Como visto por debaixo da areia

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Olá! Esse é um capítulo bem curto, mas uma importante transição para a história.

Antes de iniciarmos, que ria dizer duas coisinhas: 1- Adicionei a tag #Wattys2016 à Sociedade do Sul. Sinceramente, não espero ganhar nada, mas acho essa expectativa divertida. 2-Estamos quase atingindo 1k de leituras! Queria pedir um favor a vocês, leitores: poderiam indicar este livro a algum amigo? Sei que isso é bem chato, mas me ajudaria muito, e me deixaria bem feliz! Minha divulgação somada à força de vocês daria um resultado muito satisfatório para nós curiosos! Muito obrigada. Agora, aproveitem esse capítulo.


Chequei tudo naquela mala uma última vez. Além de Clícia, que me ajudara incrívelmente a me preparar, Mario, Fausto e três outros membros do clube estavam presentes para minha partida. Verena não pode estar ali para não levantar suspeitas para meus pais. Nem tentarei mentir e contar sobre minha determinação e coragem. Estava tremendo de medo. Disse à Clícia que era frio. Menti. A primeira coisa que me assustava eram os coiotes. A segunda era a imagem de Hannah cheia de pecados estampados em sua pele. A última era o infinito. A Sociedade do Sul era tudo o que eu conhecia. Estava indo descobrir mais. Isso faz de mim uma exploradora? Espero que sim.

-Água, roupas e comida –Clícia falou, fechando o ziper para mim. –É tudo o que importa. O resto é extra.

-E o saco de dormir –comentei. Queria ter uma arma. Também queria saber atirar. Conto desde agora que realizei esses dois desejos. Uma louca em possessão de uma arma... Ótimo jeito de acabar uma história.

-Lembre-se do que prima Hannah lhe disse: siga sempre pela esquerda.

-Não sei como isso poderia me ajudar. Estou seguindo uma linha reta.

-Talvez não esteja. Boa sorte prima.

Ela deu dois tapinhas em meu ombro e eu congelei. De repente, pude ouvir o choro desesperado de minha mãe lendo minha carta, ver a expressão de desespero de Verenapor me perder para An'angelo  e sentir os xingamentos de meu pai no meu coração. Senti a insônia causada por preocupação de Mario e até fiquei feliz. Tive um ataque de pânico e Clícia me ajudou a superá-lo. Esse tipo de coisa não poderia acontecer no meio de minha jornada. Recompus-me e estufei o peito. Os outros ali presentes me confortaram e estavam felizes por mim. Confiavam em mim, isso era importante.

-Adeus prima. Voltarei uma outra Kat.

-Uma Kat melhor.

Pobres almas inocentes. Mario me abraçou demoradamente e eu quase desisti de seguir pelo deserto escuro. Abraçei também os outros e segui meu caminho com suas palavras de incentivo.

Adoraria ficar aqui e contar como foi incrível andar pelo deserto sob a luz da lua. Sobre como era bonito ver a areia levantando-se coma brisa suave, sobre os uivos que embelezavam os ventos, sobre os trilhos que nunca resfriavam... Mas mais uma vez estaria mentindo. Todos esses detalhes foram assustadores. Deveria ter sido fácil para Hannah. Ela tinha Octavio, o amor de sua vida, seu anjo protetor. Eu estava sozinha. Andei respirando fundo, com as mãos nas alças da mochila e contando meus passos até Clícia, a torre e os portões desaparecerem atrás de mim. Quase corri de volta. Chorei. Tive outro ataque de pânico. Avistei um coiote ao longe. Isso tudo antes do amanhecer.

Tornei-me minha melhor amiga. Conversei sobre diversos assuntos comigo mesma e devo admitir, foi aproveitável. Eu e eu mesma discutimos a teoria do infinito, temperatura, matemática, dança e Hannah. Principalmente Hannah. O que ela estava pensando quando cortou os cabelos daquele jeito? E aquelas pinturas na pele, metais brilhantes lhe furando o rosto... Por que alguém faria isso? Fora ela forçada? Seria eu forçada? Eu e mim mesma concordamos que as roupas eram um caso a parte. Adimti que gostava de passar os domingos preguiçosos e sem responsabilidades completamente nua, me bronzeando escondida por cinco minutos de pura adrenalina. As roupas de Hannah eram quase nada, então, para onde quer que estivesse indo poderia bronzear-me sem medo.

Quando minhas pernas não aguentaram mais o peso de meu corpo, e eu cansei de falar sozinha, deitei-me e enrolei-me no saco de dormir. Não fazia ideia de quanto tempo levaria para o sol nascer e o deserto ficar quente como eu esperava. Isso me deixava preocupada. Achei que ia morrer, que ficaria ali, perdida para sempre, que coiotes me comeriam... E tive meu último ataque de pânico antes de dormir.

Acordei num pulo. Eu sentia meu rosto amassado, olho inchado de sono e uma narina não respirava direito. O sol já tinha nascido e parecia que tudo tremia. Eu tinha deitado bem perto da linha do trem e demorei para perceber que era ela quem tremia. Me desesperei imediatamente. Olhei para a esquerda e vi o trem no horizonte. Não pensei direito, mas não podia ser vista. Corri para trás de uma moita morta, mas aquilo não me esconderia. Coloquei minhas coisas ali e cobri-as com areia o mais rápido que pude. O trem estava se aproximando. Pulei atrás das minhas coisas e continuei a jogar areia em mim. Meu coração batia acelerado. Ao menos minhas roupas eram cinzas e não brilhantes como as de Hannah. Quando o trem chegou perto o suficiente eu congelei. Foi uma das visões mais lindas que já tive o desprazer de presenciar.

O sol estava atrás do trem e me cegava cada vez que um vagão passava por mim. O trem em si sempre fora belo para mim. Intrigante. Surpreendente. Eu nuca estivera tão perto dele como estava agora. Apenas considerei um desprazer pois a areia levantada pelo vento que o trem fazia ia direto para meus olhos. Ele seguia em direção à Sociedade do Sul. Quase pulei nele para me levar junto. Após passar por mim e ignorar minha existência, o trem sumiu no horizonte. Então eu me levantei e andei.

Andar, chorar, cantar, falar. Correr, sofrer, beber, comer. Calor, desespero, calor, calor. Passei dois dias assim. Os trilhos realmente se dividiam em certo ponto. Segui sempre pela esquerda, acompanhando os trens para longe de casa. Em certo ponto, ignorei-os como me ignoravam. Perdi a noção do tempo no meio do terceiro dia. Porém, descobri um padrão em uma linha de trem: a que ia pela esquerda. Eram sempre trem velhos com poucos vagões. Andavam mais devagar do que os outros e não levantavam muito a areia. Acredito ter sido no fim do terceiro dia que eu decidi pular no trem. Quando esse trem velho e lento passou por mim eu juntei minhas últimas energias e corri junto dele. Mesmo bem lento, era ainda bem mais rápido do que eu. Desesperada, eu me joguei contra um dos vagões e agarrei a escada do lado de fora. Consegui colocar meus pés numa posição confortável e me agarrei como se minha vida dependesse daquilo. Fechei os olhos e fiquei pendurada até ter que saltar novamente.


A Sociedade do SulWhere stories live. Discover now