14.

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"Olho pra mim mesmo e procuro

E não encontro nada

Sou um pobre resto de esperança

À beira de uma estrada...

Preciso acabar logo com isso

Preciso lembrar que eu existo

Que eu existo, que eu existo..."

Sentado à beira do caminho - Erasmo Carlos

Ela não parecia incomodada com a gravata que prendia suas mãos. Não parecia incomodada com meus olhos vermelhos, meus cabelos desalinhados e com minha respiração ofegante. Aquele desespero era unilateral, eu estava envolto por um nó muito maior.

— Eu não posso te contar toda a verdade, você tem que descobrir sozinho. Se é que existe alguma verdade nisso tudo— ela suspirou e eu quis xingá-la de vários nomes. Aquele suspense estava me enlouquecendo — Mas talvez eu possa te ajudar.

— Pode me dizer, pelo menos, o seu nome? — perguntei. Ela girou os olhos para o teto, bufando.

— Bernardo, feche os olhos. — comecei a protestar, mas ela agiu de modo rápido e inesperado. O nó da gravata que prendia suas mãos se desfez em um segundo. Ela pegou o objeto e tapou minha boca, amarrando atrás da nuca. — Eu poderia sair daqui se eu quisesse. — por mais que eu tentasse intervir, só conseguia emitir murmúrios estranhos — Porém, como sou muito boazinha, vou te ajudar. Então, faça o que estou pedindo: feche os olhos. — "Mmmm, mmmm, mmmm" — Vou contar até três. Se você não fechar, eu vou embora e você vai ter que explicar para as freiras porque está com uma gravata amarrada na boca no quarto interditado. — Revirei os olhos antes de fechá-los. — Ótimo. Conte até dez e depois abra-os novamente.

Um. Dois. Três. A garota (Anita?) já não parecia estar mais ali. Eu não escutara passos e nem o movimento da porta, mas era como se a sua presença tivesse se esvaído. Quatro. Cinco. Seis. O nó da gravata se desfez, o objeto escorregou da minha boca até o chão, pousando sob meu sapato. Sete. Oito. Nove. Respirei fundo, inseguro. Dez.

Meus olhos arderam com a luz forte do sol. Não fazia ideia de como — e aquela era mais uma das muitas dúvidas para minha caixinha de perguntas não respondidas — a noite virara dia e agora os raios de sol batiam contra a janela, iluminando o quarto mobiliado. O edredom cor-de-rosa escorregava para fora da cama desarrumada, caindo sob o carpete cinza. A porta se abriu e a garota entrou, jogando uma mochila sob a cama. Aqueles olhos grandes sequer notaram a minha presença.

Anita? — arrisquei. Ela sentou ao lado da mochila, os cabelos curtos e escuros tampando seu rosto. Ela empurrou uma mecha para trás de orelha e percebi que ela chorava. O olhar perdido brilhava com as lágrimas acumuladas. A veia saltava na garganta, uma vermelhidão percorria todo o rosto.

— Será que alguém vai se machucar se eu pular por essa janela? — ela perguntou, encarando a parede.

Você vai se machucar. — respondi. Ela ainda não olhava para mim. — Você está falando comigo, não está? — Caminhei até ela e abanei minha mão. O olhar continuava vago, me atravessava como se eu nem estivesse lá. E talvez eu não estivesse mesmo. Andei até a janela e observei os jovens que andavam de um lado para o outro, trajando roupas azuis. Toda aquela situação já acontecera, eu era o mero observador de uma lembrança. Ela levantou-se e caminhou até a janela, ao meu lado. Apoiou as duas mãos na beirada. Foi como se um alarme soasse dentro da minha cabeça: eu sabia o que ela estava prestes a fazer. — Por favor, não faça isso.

A Última Gravata VermelhaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora