3.

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Eu admiti meu crime duas vezes e, em ambas, obtive a mesma resposta.

Você vai ter que mentir. — os rostos e vozes de Felipe e meu pai se fundiram com aquela fatídica frase. De repente, eu estava de volta à sala da minha casa, um mês atrás. A testa ainda suja de sangue e meu pai andava de um lado para o outro, os sapatos sociais batendo no chão. Com uma das mãos no queixo e a cabeça baixa, seu rosto furioso estava refletido no piso de mármore preto.

— E-Eu não sabia e...

— Onde está Lucas? — meu pai perguntou, duas pequenas chamas imaginárias acesas em suas pupilas. — A culpa é dele! Minha irmã nunca soube como criar aquele...

— A culpa é minha, pai!

— Não, Bernardo. Quando você sair dessa sala, a culpa vai ser integralmente do seu primo. Você é inocente, entendeu? — meu pai finalmente conteve a respiração e os gestos acelerados. Curvou-se diante do sofá onde eu estava sentado. Eu, todo sujo, estava em contraste com o sofá completamente branco. Com o tom mais calmo de voz que conseguiu, praticamente professoral, ele perguntou. — Filho, por que você fez isso?

Era a primeira vez, desde a morte de minha mãe, que ele olhava nos meus olhos.

— Bernardo? — A metamorfose recomeçou, agora eu estava de volta ao meu quarto com um Felipe ansioso, sem o cigarro entre os dedos. — Você tem dessas de ficar apagando? 

— Foi mal, viajei por um momento. — abaixei a cabeça.

— Enfim... Cara, quando as pessoas perguntarem, na festa do Salsicha ou em qualquer outro lugar, você vai ter que mentir. Esse colégio está cheio de adolescentes riquinhos que incomodaram os pais ocupados demais. Não sei como eles reagirão se souberem que há alguém aqui que fez uma merda de verdade. — Felipe sentou ao meu lado e sorriu — Sorte a sua que sou um excelente colega de quarto e sei guardar segredo. Seja cuidadoso, ok?

Meu colega de quarto parecia realmente preocupado e isso o distanciou de meu pai. Julio Almeida estava apenas apreensivo sobre como aquilo reverteria para a sua própria reputação ou a da empresa. Já Felipe, apenas queria que eu me desse bem no colégio novo. 

— Vou tomar banho. — disse ele, arrancando a gravata vermelha do pescoço e jogando o paletó sobre a cama. 

— Felipe? — chamei, enquanto ele atravessava a porta.

— Sim?

— Obrigado. — ele sorriu, ainda com as sobrancelhas arqueadas, e sumiu corredor afora.

* * *

O chuveiro do Colégio Interno São Dimas parecia ter apenas duas opções de temperatura: 1) Quente para caralho ou 2) Frio da porra. Optei pela primeira opção e o banheiro ficou tomado por muita fumaça. Depois do banho, coloquei uma camiseta branca básica e uma calça jeans escura.

Pude levar pouquíssimos objetos para o colégio. Roupas simples e alguns livros que ajudariam na minha formação. Não sofri para deixar meu celular em casa, aprendi a detestar aquele objeto depois que meu pai tornou-se completamente submisso a ele.

Quando saí do banheiro, senti o piso tremer. O contra-baixo de alguma música repercutia do quarto 72. O som aumentando e diminuindo toda vez que alguém abria a porta. O serviço de inspeção daquele colégio era realmente péssimo. Deixei a toalha no meu quarto, troquei os chinelos por um par de tênis preto e fui à festa.

Alguma cantora de funk com a voz aguda entoava uma canção simpática incentivando as pessoas a "sentar". Viva o sedentarismo! Ao meu lado, duas garotas seguiam as instruções da música com as mãos apoiadas na parede. Três rapazes as observavam, rindo e fazendo comentários que eu não conseguia escutar (melhor assim). O quarto de Salsicha era tão pequeno quanto o meu, mas ainda assim umas cinquenta pessoas se espremiam lá, entre duas camas e vários pôsteres com o rosto do Bob Marley. Garrafas e copos estavam espalhados no chão, o cheiro de maconha preenchia o ar.

A Última Gravata VermelhaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora