27.

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— Por que você demorou tanto? — Leo perguntou, esparramado no banco de trás do carro de meu pai. Bati a porta e encarei Leo, pensando se deveria responder com a verdade: "Desculpe, atrasei-me porque um cara que era a fim do seu pai acabou de matá-lo na minha frente. Ah! Eu não poderia te contar isso porque o meu pai me chantageou com uma foto da minha ex-peguete sendo mantida como refém". Ao invés disso, apenas respondi:

— Tive dor de barriga.

— Porra! Espero que você tenha ao menos fechado a porta do banheiro, porque meu pai não poderá usar as mãos para tampar o nariz.

— Seu pai... ficará bem — arfei, encarando Julio sentado no banco do passageiro enquanto Walter dirigia.

Em instantes, algum funcionário do hospital entraria no quarto e encontraria Figo morto, com os aparelhos desligados e a boca cheia de terra. Imaginei se o garoto ao meu lado saberia de todos os detalhes ou ouviria um simples "seu pai não sobreviveu". A culpa que tomava conta do meu cérebro escorreu até o estômago, senti todos os alimentos revirarem dentro de mim logo na primeira curva, enquanto passávamos em frente a um boteco.

— Preciso descer — eu disse — Pode parar por um minuto? Vou usar o banheiro.

— Caralho, Bernardo. O que você comeu? — Leo perguntou, esboçando um risinho. Walter encostou o carro, que cambaleou ao bater com a roda na calçada. Ao notar seus dedos suados agarrados ao volante, percebi que ele estava tão incomodado quanto eu.

Entrei correndo no bar pequeno e mal iluminado, sem ao menos fechar a porta do carro. Alguns bêbados dividiam-se entre mesas de plástico amarelas molhadas de cerveja, enquanto gritavam "truco!" ou xingavam sogras e chefes. Um deles apoiava-se em uma jukebox, escolhendo o próximo modão sertanejo que agraciaria aquele adorável ambiente. Na televisão, um programa sensacionalista mostrava as imagens de um helicóptero que sobrevoava ao redor de uma cadeia.

Andei até o fundo do local e empurrei a porta de madeira que raspou no chão sujo do banheiro. Fechei-a e me curvei diante da privada, apoiando as mãos na porcelana molhada de mijo. As imagens explodiam na minha cabeça: Figo morto, areia e sangue escorrendo pelo canto da boca, as mãos de Maia amarradas, os olhos lacrimejando, Giancarlo sorrindo para mim, meu pai atravessando a janela...

Minha garganta emitiu um som escroto quando o vômito saiu. Senti-me miserável enquanto chorava soluçando, o queixo e o nariz sujos. Pouco me importando com a desasseio daquele local, sentei-me ao lado da privada e deixei que as lágrimas escorressem e a respiração continuasse eufórica até que voltasse ao normal. A impotência tomava conta de mim, como se eu não pudesse me defender de um prato cheio de terra e um travesseiro contra meu rosto.

Tentei me recompor quando vi a maçaneta pender para baixo e a porta abrir-se aos poucos, acompanhada do grito da madeira contra o chão. Contraí o corpo quando meu pai atravessou a porta, encarando-me, os braços cruzados. Desviei o olhar, ainda sentado ao lado da privada e com o rosto sujo.

Ele deu dois passos para dentro do banheiro, fechou a porta e, sem dizer uma única palavra, sentou ao meu lado. Não contive a surpresa ao perceber que ele estava, sim, encostando seu terno caro no chão imundo e grudento daquele banheiro de boteco velho.

— Acredite no que estou dizendo: sua amiga está bem — ele disse, quebrando o silêncio. Sua voz ecoou no cômodo pequeno, enquanto alguma música do Chitãozinho e Xororó compunha a trilha sonora daquele instante, o som abafado pela porta fechada — Seu amigo também ficará. O telefone dele tocou enquanto você estava aqui. Ele não ficou assustado com a notícia — meu pai curvou-se para a frente e pegou o papel higiênico. Enrolou alguns pedaços nos dedos, arrancou-os e inclinou-se para limpar o vômito em meu queixo — O motorista levou-o para a casa de uma tia. Não fica muito longe daqui e ele deve voltar logo, mas dá tempo de tomar uma cerveja. Você quer?

A Última Gravata VermelhaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora