Desconfiada, procurei o colega de quarto dele.

"Ele sempre dorme com aquela faca debaixo do travesseiro?"

"Faca? Você quem deveria saber", ele respondeu. "Ele quase nunca passa a noite no nosso quarto, sempre está dormindo com você".

Ele dormiu no meu quarto apenas uma vez.

Dia 03.

O vaso no corredor dos dormitórios masculinos cobria apenas metade do meu corpo. Ainda assim, me encolhi o máximo que pude para que continuasse escondida enquanto vigiava a porta do quarto dele. Levei um susto quando alguém apareceu por trás e perguntou o que eu estava fazendo. Já pensando em mil desculpas, encontrei uma garota que parecia despreocupada. Ela usava apenas uma calcinha embaixo da camisa branca social que se esticava até metade da coxa. Qualquer menino que a encontrasse naquele corredor ficaria deleitado por ela — até notar a louca escondida atrás do vaso.

"Estou em uma missão secreta", respondi.

"Ok, James Bond. Aposto que você está de olho em algum garoto. Não se preocupe, não vou falar para ninguém. Mas, tipo, melhor você ter cuidado para não ser flagrada pelo inspetor".

"Bom, pelo menos estou usando alguma roupa".

"Se você quer fisgar algum garoto, não está indo pelo caminho certo", ela piscou e se retirou para as escadas.

Bocejei e percebi que talvez fosse melhor deixar a missão secreta de lado.

Dia 04.

A garota no corredor estava certa: eu precisava fisgá-lo. Demonstrar que tinha controle da situação, por mais que minhas pernas mal ficassem estáticas quando estávamos juntos. Ele não necessitava saber das minhas inseguranças, dos meus medos e desconfianças. Convidei-o para dormir em meu quarto, fiz a melhor faxina que consegui e o esperei do lado de fora da porta.

Coincidentemente, encontrei a garota. Dessa vez, ela estava devidamente uniformizada.

"E aí, deu certo?", ela sorriu, realmente interessada.

"Ele está vindo para cá".

"Posso saber quem é?".

"Nã...", antes que eu pudesse terminar a frase, ele desceu as escadas, ajeitando o cabelo com as pontas dos dedos.

"Ah, é esse?", a garota se retraiu, os olhos confusos. Algo naquela expressão me incomodou, mas não tanto quanto a frase que ela disse em seguida: "Amiga, acho que você deveria prestar mais atenção nesse rapaz".

"Espere", segurei o ombro dela antes que ela fosse embora. "Qual é o seu nome?"

"Meu nome é Maia".

Minha nova 'amiga' já tinha ido embora quando ele chegou, carregando uma mochila. As pontas dos dedos dele deslizaram pelo meu rosto e a unha mal cortada deixou um pequeno corte perto da orelha. "Acho que você deveria prestar mais atenção nesse rapaz". Engoli em seco, indo contra o planejado e deixando minha vulnerabilidade transparecer.

"Você está tensa e distante", ele advertiu. "Quer me contar o que está acontecendo?"

"Não, não estou", sorri e o convidei para entrar no meu quarto. "Mas, preciso impor uma condição: eu quero que você durma sem a faca. Não me sinto segura", coloquei as mãos na cintura.

"Ahhhhh, de novo esse papinho insuportável!". Ele bateu a porta com grosseria e tirou a faca da bolsa, senti calafrios. "Não era nem para você saber que eu dormia com isso. Por acaso você se cortou com essa faca? Em?".

"Não", respondi com a voz mais fraca que minha garganta poderia emitir.

"E você acha que eu faria? Faria alguma coisa contra você?", o tom de voz dele estava tão alto que comecei a me preocupar.

"Não".

"Então por que diabos você ainda reclama da porra dessa faca?", ele respirou fundo e passou as duas mãos pelo rosto, exausto. Não consegui controlar as lágrimas. A forma como as palavras saíam de sua boca dava a entender que ele já havia ensaiado aquele discurso. Os argumentos estavam prontos para me derrotar. Ele estava armado com palavras, o que poderia ser muito pior do que uma faca (eu tinha dito que não ia ser metafórica, não?).

Quando a poeira baixou, deitamos de costas um para o outro. De vez em quando, nossos pés se tocavam e meu corpo inteiro congelava.

Percebi a movimentação no meio da noite, quando ele pegou a faca e olhou para mim. Fechei os olhos o máximo que pude, fingindo que estava dormindo. Minha respiração, ainda assim, estava ofegante. Ele suspirou e fungou como se estivesse chorando.

Não posso dizer se ele sabia que eu estava acordada quando sussurrou, alisando a ponta da faca: "Me desculpe, mas eu preciso matar você".

Um mês antes do "suicídio"

Meu pai e minha mãe morreram em um acidente de carro quando eu tinha apenas cinco anos. Um grande amigo do meu pai, Giancarlo Bastile, me criou como sua própria filha até o momento que eu descobri seu graaande segredo. Depois disso, eu fui privada do amor e de suas vertentes.

Até o momento em que eu conheci o rapaz que mudaria minha vida. Eu descobri o que é passar uma tarde inteira com um sorriso de orelha à orelha, o que é se sentir segura do próprio corpo, descobri o que é se sentir completa. Eu amei, beijei, transei, senti. Pela primeira vez, estive viva. Não fui embora com meus pais no acidente de carro. Pela primeira vez, não pensei na morte como escapatória.

Mas, infelizmente, me arrastaram até ela.

E, se ele realmente precisa me matar — independente das razões que o leve a dizer isso em meio a lágrimas —, eu o deixarei que faça isso.

Eu o chamarei para vir até meu quarto. Pararei o mais próximo da janela que puder e pedirei que ele cumpra com suas obrigações. Estarei olhando nos olhos dele quando a mão grande me empurrar. E continuarei olhando quando meu corpo estiver caindo, de costas, contra o chão. Ele foi o mais próximo que cheguei de um amor, então é para aquele filho da puta que quero estar olhando quando tudo acabar.

Poucos minutos antes do homicídio

Quando a rodinha do rolimã prendeu à pedra, eu me arrependi de ter subido no brinquedo. Quis voltar no tempo e nunca ter topado a brincadeira, nunca ter me arriscado. Mas, por pelo menos alguns segundos, eu precisava ser feliz. E eu realmente fui a pessoa mais feliz do mundo quando o vento bateu contra meu rosto e senti um frio na barriga enquanto o brinquedo deslizava pela descida.

Se o arrependimento bater quando meu corpo estiver próximo ao chão, eu preciso fazer algo. Pelo menos depois da minha morte, em algum momento, eu preciso ser justa comigo mesma!

Por isso, querido diário, só você sabe a verdade do que está acontecendo aqui. Vou esconder você neste quarto e, caso alguém encontre e queira tomar alguma providência, procure a garota que descrevi um mês atrás. Não vai ser tão difícil encontrar alguém com o nome "Maia" neste colégio. Ela sabe quem é o rapaz que estava comigo o tempo todo, e desconfia dele por algum motivo. Não vou expô-lo, a decisão de entregá-lo é de quem ler estas páginas.

Obrigado por ter aturado minhas memórias sádicas. Talvez a gente se encontre por aí, quando eu estiver vagando feito um fantasma, trajando o uniforme desta porcaria de colégio. Câmbio e desligo.


A Última Gravata VermelhaTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon