4.

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Tudo o que estava revirando meu estômago saiu pela boca no instante seguinte. Com a mão no abdômen, vomitei uma camada grossa de vômito azul e amarelo no carpete.

— Eu... Eu te conheço! — eu disse, ajoelhado no chão, sentindo um fio de baba escorrer pelo meu queixo.

— Primeiro: você não me conhece. — ela levantou-se da cama, revelando uma camisola branca que ia até os joelhos finos. — Segundo: me conhecendo ou não, você não tem direito de invadir o quarto e, pelo amor de Deus, vomitar no chão! Fora!

Era difícil levar a sério o dedo apontado para a porta e as sobrancelhas curvadas de raiva, porque ela parecia um quadro de Margaret Keane. Tinha olhos castanhos bem grandes que ocupavam a maior parte do rosto fino, moldado por cabelos escuros e curtos, na altura dos ombros. Não deveria ter mais que um metro e sessenta, não crescera muito da última vez que nos vimos — se é que ela era a garota que eu vira dez anos atrás.

— Tem algo de muito familiar em você. Talvez nós já tenhamos nos encontrado antes.

Fora! — ela gritou mais uma vez, com a voz aguda.

— Você não quer que eu limpe o vômito? Eu posso te ajudar e... — com delicadeza, ela caminhou até mim, contornando a camada suja. Quando chegou perto, estendeu a pequena mão e torceu minha orelha com força, me arrastando até a porta enquanto eu resmungava de dor. — Ai! Aaaai! — ela parecia mais desesperada para que eu saísse do quarto do que em limpar a bagunça.

— O senhor, por favor, suba para o seu quarto e não volte a aparecer aqui. — ela me empurrou para o corredor, soltando a minha orelha. — Não volte aqui. Entendeu? — eu fiz que sim com a cabeça, mas ela não aparentou convencimento. — Eu fui clara, Bernardo?

Nós dois percebemos que ela disse meu nome sem que eu tivesse me apresentado. Antes que eu pudesse intervir, a porta fechou com um estrondo que ecoou pelo corredor escuro. O som da chave girando na fechadura do quarto 56 tomou conta do ambiente.

* *

Segurei minha primeira gravata vermelha na mão e olhei o reflexo no espelho do corredor. Quando meu pai se tornara viciado em trabalho, os ternos e as roupas sociais eram como uma segunda pele para ele. Lembro que, com muita habilidade, os dedos dele circulavam pelos tecidos das mais variadas gravatas, formando nós que se ajustavam com perfeição no pescoço.

Eu era pequeno e ainda tinha esperanças de que meu pai poderia ser um super-herói. A habilidade de fazer nós em gravatas era o meu poder favorito, então eu o observava toda manhã, quando ele se arrumava. Talvez, um dia, o mundo precisasse de um super-herói que soubesse dar nós com perfeição, e meu pai seria este cara.

Depois percebi que ele não era super-herói, era só um babaca que não estava salvando porra de mundo algum. Nem o meu mundo.

Mas, diante do espelho, eu era o pupilo daqueles anos de observação. Circulando a gravata vermelha pelo colarinho da camisa branca, tive como resultado um eu elegante que sequer parecia estar de ressaca. As olheiras estavam mais suaves, e meu rosto menos pálido. Abotoei o paletó e, pronto. Eu era, integralmente, um dos adolescentes-problemas do Colégio São Dimas.

* * *

O inspetor do meu andar era chamado de Leôncio — até hoje não sei se este era realmente seu nome ou se ele foi apelidado assim por parecer com o vizinho do Pica Pau (com o histórico do Salsicha, conclui-se que as pessoas do meu colégio adoravam desenhos animados). Leôncio tinha um bigode grosso, uma careca brilhante e um corpo em formato de pêra. Ele tratava os alunos como se todos fossem uma única pessoa; como se todos fossem os donos de um único pé que atinge o saco dele todos os dias.

A Última Gravata VermelhaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora