Eu queria gritar, queria fazer algo além de chorar, mas não conseguia. Talvez fosse a minha parte "forte" me impedindo de sofrer novamente por alguém que eu amava e amo tanto, ou era a parte que sabia que seria menos doloroso desse jeito, para todos nós. Ou então eram as duas coisas.

Stephan tentou falar baixo, mas, mesmo assim, ouvi ele perguntar a Wanda:

- E Bruce?

Senti raiva. Pensei em sua ingratidão e insensibilidade. Depois veio o desprezo. Tantas características diferentes que poderiam, apenas uma, acabar com alguém. Pior ainda é pensar que alguém poderia ser tudo isso, ou muito mais, e usar contra a própria mãe.

- Está em Soulburn.

Respondi cerrando os punhos.

Rick pousou uma mão, carinhosamente, no meu ombro.

- Não é culpa sua. Ele é um mal-agradecido.

- Um grande imbecil, isso sim!

Stephan parecia ainda mais irritado, então abraçou-me com força e me fez sentir todo seu afeto por mim. O que mais extrair foi sua compaixão. O abracei de volta e me confortei em seus braços. Sempre foi assim, Stephan sempre soube como manter a calma e as coisas no controle, e isso sempre me passou segurança. Mas ele e Bruce nunca se deram bem e quanto mais amadurecemos, pior ficava. Ruim era não poder dizer o contrário de meu irmão naquele momento e eu queria muito que fosse diferente.

Wanda afagou minhas costas e apressou-se.

- Vamos, filha. Eu sei que isso é doloroso, mas Suzan está bem agora, ela está em paz, querida. Agora nós precisamos ir.

- A chuva está mais forte.

Louis tremia enquanto fechava seu guarda-chuva na mala do carro. Ela esfregava e assoprava suas pequenas e pálidas mãos.

Entramos no carro rumo ao apartamento no centro de Rolesville, minha única herança, onde todas as memórias ainda corriam frescas.

Wanda preparou sanduíches e Stephan trouxe refrigerantes. Comemos todos juntos na sala em silêncio, enquanto tentávamos entender um seriado sobre uma família que deveria ser engraçada, mas as piadas eram tão fracas e tão preconceituosas que mais parecia um bando de sádicos torturando os telespectadores esperançosos de que ainda restava bom humor na TV.

Eu não estava entendendo nada. Na verdade, ninguém parecia entender. Era como se todos estivessem em transe tentando tratar de seus próprios fantasmas e digerir algum trauma, enquanto aquele programa incomodava. Procurei me desligar, agindo de forma automática para neutralizar a dor que sentia, porque não conseguia ver outra forma de sentir menos.

Ao terminar, nos despedimos e cada um seguiu seu rumo, já que a vida continuava, por mais que eu sentisse o contrário. Rick e Stephan voltaram para a universidade. Louis voltou para a casa de seus avós. Wanda voltou para sua família. E eu me tranquei em meu luto.

- Você vai ficar bem mesmo? Eu posso passar uns dias aqui.

Os olhos claros de Wanda ainda estavam vermelhos e contrastavam com sua pele escura, sua voz transparecia preocupação.

- Sim, só preciso de um tempo. Não posso fazer mais nada por ela, vou descansar um pouco.

Sinto meus olhos lacrimejarem, quase vertendo-as e a assegurei que ficaria bem. Eu não queria demonstrar insegurança para Wanda. Eu caí, mas precisava tentar andar com meus próprios pés e superar isso mesmo que fosse difícil. Eu não estava sozinha, sequer passava uma ideia dessas em minha cabeça, mas estava na hora de lidar por mim mesma.

Meus amigos, Stephan e Louis, meu primo, Rick, e uma velha amiga de minha mãe, Wanda, eram as únicas pessoas que eu tinha e saberia que podia contar com eles. Nem meu irmão compareceu ao enterro e eu já estava cansada de tentar entender seu lado, porque toda vez que tentava entendê-lo, só via mágoa.

