35: Raiva

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"Significado de raiva: privação de raciocínio, lógico, falta de calma, distúrbio do equilíbrio emocional. Ou seja: Malu está precisando de ajuda. ── Thomas."

Temos grandes problemas. Do tipo enormes. Júlia e Thomas chegaram a nossa mesa na hora do intervalo. Vocês acham que a cor da beca vai combinar com a cor do meu cabelo?

Você só pode estar brincando comigo. Augusto debochou e eu dei uma última mordida na bolacha que comia.

Alguma coisa revirou no meu estômago e já conhecendo a sensação, resolvi que parar de comer era a melhor opção. Por isso, afastei as bolachas que Bruna havia me dado antes e parei de comer, ficando sem apetite. Senti as mãos tremerem e as escondi debaixo da mesa, sorrindo amarelo para Thomas que me encarava com um pouco de preocupação.

O nosso intervalo havia começado fazia poucos minutos, as pessoas ainda estavam saindo das suas salas quando Thomas e Júlia chegaram até a nossa mesa. E minha melhor amiga parecia realmente pensar que tinha um grande problema apenas por causa da combinação de cores.

B olhou para mim, um pouco em dúvida quando notou que não comia mais o lanche, mas sorri um pouco para ela e voltei a tomar um pouco de água. Se antes ela já era oficialmente a inspetora da minha saúde, agora, ela estava quase se auto-nomeando a rainha daquela missão. Não que eu tenha problemas alimentares, mas a fome me abandona em momentos de tensão. Não era surpresa a minha ter praticamente sumido nos últimos tempos.

Não, é sério! Eu fiquei pensando nisso ontem e como falta muito pouco tempo para a formatura... Júlia voltou a falar, explicando para Augusto sobre o seu problema. Andei pensando que, talvez, a cor da beca não combine com a cor do meu cabelo. Talvez eu deva deixar a cor natural aparecer... Nem que seja só para a formatura. E aí tudo ficaria perfeito e resolvido.

Como na porcaria de um passe de mágica, pensei.

Minhas mãos fecharam-se de maneira inconsciente e a tão conhecida raiva que eu vinha sentindo de tudo e de todos nos últimos tempos voltou com força total naquele momento. Desde o dia da discussão com Martha, eu tinha todo esse sentimento fétido dentro de mim e não conseguia o controlar de maneira alguma.

Ele surgia a todo o momento.

E apareceu naquele segundo enquanto Júlia falava sobre o seu problema.

Aquilo que ela possuía não era um problema, de fato. Era só uma... Besteira. Uma besteira que nem merecia atenção ou importância. E quantas vezes nós todos não tratamentos verdadeiras besteiras como problemas? Problemas verdadeiros não possuíam solução e, caso possuíssem, eles eram complicados demais para serem resolvidos de uma hora para outra. Júlia poderia chamar aquilo de problema - poderia ser um problema mesmo -, mas era um problema tão pequeno, tão fácil de ser resolvido...

Era isso que me enchia de raiva.

Porque parecia que todo mundo na minha volta tinha problemas que possuíam soluções, mas eu era a única que não era digna de ter meus problemas resolvidos. Quanto mais eu tentasse os resolver, maiores eles ficavam.

Grande esse seu problema, não é? pela minha voz, a ironia e a amargura escorreram e todos me olharam, chocados demais com a minha postura.

Não ia conseguir ficar sentada ali, ouvindo meus amigos conversando e falando sobre qualquer coisa sem ficar irritada. Meus dias eram passados assim agora. Toda essa raiva do mundo crescendo a todo momento e sendo a minha fiel companheira... Não era saudável, mas eu também não sabia como me livrar dela. E tentando não descontar em Júlia mais raiva ainda, resolvi que passar o intervalo afastada era a melhor das soluções.

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