Filho pródigo

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Dedico esse livro para aqueles que voltam, aqueles que ficam e para aqueles que partem.

🌌🌠


PARTE I

JOHN



O bom filho ao lar regressa. Ou pelo menos nisso que eu deveria acreditar. Prefiro não aceitar. Tento não ser ingênuo e conceber que ideias vis alcancem o meu cérebro.

Afinal, eu sei que não sou um bom filho.

O idiota ao meu lado não para de me olhar pelo espelho do carro, vigiando-me como se eu fosse uma criança pequena necessitando dos cuidados de uma babá. E eu odeio isso. Passamos por uma placa verde com letra desbotada, cuja inscrição era boas-vindas à Paradise. Para mim, isso soa como "bem vindo à selva de gelo da qual nunca sairá, John A. Walker".

Paradise. Paraíso. Para mim, esta cidade é o inferno, isso sim. Paradise é uma cidade pequena — muito pequena mesmo — ao sul do estado do Oregon. É tão minúscula — com seus quatro mil habitantes — que se torna quase invisível no mapa. Nunca há sol nesse lugar, e todos os dias os céus são cobertos por nuvens de tonalidades escuras, espantando qualquer aspecto de alegria.

Quando não está chovendo, está nublado; e quando não está nublado, está chovendo.

Estamos em outubro de 1984, e estou mudando de escola praticamente quando todos os alunos já foram estabelecidos em suas devidas classes e círculos sociais, pois caso não saibam, o ano escolar começa no início de setembro.

Aqui todos se conhecem. Cresceram juntos. Conviveram juntos. Eu sou apenas um estranho, um tumor grosseiro que se rasteja na pele deles.

Sou um intruso.

Pela janela do carro, vejo algumas decorações típicas, tais como abóboras com buracos para os olhos e um sorriso largo, asas de morcego decorando a vitrine das lojas e pequenos fantasmas feitos de papel, pendurados em cordas. Isso é o máximo que verei daqui por diante.

Tento evitar a minha mão de coçar o meu olho imensamente inchado e roxo. Estive em mais uma briga que levou-me direto para a delegacia. Minha vida já estava complicada. Era considerado o pior aluno em minha antiga escola, e, consequentemente em casa, um péssimo filho. Regina, minha mãe, resolveu comemorar suas bodas de aço com meu padrasto e viajar para o Havaí. Mas óbvio que eu não estava nos planos dela. Regina fez o desfavor de abrir mão da guarda que tinha sobre mim, e deu-me embrulhado em papel presente de um dólar e noventa e nove centavos, com um selo dourado de "adeus e não volte mais", para Robert. 

É bem mais fácil livrar-se de um filho quando este já está bem crescido e sabe comer sem precisar de babador.

Encolho-me no assento do carro. Fazia tempo que eu não ficava com Robert, desde que eu tinha doze anos. Desta vez, ao que parece, é definitivo a minha estadia em Paradise. Eu irritei pra valer a Regina. Não sou bem-vindo na vida dela.

E...

Não sou bem-vindo aqui.

Lá, na Califórnia, eu tinha uma reputação benquista. Era o capitão do time de basquete. Eu era a estrela do meu time. Estrela, não. Um astro. Um cara invejado... Isso até o momento crítico em que tudo desabou como um castelo feito de cartas de baralho. Minha glória foi para o lixo enquanto um novo e amargo legado era tecido. Tornei-me o garoto problema que explode banheiros.

Nós, em uma casca de noz!Where stories live. Discover now