O que sobrou de tudo? Eu precisava juntar meus pedaços, emendar com uma fita vagabunda e esperar que o tempo fizesse seu trabalho e aliviasse minha dor. Não sabia se seria capaz de suportar mais uma perda e eu já devia estar acostumada, afinal sempre foi assim. As pessoas que eu mais amava sempre iam embora. Sempre. Sempre.

Fechei meus olhos e mais lágrimas vieram e dessa vez eram de revolta. Todo sofrimento pelo qual eu passava não serviu para nada, eu estava cada vez mais sozinha e tinha medo de deixar alguém entrar na minha vida, pois sabia que iria me machucar de um jeito ou de outro.

Abri os olhos e por um momento não reconhecia o lugar. Andei pelo apartamento, investiguei cada cômodo com aquela sensação de vazio, como se faltasse algo importante, então comecei a procurar. Não sabia exatamente o quê, só procurava. Olhei o quarto de hóspedes, que já havia sido de Bruce; olhei meu quarto, mas nada. Evitei entrar no quarto de mamãe, não queria lembranças. Não naquele momento.

Abri a porta do banheiro e a banheira estava lá. O chão estava frio e as paredes, úmidas. A essa altura um sentimento profundamente doloroso tomava conta de mim. Não era apenas a falta dela, a dor de sua perda precoce e quase provocada por ela, era ainda maior. Até então, nunca havia pensando em mim acima dos outros e minha felicidade fora trocada por sofrimento graças a cada partida. Plenitude e eu nunca nos cruzamos, talvez a vida estivesse me cobrando esse desencontro.

Aqueci a água, logo tirei minha roupa e entrei sem hesitar. Me recostei e tentei relaxar, enquanto uma onda de pensamentos me atingiu e eu estava me afogando em culpas e coisas mínimas que fossem, que eu poderia ter feito, mas agora não adiantava nada.

Sentia falta de ouvir a voz de minha mãe, pedindo para que eu lavasse a louça, ou colocasse o lixo para fora e qualquer exigência ou conversas comuns entre mães e filhos, mas havia muito tempo que isso não acontecia. Há muito tempo ela já agonizava no hospital e pensar nisso fez com que as lágrimas voltassem. Assim fiquei por um longo tempo na banheira, aproveitando o momento que eu teria para me livrar de sentimentos ruins, chorando a minha perda e sentindo mais do que nunca a dor.

Vesti uma blusa de crochê, que ela havia feito para mim, há três anos. Aquele tipo de roupa que você não usaria fora de casa, mas eu amava vestir aquela bendita peça, me sentia confortável e muito à vontade. Antes era extremamente colorida, agora já estava desbotada.

Era como se toda vida tivesse se esvaído junto com a de minha mãe. A dor e a saudade estavam em cada canto, mas meu conforto era, além das boas lembranças, saber que seu sofrimento havia chegado ao fim.

Dizem que se sofremos muito por alguém que faleceu, é remorso e ainda que, para os mais espiritualistas, isso pode atrapalhar a "passagem" da pessoa. Eu sempre tive crenças e sabia que a minha dor cicatrizaria, mas primeiro precisava deixá-la partir, me contentando em suportar e superar, já sabendo como seguir em frente. Só não conseguia imaginar que precisaria de tanta força para tal façanha, já que, se pudesse, teria feito de tudo para tê-la de volta como em minhas memórias de infância.

Um vento gélido invadia a sala deixando qualquer um com o sobreaviso de uma noite difícil, fria e solitária. Eu nem conseguia aproveitar o sentimento que sempre me atingia em momentos como esse - a paz no silêncio das pessoas e a agitação nos sons do vento cortante ou da chuva turbulenta - e, como não havia o conforto da presença de alguém importante para mim, imediatamente fechei as janelas e liguei o aquecedor. Deitei-me no sofá, sentindo que não poderia aguentar mais de tudo no momento e peguei no sono.

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r e v i s ã o: @Crazy_Nutelleira

Mesmo sendo um capítulo triste, anseio para que se apeguem e avancem até o próximo. Não esqueçam de votar se gostaram e comentar o que acharam, se sentirem-se à vontade com isso.

Vejo vocês nos comentários!
Até a próxima ;**

The 2 Of Us - Livro 1. Duologia The 2 Of Us.Onde histórias criam vida. Descubra agora