver agora.

Eu a abraçei. Disse que não precisava pedir desculpas, mas era mentira. Ela não deveia ter mencionado Hannah. Meu estômago revirou-se, meu coração bateu mais forte e ficou difícil respirar. Isso não era apenas saudades, nem mais curiosidade ou raiva. Era de tudo um pouco. Eu queria minha irmã incondicionalmente, mas estava brava, e queria chorar também. Mantive-me firme, abraçando Verena, ignorando suas perguntas.

-Será que ela está bem? –Isso acabou comigo. Eu apertei sua cabeça contra meu peito para que ela não me visse chorando. Respirei fundo, limpei o rosto e disse que não sabia, mas que deveria estar.

Então começamos a ouvir gritos. Gritos de comemoração, gritos de terror e um discurso num microfone. Era outra "cerimônia" de punição. V e eu paramos em frente à praça da prefeitura. Um grande erro; enorme. É triste não poder dizer que foi o maior erro de minha vida.

Desta vez, era uma mulher quem estava amarrada ao tronco. Ela gritava por perdão desesperadamente. O discurso era sobre taição, pecado, as coisas de sempre. O que mais me chamou a atenção foi seu rosto e suas roupas. Ela estava pintada como Verena em sua apresentação, vestindo algo colorido e chorando em desespero. Minha irmã parou ao lado de uma moça que gritava a favor do líder do Conselho do Povo e perguntou o que estava acontecendo. A moça respondeu aos berros.

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